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reportagem cultural

- Publicada em 01 de Dezembro de 2022 às 19:46

Artista de mente inquieta, Cláudio Levitan celebra mais de quatro décadas de criatividade

Levitan é um dos nomes mais criativos da cena gaúcha

Levitan é um dos nomes mais criativos da cena gaúcha


/TÂNIA MEINERZ/JC
Em 1976, aos 25 anos, Cláudio Levitan se apresentava assim: "Sua participação no aumento do censo populacional do Estado foi decisiva: nasceu em Porto Alegre, a 8 de março de 1951. Começou sua peregrinação de humor desde pequeno por pedaços avulsos de papel. Depois suas colaborações, ainda avulsas, foram para as páginas da extinta e única revista Grilus, nos jornais Pato Macho (infelizmente extinto), Exemplar, Zero Hora, Jornal de Santa Catarina, Diário de Notícias, Jornal do Inter e na também extinta revista Carrinho. Participou da 1ª Mostra de Cartum da Folha da Manhã e do Salão do Canadá em 1974 e 1975. É músico, arquiteto, ilustrador e capista de livros. E, melhor que tudo isso, humorista por livre e espontânea vontade".
Em 1976, aos 25 anos, Cláudio Levitan se apresentava assim: "Sua participação no aumento do censo populacional do Estado foi decisiva: nasceu em Porto Alegre, a 8 de março de 1951. Começou sua peregrinação de humor desde pequeno por pedaços avulsos de papel. Depois suas colaborações, ainda avulsas, foram para as páginas da extinta e única revista Grilus, nos jornais Pato Macho (infelizmente extinto), Exemplar, Zero Hora, Jornal de Santa Catarina, Diário de Notícias, Jornal do Inter e na também extinta revista Carrinho. Participou da 1ª Mostra de Cartum da Folha da Manhã e do Salão do Canadá em 1974 e 1975. É músico, arquiteto, ilustrador e capista de livros. E, melhor que tudo isso, humorista por livre e espontânea vontade".
Quarenta e seis anos depois, questionado por mim na última semana de outubro de 2022, Levitan atualizou assim o seu currículo: "Tento ser escritor por vontade de contar histórias e, pelo mesmo motivo, ator, diretor de teatro e de cena. Sou também professor e reitor da Universidade de Ciências Fictícias da Sbórnia".
De igual ao que havia dito 46 anos antes - e que consta na página de apresentação da 14 Bis, coletânea de humor que reunia ele e outros 13 humoristas gaúchos - Levitan mantém a amplitude de interesses e o ecletismo, duas das forças que o movem e fazem com que ele, aos 71 anos, pai de dois filhos já adultos e avô, continue interessado em produzir, criar e inventar. De diferente apenas o título que ostenta, talvez o mais importante da sua biografia: reitor da Universidade de Ciências Fictícias da Sbórnia.
A Sbórnia, terra natal de Kraunus Sang (Hique Gomez) e do Maestro Pletskaya (Nico Nicolaiewsky), do Tangos & Tragédias, é também um dos berços artísticos de Levitan, nascido em Porto Alegre no começo dos anos 1950 no seio de uma família judaica. Formado em arquitetura - que durante anos foi a sua principal atividade profissional - ele sempre manteve em paralelo os interesses artísticos. É músico (em especial compositor, mas também se sai bem no violão, no banjo e no bandolim) e escritor, com maior interesse pela literatura infantil e infanto-juvenil. "Levitan é um artista eclético, com um estilo muito próprio, debochado, brilhante", diz a atriz e pedagoga Márcia do Canto, viúva do músico Nico Nicolaiewsky, que ainda destaca o talento do amigo também nas artes gráficas e nas artes cênicas. "Já ouvi relatos de que Levitan é um grande ator. E gostaria que ele levasse mais a sério essa faceta", testemunha o músico Sílvio Marques, próximo de Levitan desde meados dos anos 1970 e parceiro de tantas aventuras musicais, principalmente na época do Saracura.
Para confirmar todo esse amplo espectro artístico, com vocês, os ensinamentos do reitor!
 

A música como tradição

Surgido como compositor nos anos 1980, Cláudio Levitan recebe elogios de colegas pela originalidade de suas canções

Surgido como compositor nos anos 1980, Cláudio Levitan recebe elogios de colegas pela originalidade de suas canções


/TÂNIA MEINERZ/JC
Ben Sidran - pianista, compositor, cantor americano, nascido em Illinois, Chicago, em 1943 - é também escritor e autor do livro (nunca lançado no Brasil) There was a Fire: Jews, Music and the American Dream (algo como Havia um Fogo: Judeus, Música e o Sonho Americano). No livro, lançado nos Estados Unidos em 2012, o autor tenta explicar como e por que 2% da população dos Estados Unidos são responsáveis por 80% da produção musical do país. A estimativa algo hiperdimensionada é dele, mas tem muito de verdade. Antes do rock, por exemplo, entre os grandes compositores, Cole Porter era exceção. Os demais - nomes como Ira & George Gershwin, Irving Berlin, Richard Rodgers & Lorenz Hart (& Oscar Hammerstein II), Jerome Kern, Harold Arlen... - integravam uma lista de gênios musicais judeus.
Levitan entende bem essa tese. "Venho de uma família judia e, apesar de não ser religiosa, tinha muito da tradição no meio da nossa criação, nas músicas, na comida, no humor. Meus parentes inclusive conversavam em ídiche e alemão quando não queriam que a gente entendesse o que falavam".
Com a música, a relação é ainda mais forte. "Não creio que exista algo que possa ser chamado de uma escola, mas, sem dúvida alguma, é possível notar uma cultura forte que passa por simbiose dentro da comunidade", avalia Levitan. "Porém, depois da Segunda Guerra, acredito que pelas décadas de 1950 ou 1960, alguns músicos americanos definiram numa escola ou gênero, que chamaram de klesmer, e que seria forjado nos guetos e shtetls, as vilas rurais, judaicas da Europa Central." 

Cláudio Levitan (ao centro), em momento de empolgação criativa ao lado dos colegas Fernando Pezão, Nico Nicolaiewsky, Hique Gomez e Fabio Mentz

Cláudio Levitan (ao centro), em momento de empolgação criativa ao lado dos colegas Fernando Pezão, Nico Nicolaiewsky, Hique Gomez e Fabio Mentz


ENEIDA SERRANO/acervo pessoal cláudio levitan/reprodução/jc
Ouvido e interpretado desde os anos 1980 pelo Saracura e por Bebeto Alves, Levitan só gravaria o seu primeiro disco em meados da década de 1990. Compositor surgido em 1982, quando seu Tango da Mãe, parceria com Nico Nicolaiewsky, foi gravada pelo Saracura no único LP do grupo - "suas canções com esta levada pop foram fundamentais na carreira do Saracura, além dos seus roteiros e da direção de muitos shows", atesta o baterista Fernando Pezão - Levitan seria também gravado por Bebeto Alves, em 1987, com From The Other Side. As duas músicas entrariam anos mais tarde no disco de estreia de Levitan.

Gravado entre dois anos (1994 e 1996), entre duas cidades (Porto Alegre e Hamburgo, na Alemanha) e com o nome bem apropriado de O 1º Disco, o trabalho de estreia foi praticamente feito em casa, com projeto de Cláudio e do filho Lucas, e fotos de Eneida Serrano, então mulher do músico. O 1º Disco era - segundo a definição do próprio autor - "algo que fermentava em sua cabeça há décadas", um "sonho confuso" que o amigo e "mago" Fernando Pezão tornou realidade. "A partir do primeiro disco do Levitan, que eu produzi, ficamos mais amigos, nos encontrando seguidamente com o Nico, sempre às segundas-feiras", lembra Pezão, ao lado de Kiko Ferraz e de Fernando Corona, um dos mais constantes parceiros musicais de Levitan.

Porém talvez o seu trabalho mais autoral - em sintonia com suas origens judaicas - foi gravado em 2001, Minha Longa Milonga. No disco, Levitan, descendente de lituanos, lembra a história do massacre de 2 mil judeus, em abril de 1941, na pequena cidade de Keidânia. O trabalho abre com A Milonga da Pequena Keidânia e segue com outras 16 faixas, todas de sua autoria, exceto Reunidos Por Uma Noite, parceria com Nico Nicolaiewsky.

"Cláudio Levitan é um compositor originalíssimo. Desde suas composições clássicas gravadas pelo Grupo Saracura, como Marcou Bobeira e Nada Mais - duas baladas de dar inveja a Eric Clapton - até seu trabalho mais autoral, o álbum Minha Longa Milonga, que introduz a música klesmer no folclore urbano de Porto Alegre", referenda o velho parceiro Hique Gomez. "A música judaica/klesmer do Claudio foi uma sonoridade nova para mim e também muito importante", complementa Pezão. "A música dele sempre fez com que eu me sentisse em casa. É algo confortável que nasce de uma intuição refinada", finaliza Sílvio Marques, conhecedor da obra de Levitan desde o começo dos anos 70.

A tradição musical klesmer que no disco é revisitada vem de momentos ocorridos há mais de um século, recuperando instrumentistas que viviam em guetos judaicos na Polônia, na Romênia, na Bulgária, na Hungria e em outros países do Leste Europeu. Os artistas eram quase sempre músicos amadores, andarilhos, com forte influência cigana, e serviram como base da cultura musical ídiche, formando grupos itinerantes que tocavam em festas judaicas. Estes sons estiveram sempre na memória de Levitan. "Minha mãe era uma excelente cantora amadora e, provavelmente, seu canto me embalou nos tempos da minha vida intrauterina".

O humor sempre presente

O elemento cômico é uma das constantes na obra criativa de Levitan

O elemento cômico é uma das constantes na obra criativa de Levitan


/TÂNIA MEINERZ/JC
Cláudio Levitan é divertido tanto como pessoa física, quanto como pessoa jurídica, no convívio diário e também na produção profissional. Nesta conversa, Levitan lembrou de muitas das suas múltiplas atividades, como o livro O Porão Misterioso, que recebeu o Prêmio Açorianos de Literatura Infantil, além de Pimenta do Reino em Pó, Porto Alegre no Livro das Crianças Perdidas e Tangos & Tragédias, versão em quadrinhos com roteiro seu e desenhos de Edgar Vasques. Ele também gosta de ressaltar as suas participações em várias antologias de contos. "Todas minhas atividades andam meio juntas. Desenho os personagens, os lugares, escrevo as ideias e os poemas e componho as músicas que esses mundos me provocam", confessa Levitan.
E todas tem um fio condutor comum: "O humor está muito presente no meu trabalho. Primeiro, com o trio do meu pai com seu irmão gêmeo e minha mãe que participava de saraus familiares e que tinha muito humor cantando canções engraçadas do Alvarenga e Ranchinho, Adoniran Barbosa e outros. Inclusive, eles serviram de inspiração ao Nico na construção do Tangos e Tragédias. E também sou um admirador do Luis Fernando Verissimo, e de humoristas com Charles Chaplin, Cantiflas, Golias e todos do gênero".
Levitan também fala sério, com a experiência de quem está envolvido com projetos culturais há mais de cinco décadas. "Ao longo desse tempo, vi a profissionalização da nossa arte e o surgimento de produtores e espaços mais apropriados, de bandas e de artistas locais ocupando o cenário nacional". E conclui seu pensamento de maneira otimista. "Ultimamente, surgiu por todo o país um movimento repressor à arte e aos artistas, numa anomalia estranha e assustadora. Mas a arte é intrínseca ao ser humano e, como água, descobre furos e caminhos de sobrevivência".
 

Uma tribo de amigos, parentes e parceiros

Claudio Levitan interpretando o Professor Kanflutz no espetáculo

Claudio Levitan interpretando o Professor Kanflutz no espetáculo "A Sbørnia Kontr'Atracka"


/TÂNIA MEINERZ/JC
Hique Gomez fala sobre a longa amizade com Levitan. "Nos conhecemos através do Nico Nicolaiewsky, que frequentava a casa dele desde bem jovem e via as tiradas criativas do amigo mais velho." E revela: "Quando perguntavam para nós quem seriam nossas referencias, eu respondia 'Charles Chaplin', e Nico completava: 'Cláudio Levitan'". "Éramos três amigos que sempre gostavam muito de estar juntos, conversando sobre tudo em encontros sem fim", diz Pezão. Márcia do Canto, também próxima de Levitan via Nico, faz uma declaração ainda mais precisa: "Levitan foi um irmão para o Nico e, depois da morte do Nico, eu e a minha filha Nina herdamos isso. Ele nos acolheu ainda mais na família dele".
Além dos amigos-parceiros, Levitan tem também os filhos-parceiros. Ele se reconhece nos trabalhos dos filhos, Lucas e Carina: "Tenho muito orgulho e admiração do que eles fazem. Acho eles muito talentosos e criativos. Gosto de trabalhar com eles, sempre me surpreendo com o resultado dos seus trabalhos. Fizemos muitas coisas juntos e isto meio que consola a falta da parceria que tinha com meu pai. Entre muitos prazeres, essas parcerias aliviam essa minha carência e saudade dos meus ascendentes. O convívio me inspira na busca de continuidade com eles e até com os que vem vindo, meus netos. Coisa de tribo, de comunidade, de respeito ao tempo e a tudo que nos envolve".
 

O que vem por aí

Levitan ao lado dos parceiros Fernando Corona (centro) e Fernando Pezão

Levitan ao lado dos parceiros Fernando Corona (centro) e Fernando Pezão


/Cláudio Levitan/DIVULGAÇÃO/JC
Levitan fala com entusiasmo sobre os novos projetos. "Estou concluindo várias coisas ao mesmo tempo. No momento, faço um novo show sobre a obra do Luis Fernando Verissimo, ao lado de dois fernandos, o Corona e o Pezão". Apresentado no Espaço 373 desde setembro, mês em que Verissimo completou 86 anos, o espetáculo mistura literatura e música com um repertório com canções inspiradas no livro Poesia Uma Hora Destas?!.
Além disso, Levitan prepara um novo livro, já em processo de edição: "O livro se chama Segredos do Poço Seco. Trata-se do terceiro e último volume de uma coleção de livros infantis que começou com O Porão Misterioso (Prêmio Açorianos de Literatura Infantil) e seguiu com Pimenta do Reino em Pó (indicação ao Prêmio Açorianos de Literatura Infanti-Juvenil). A data de lançamento ainda não está prevista".
Hique reconhece a amplitude dos trabalhos feitos pelo amigo: "Ele é de uma originalidade total. Suas expressões são sempre únicas: suas canções, seus livros, seus desenhos... Todos estão sempre num elevado patamar de originalidade. A importância do Levitan pode ser percebida na maneira como os seus colegas o reverenciam. Até numa música do Nei Lisboa ele é citado: 'Na aura Levitan dos viajantes...'. É um artista notado por todos os outros".
E, por fim, Levitan se envolve com a conclusão da Casa Encantada em Ipanema. "É um espaço onde pretendo manter, conservar e divulgar a arte de vários artistas e onde devo incluir as produções dos meus netos".
 

Cláudio Levitan ao lado de obra sua na exposição Humor nos Eixos (1977)

Cláudio Levitan ao lado de obra sua na exposição Humor nos Eixos (1977)


/ENEIDA SERRANO/acervo pessoal cláudio levitan/reproduÇÃO/JC
Hique Gomez fala sobre o reitor da Universidade de Ciências Fictícias da Sbórnia:
"Além de ser um amigo, um parceiro para muitos momentos de risadas, criações e investigações espirituais, é o mais frequente colaborador do universo da Sbørnia depois do Nico Nicolaiewsky. Junto expandimos o mapa da Sbørnia inventando novas regiões, dando voz a personagens e criando novas canções".
Hique Gomez fala sobre o amigo Cláudio Levitan:
"Um amigaço. Cheio de amor para com os amigos. Cheio de sabedorias para compartilhar e sempre um amigo investigador pronto para novas aventuras. Já declarei pessoalmente o meu amor a ele. Mas não custa fazê-lo em uma publicação como essa. Eu amo o Cláudio Levitan".
 

Obras de Claudio Levitan

Cláudio Levitan coleciona créditos em obras literárias e musicais

Cláudio Levitan coleciona créditos em obras literárias e musicais


/TÂNIA MEINERZ/JC
Levitan em livros
O Porão Misterioso (com ilustrações de Lucas Levitan, 2000)
Pimenta do Reino em Pó (com ilustrações de Carina Levitan, 2006)
Tangos e Tragédias em Quadrinhos (com ilustrações de Edgar Vasques, 2007)
Porto Alegre no Livro das Crianças Perdidas (2009)
Dânuta e Tipístolo em A Vaca Transparente (2013)
A Avoada e o Distraído (com Vanessa Silla, 2019)
Os Portoalegríadas (poema e ilustrações, 2022)
Levitan em discos
O 1º Disco (1996)
Minha Longa Milonga (2000 - trabalho que obteve o reconhecimento da UNESCO, destacando-se "pelo respeito à diversidade, à tolerância e ao diálogo cultural")
Opereta Pé de Pilão (2010)
Levitan e Os Tripulantes - Projeto LP (2010)
Avulsas (2011)
Canções do Livro das Crianças Perdidas (2013)
Bereshit (2021)
Só a Canção (2021)
 
* Márcio Pinheiro é jornalista e escreveu os livros Esse Tal de Borghettinho e Rato de Redação - Sig e a História do Pasquim.