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reportagem cultural

- Publicada em 19 de Janeiro de 2023 às 20:02

Escritor, colecionador e mecenas, Gilberto Schwartsmann é um apaixonado pelas artes

Escritor, colecionador, incentivador e entusiasta das artes, o médico Gilberto Schwartzmann vive uma relação apaixonada com a literatura

Escritor, colecionador, incentivador e entusiasta das artes, o médico Gilberto Schwartzmann vive uma relação apaixonada com a literatura


/ISABELLE RIEGER/JC
"Eu fui a muitas mostras e exposições sobre Marcel Proust, inclusive na França", explica o médico Gilberto Schwartsmann. "E posso garantir que não há nada semelhante em matéria de estrutura e relevância como essa", entusiasma-se. A alegria é merecida. Gilberto é o criador e curador de Caminhos de Proust - Cem Anos Depois, exposição que marca o centenário de morte do escritor francês e que está em exibição, desde 1º de dezembro do ano passado, na Biblioteca Pública do Rio Grande do Sul.
"Eu fui a muitas mostras e exposições sobre Marcel Proust, inclusive na França", explica o médico Gilberto Schwartsmann. "E posso garantir que não há nada semelhante em matéria de estrutura e relevância como essa", entusiasma-se. A alegria é merecida. Gilberto é o criador e curador de Caminhos de Proust - Cem Anos Depois, exposição que marca o centenário de morte do escritor francês e que está em exibição, desde 1º de dezembro do ano passado, na Biblioteca Pública do Rio Grande do Sul.
A mostra - que fica em cartaz até o próximo dia 17 de fevereiro, com visitação de segunda a sexta-feira, das 10h às 18h, e aos sábados, das 10h às 17h - conta com cerca de 200 itens, quase todos integrantes de dois dos maiores acervos culturais do Brasil: o do próprio Gilberto Schwartsmann e o de Pedro Corrêa do Lago, neto de Oswaldo Aranha e também editor, escritor, historiador, colecionador, curador e administrador, dono daquela que é considerada a maior coleção privada de manuscritos do mundo. "Minha relação de amizade com o Gilberto é recente, mas é muito intensa. Nós estivemos juntos em Paris, em Porto Alegre, em São Paulo, no Rio de Janeiro e em vários outros lugares. Eu tento acompanhar o incrível dinamismo do Gilberto e fico muito impressionado com a quantidade de iniciativas que ele toma em várias áreas, todas elas muito bem-sucedidas", reconhece Corrêa do Lago.
Celebrando a entrega da primeira etapa das obras de restauração da Biblioteca Pública, a exposição é aberta com os visitantes sendo recepcionados por uma estátua de Marcel Proust em tamanho real. A base da mostra é quase que toda ela estruturada em cima de À La Recherche Du Temps Perdu (Em Busca do Tempo Perdido), obra-prima do autor francês que retrata a aristocracia e a alta burguesia da Paris, da belle époque até os anos após a Primeira Guerra Mundial.
O roteiro ainda destaca a ligação do escritor francês com o Brasil, em especial com Porto Alegre. Foi na capital gaúcha, por iniciativa da Editora Globo, que foi feita, em 1948, a primeira tradução da obra do francês no país. O responsável por adaptar para o português os quatro primeiros volumes foi o poeta Mario Quintana. Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade e Lúcia Miguel Pereira traduziram os volumes restantes.
Caminhos de Proust é uma mostra múltipla e que explora muitos sentidos, inclusive o paladar, com o roteiro cultural sendo concluído com uma parada para chá e madeleines. E como a mostra é gratuita, aberta ao público, as madeleines - biscoitos em forma de concha originários da comunidade de Commercy, no nordeste da França, que Proust usa no livro para contrastar a memória involuntária com a voluntária - acabam cumprindo um outro papel além de deliciar os frequentadores. É através do número de madeleines consumidas que Gilberto sabe quantas pessoas visitaram a exposição.
 

O homem que colecionava

Médico exitoso, Gilberto Schwartsmann traz a paixão de bibliófilo no coração

Médico exitoso, Gilberto Schwartsmann traz a paixão de bibliófilo no coração


/ISABELLE RIEGER/JC
Nascido em Passo Fundo, em agosto de 1955, Gilberto veio com a família (o pai comerciante, a mãe, dona de casa) ainda criança para Porto Alegre. Formado em medicina - com especialização em oncologia - Gilberto construiu uma das mais exitosas carreiras entre seus contemporâneos, com reconhecimento local e internacional, sendo homenageado na Inglaterra e na Holanda. Membro titular da Academia Nacional de Medicina, Gilberto foi presidente da Academia Sul-Riograndense de Medicina, além de ser integrante da Real Academia de Medicina da Espanha. Entre tantas homenagens, Gilberto carrega com maior orgulho o fato de o Centro Acadêmico Sarmento Leite, dos alunos da Faculdade de Medicina da Ufrgs, ter criado o Prêmio Professor Gilberto Schwartsmann para reconhecer anualmente o aluno com a mais destacada publicação científica ao longo do ano anterior.
Medicina e literatura sempre andaram juntas na vida de Gilberto, sendo que a segunda entrou em primeiro lugar. Ele lembra que mal havia deixado a infância e as enciclopédias já lhe despertavam seus primeiros interesses literários. Logo, enveredou para trabalhos mais refinados, passando a ler Erico Verissimo e Monteiro Lobato. "Tive uma professora, Giselda, que foi fundamental em me estimular a descobrir a literatura. Aos 13 anos, eu já adorava frequentar a Livraria do Globo. Ficava horas mexendo nas estantes".
O colecionador começou a surgir ao natural. Primeiro foram edições de A Divina Comédia, de Dante Alighieri, de Marcel Proust, obviamente, de Ernest Hemingway e não parou mais. Para a exposição na Biblioteca Pública, ele emprestou peças preciosas de seu acervo particular sobre Proust. "A paixão dele é claramente de bibliófilo e de colecionador. Ele só não foi mais além nessa área porque ele teve de se ocupar de outras coisas muito importantes. Quem sabe agora com mais tempo, ele possa também aumentar a coleção. Essa é sua grande vocação. A emoção que ele tem com as peças é impressionante", relata Corrêa do Lago.
Hoje no amplo apartamento de dois andares no bairro Moinhos de Vento, em que vive com a mulher Leonor (os dois filhos do casal, Laura e Guilherme, já saíram de casa), Gilberto acumula raridades e preciosidades, como primeiras edições em francês, inglês, espanhol e italiano de obras de James Joyce, William Faulkner, Thomas Mann, Fiodor Dostoiévski, Tchekov, Tolstói ("Os russos são outra de minhas obsessões", confessa), além de quadros espalhados pelas paredes de artistas como Tarsila do Amaral, Burle Marx e Cícero Dias. Sobre o último, inclusive, Gilberto conta que o artista que é uma de suas admirações foi também responsável por um gesto heroico, de grande coragem. Foi quando o pintor pernambucano foi encarregado de contrabandear o poema Liberté, escrito por Paul Eluard, da França ocupada pelos nazistas para a Inglaterra, em 1942. Em reconhecimento a essa proeza, Cícero Dias foi condecorado pelo governo francês com a Ordem Nacional do Mérito, em 1998.
Tamanho fervor pelo colecionismo exige a cumplicidade das pessoas próximas. Gilberto teve esta confirmação numa viagem que fez a Paris, quando ainda era estudante em Londres. Era a primeira que fazia com Leonor e logo, em uma das primeiras caminhadas pela cidade, ele encontrou uma primeira tradução para o francês de As Mil e Uma Noites. Alertado pelo vendedor de que haveria um leilão em poucas horas, Gilberto começou a sofrer por antecipação, já que o valor equivalia aos sete dias que o casal pretendia ficar passeando. Leonor o apoiou, Gilberto arrematou a coleção de sete volumes e o casal voltou a Londres depois de apenas dois dias de férias.
 

Um mecenas de muitos projetos

Ao lado de Marion de Souza, durante leilão em 2004

Ao lado de Marion de Souza, durante leilão em 2004


/JOÃO MATTOS/ARQUIVO/JC
Além de colecionador, Gilberto Schwartsmann tem se destacado como mecenas. São poucos os eventos culturais realizados em Porto Alegre nos últimos anos que não tenham tido, de alguma forma, a sua significativa participação. À frente de importantes instituições culturais, Gilberto já presidiu ou ainda preside espaços como a Fundação Bienal de Artes Visuais do Mercosul (por duas vezes), a Associação dos Amigos do Theatro São Pedro, a Bach Society Brasil e a Associação dos Amigos da Biblioteca Pública do Estado do Rio Grande do Sul.
"Tive uma trajetória de sucesso em um país de muitas desigualdades", diz Gilberto. "Assim, me sinto quase que obrigado a devolver parte disso à sociedade. Por isso também procuro usar meu bom trânsito entre empresários e o setor público para atrair investidores e patrocinadores".
"Conheço Gilberto do ambiente cultural de Porto Alegre. Sempre admirei a disponibilidade e a habilidade de facilitar a construção de lindos projetos que nos aliviam as agruras da vida. Somos amigos que a cultura aproximou", conta o diretor teatral Luciano Alabarse. "Brinco dizendo que ele é um dos últimos mecenas do Brasil. Digo que se tivéssemos mais dez Gilbertos, vivos e atuantes, teríamos um cenário cultural mais potente e vigoroso. A importância do Gilberto para a cultura gaúcha é gigante, palpável, fundamental", considera Alabarse.
Autor de vários livros e capítulos médicos em publicações no País e no exterior, Gilberto agora só tem dedicado seu tempo de escrita a textos mais amenos. Já publicou crônicas, romances, poesia e uma peça teatral. Seu orgulho mais recente é o Gabinete de Curiosidades, texto adaptado para o teatro por Luciano Alabarse e que teve estreia no ano passado no Theatro São Pedro. Agora, na metade de janeiro, foi apresentada em São Paulo.
"Nossa parceria teatral tem sido pontuada por momentos felizes. Gabinete de Curiosidades, primeiro texto de teatro do Gilberto, é uma aula sobre a história do teatro, uma ode, um hino. Mas tudo é feito sem arrogância, o enorme cabedal de conhecimentos que a peça traz ao público, não oprime, não humilha quem não conhece", explica Alabarse.
E acrescenta: "Nossa apresentação em São Paulo foi ótima. A reação do público, da crítica e da classe, tem sido maravilhosa. Aplausos em cena aberta, aplausos de pé ao final. Incrível trabalhar no teatro do Antunes Filho. Essa ida tem a mão, o pé e o coração do Gilberto!"
Depois disso, Gilberto Schwartzmann não descansará. Já começou a idealizar uma mostra dedicada aos 60 anos da morte de Georges Braque, o pintor e escultor francês que foi amigo de Pablo Picasso e um dos fundadores do cubismo.
 

"O escritor deve transmitir da forma mais honesta alguma experiência humana"

Gilberto Schwartzmann:

Gilberto Schwartzmann: "Aos 13 anos, eu já adorava frequentar a Livraria do Globo, ficava horas nas estantes"


/ISABELLE RIEGER/JC
Na nossa conversa em seu apartamento, no final do ano passado, lancei a Gilberto a seguinte proposta: em uma fictícia biblioteca, localizada também em uma fictícia ilha deserta, quais seriam os livros escolhidos por ele. Assim surgiu este questionário de 20 perguntas, todas elas objetivas e que também exigem respostas diretas. Apenas uma regra foi estabelecida: que as respostas fossem dadas de um só fôlego, dando preferência aos livros que surgissem de imediato na mente. O resultado está a seguir:
1. Qual o seu livro inesquecível?
São três: A Divina Comédia, de Dante Alighieri; Dom Quixote de la Mancha, de Miguel Cervantes; e Em Busca do Tempo Perdido, de Marcel Proust. São textos de alto valor literário e riquíssimos do ponto de vista cultural.
2. Qual seu trecho inesquecível?
Poderia ser a parte do Paraíso, da Divina Comédia, de Dante, quando descreve a inclusão de um dos filósofos e hereges mais detestados pela Igreja - Siger de Brabante - no Paraíso. Achei uma mensagem incrível e corajosa. Acho que Dante queria nos dizer que a religião sozinha seria uma temeridade. Seria preciso termos também o pensamento filosófico livre, para manter o equilíbrio entre a fé e a razão.
3. Qual o livro que mais o perturbou?
O Processo, de Franz Kafka. Achei que podemos fazer pouco contra a violência sem razão. Pobre Joseph K.
4. Qual o livro que você gostaria de ter escrito?
Pais e Filhos, de Turgueniev.
5. Qual o personagem que você gostaria de ter criado?
Iago, da peça Othelo, de William Shakespeare.
6. Qual o maior livro da literatura brasileira?
Um deles é Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa. Outro é Os Sertões, de Euclides da Cunha. Mas há muitos!
7. Qual o maior escritor da literatura brasileira?
Machado de Assis e Guimarães Rosa
8. Qual o livro que você mais relê?
A Divina Comédia, de Dante Alighieri; e Dom Quixote de la Mancha, de Miguel de Cervantes
9. Qual o livro mais superestimado que você conhece?
Tentei ler, mas não consegui desfrutar das obras escritas por Paulo Coelho.
10. Qual o livro mais subestimado que você conhece?
A Bíblia Sagrada. Eu adoro suas metáforas. É um texto incrível do ponto de vista literário.
11. Qual livro merece ser adaptado para o cinema?
Já foi: Doutor Jivago, de Boris Pasternak
12. Qual livro foi adaptado para o cinema e o resultado foi frustrante?
Acho que uma produção brasileira bem ruim foi Memórias Póstumas, baseado em Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis.
13. Qual o livro que você daria de presente?
A Peste, de Albert Camus; A Montanha Mágica, de Thomas Mann, entre outros.
14. Qual o livro que você gostaria de ganhar?
O Idiota, Os Irmãos Karamazov ou Crime e Castigo, todos de Fiodor Dostoievski
15. Qual o livro que você procura e que nunca encontrou?
Um manuscrito qualquer de uma obra de Jorge Luis Borges. Eu adoraria ver suas correções...
16. Qual deve ser o maior mérito de um escritor?
Transmitir da forma mais honesta alguma experiência humana.
17. Cite um grande livro de um grande autor.
Ulisses, de James Joyce
18. Cite um grande livro de um autor pouco conhecido.
O Mestre e a Margarida, de Mikhail Bulgakov.
19. Cite um livro que você esperava gostar e que te decepcionou.
Talvez Lolita, de Vladimir Nabokov. Não me decepcionou, mas não atingiu a alta expectativa que eu tinha antes da leitura.
20. Cite um livro que você não esperava nada e o surpreendeu.
Dentre os brasileiros, a obra poética de Manoel de Barros. Fui surpreendido pela beleza e originalidade de sua poesia.
 

Obras literárias

Caminhos de Proust está na Biblioteca Pública do Estado até o dia 7 de fevereiro

Caminhos de Proust está na Biblioteca Pública do Estado até o dia 7 de fevereiro


/ASCOM SEDAC/DIVULGAÇÃO/JC
Frederico e outras histórias de afeto (Editora Libretos, 2013)
Meus Olhos (Editora Sulina, 2019)
Acta Diurna (Editora Sulina, 2020)
Max e os Demônios (Editora Sulina, 2020)*
Gabinete de Curiosidades (Editora Sulina, 2021)
Divina Rima: Um Diálogo com a Divina Comédia de Dante Alighieri (Editora Sulina, 2021)**
O Sol Brilhou na Corrúpnia (Editora Sulina, 2022)
A Amante de Proust (Editora Sulina, 2022)***
* Obra traduzida para o espanhol, e publicada na Argentina, pela editora Leviatan, e que está em processo de tradução para o francês pela editora Ardavena
**Obra selecionada para aquisição pela Secretaria de Educação de São Paulo para fins educativos
***Obra traduzida para o espanhol, e publicada na Argentina, pela editora Leviatan, e para o francês, pela editora Ardavena
 
 
Márcio Pinheiro é jornalista e escreveu os livros Esse Tal de Borghettinho e Rato de Redação - Sig e a História do Pasquim.