Corrigir texto

Se você encontrou algum erro nesta notícia, por favor preencha o formulário abaixo e clique em enviar. Este formulário destina-se somente à comunicação de erros.

Reportagem Cultural

- Publicada em 17 de Novembro de 2022 às 19:01

Curadora da Flip 2022, Fernanda Bastos se consolida como poeta e editora

Com três livros de poesia publicados e conduzindo editora Figura de Linguagem, Fernanda Bastos é "multi artista da palavra"

Com três livros de poesia publicados e conduzindo editora Figura de Linguagem, Fernanda Bastos é "multi artista da palavra"


LUIZA PRADO/JC/LUIZA PRADO/JC
O ano era 2017 e a poeta Angélica Freitas ministrava uma oficina de poesia em Porto Alegre, no antigo Santander Cultural. Uma participante com o semblante sério observava atentamente, analisando a situação. Em uma dinâmica de grupo, foi pedido para escreverem um poema a partir do nome de pessoas. "Então, fizemos uma leitura geral e eu me lembro que o poema da Fernanda Bastos foi o que eu mais gostei. A gente percebe isso nas oficinas: quem está pronto para publicar, e esse era o caso dela", revela Freitas.
O ano era 2017 e a poeta Angélica Freitas ministrava uma oficina de poesia em Porto Alegre, no antigo Santander Cultural. Uma participante com o semblante sério observava atentamente, analisando a situação. Em uma dinâmica de grupo, foi pedido para escreverem um poema a partir do nome de pessoas. "Então, fizemos uma leitura geral e eu me lembro que o poema da Fernanda Bastos foi o que eu mais gostei. A gente percebe isso nas oficinas: quem está pronto para publicar, e esse era o caso dela", revela Freitas.
O ano é 2022, e Fernanda Bastos é o que a escritora Cidinha da Silva definiu tão bem: uma "multi artista da palavra". Com três livros de poesia publicados - Dessa Cor, de 2018, Eu vou piorar, de 2019 e Selfie Purpurina, de 2022 -, ela chama cada vez mais a atenção do público e da crítica especializada. Além disso, seu trabalho na tradução e na edição com a Figura de Linguagem, que toca ao lado do marido, o crítico literário e escritor Luiz Maurício Azevedo, é reconhecido e premiado. E mais: esse ano foi convidada para compor a curadoria coletiva da conceituada Festa Literária Internacional de Paraty, sendo uma das primeiras mulheres negras a ocupar o cargo.
Mas lá no início ela ainda tinha dúvidas sobre publicar sua poesia. "Me lembro que a Angélica falou algo que é bem importante para mim, a ideia de que você tem que colocar a sua poesia na rua, que é algo que eu noto em poetas experientes. E autoras que eu adoro, como June Jordan e Alice Walker também falam isso. A experiência de levar o texto ao público é também enriquecedora", diz. Depois, Fernanda fez outro curso com Angélica. "Ficamos em contato nesse período e vi que ela não era uma pessoa tão séria assim - quer dizer, ela é, mas é muito divertida também, e a gente riu bastante juntas. Sigo acompanhando o trabalho dela com muito interesse", conta.
A escritora, doutora em letras e pesquisadora Luciany Aparecida identifica em Fernanda Bastos uma visão afiada sobre o contemporâneo. Para ela, a sua poesia é exemplar no diálogo direto com temas importantes, como a discussão de questões de classe, raça e gênero. "E isso é elaborado com a fineza e a estética que aciona a ironia, em um diálogo entre a literatura e a história. Logo, produz pensamento sobre a história do Brasil e da América, e seus processos coloniais. Por exemplo, no Dessa Cor, ela vai escrever em diálogo com documentos históricos, pegando trechos dos daqueles jornais e reescrevendo a partir de outra perspectiva, do pensar o corpo daquela mulher negra que estava sendo exposta ali naquele jornal", explica. Dessa forma, para a pesquisadora, a poesia de Bastos cria um importante constrangimento no contemporâneo.
Agora, com os livros publicados, Fernanda vê uma presença muito forte da memória no que escreve. "E da família, de mulheres. Talvez o feminismo seja o principal tema, vejo um embate feminista em todos as minhas obras", conta. Sobre processos criativos, ela diz que gosta de trabalhar com a ideia de projeto em seus livros. "No Dessa Cor, tinha muito trabalho com o passado. No Eu Vou Piorar, tem releituras de diferentes arquivos de mensagens, de redes sociais, entrevistas, trabalho de colagens", explica.
Já em Selfie Purpurina, Fernanda conta que vinha de uma reflexão sobre sua produção. "Eu queria cada vez mais que o que escrevo não fosse uma 'resposta', ou que tivesse que estar projetando imagens que fossem esperadas sobre a população negra. Isso já tinha acontecido com o Eu vou Piorar, e que se aprofundou em mim. Queria fazer um livro sobre a minha família e o carnaval, que são ligados, trazendo outras perspectivas sobre a vida negra. Por que reiterar uma cena que eu já tratei em um livro se eu posso ver e tratar de outras formas? Tinha esse desejo de que a minha família se visse na minha literatura", aponta.
Fernanda diz se inspirar também por outras artes, principalmente as visuais, assim como as trajetórias de diferentes artistas. Sua base é a poesia afro-americana do século XX, mas a lista de autoras e autores que admira é grande. "Acho que a Figura de Linguagem reafirmou para mim essa crença que bons e boas autoras que eu gostava já demonstravam: como no meio é preciso ter uma ideia de literatura genuína, e levar sua trajetória para onde você acha que tem que ir", acredita.
 

Formação entre livros

Para Fernanda Bastos, o embate crítico, com embasamento teórico, deveria ser algo natural dentro do meio literário

Para Fernanda Bastos, o embate crítico, com embasamento teórico, deveria ser algo natural dentro do meio literário


LUIZA PRADO/JC/LUIZA PRADO/JC
Fernanda Bastos lembra de inventar mundos desde a infância no bairro Camaquã, Zona Sul de Porto Alegre, onde cresceu cercada de parentes. "Quando era criança, eu gostava de criar brincadeiras. As bonecas tinham nome, uma história. Então, eu vivia muito dentro da minha cabeça", diz. Nessa época, sempre incentivada por sua mãe, Silvana Bastos, ela começou a ler, primeiramente, gibis, como os da Turma da Mônica. "Minha mãe é uma leitora ativa, dedicada, o livro era um acontecimento na vida dela, então, ela fazia muito lobby para eu ler", conta. O tipo de leitura foi mudando conforme o passar do tempo: depois vieram as revistas jornalísticas e também a ficção em suas diversas formas.
A poeta diz que o primeiro livro de poesia que leu foi uma seleta de Fernando Pessoa, na adolescência. "Lembro de achar maravilhoso, foi uma virada de chave. 'A literatura pode ser isso aqui também, não é só uma história que tem um começo, meio e um fim'", diz. Nessa época, já cursava o ensino médio no colégio Parobé, onde passava muito tempo na biblioteca. "Sempre fui CDF, eu ia bem em tudo no colégio, mas comecei a notar que me interessava mais por algumas áreas, como a literatura, inglês, português", lembra. Fernanda então fez a faculdade de Jornalismo no IPA, onde se formou em 2009, e a de Letras, na Ufrgs, que concluiu no ano de 2017.
Da memória do tempo da faculdade de Letras, Fernanda conta que gostava muito das aulas e do ambiente de debate. "Eu achava incrível poder aprender sobre literatura. Gostava dos textos, das discussões". Para ela, o embate crítico deveria ser natural para todo mundo do meio literário. "Baseado em teoria, porque desse modo você vai além do 'gosto, não gosto', pois você usa a teoria para ter uma ideia sobre literatura, sobre arte, que é como eu acho que as coisas devem ser", aponta.
A professora Regina Zilberman foi sua orientadora no trabalho de conclusão de curso - em que ela abordou crônicas do escritor Nelson Rodrigues - e diz que, como aluna, Fernanda sempre se destacou pela curiosidade intelectual, o questionamento das ideias prontas e clichês sobre eventos históricos e literários. "Seu estudo sobre Nelson Rodrigues é inteligente e corajoso: examina crônicas inquietantes que desafiam convenções e lugares comuns", avalia.
Para o professor Luís Augusto Fischer, como estudante de Letras, ela já demonstrava ser intelectualmente atenta e vivaz. "Fernanda tinha — e tem — um humor marcante, que vai muito além do sorriso e da gentileza — humor como uma forma de olhar o mundo de través, coisa de quem entende vários planos implicados em cada gesto, em cada texto", diz.
Depois, Fernanda ainda fez mestrado na área da Comunicação, na Ufrgs. "Foi bom para retomar um pouco o meu amor pelo campo e pelo estudo teórico da comunicação", afirma. Além disso, também fez uma especialização em História da Arte, um campo que ela admira e a inspira em seu fazer poético. " Eu tenho uma ideia do que é a curadoria muito baseada nesse curso também e nas conversas que eu tenho com pessoas que têm trajetórias incríveis na área e que me inspiram", conclui.
 

Família do Carnaval

Detalhe da capa de 'Selfie Purpurina', livro mais recente de Fernanda Bastos

Detalhe da capa de 'Selfie Purpurina', livro mais recente de Fernanda Bastos


PEIRÓPOLIS/DIVULGAÇÃO/JC
O livro mais recente de Bastos é Selfie Purpurina, lançado pela editora Peirópolis. A obra foi construída também como uma homenagem a sua família e ao carnaval, que estão intimamente ligados. Seu avô, Sérgio Bastos, por exemplo, foi uma figura importante para a história do carnaval de Porto Alegre. “Eu queria que fosse um livro sobre as pessoas que eu amo. Então, queria retratá-los, tem desde a minha irmã, meu avô, outras pessoas que não estão mais vivas, e que fazem parte das minhas memórias muito ligadas ao clima do carnaval”, explica.

Seu conjunto de poemas evocam imagens e lembranças e também valorizam o trabalho ao redor da festa popular mais famosa do Brasil. “Queria também mostrar como é digna a forma que as pessoas vivem. O carnaval é uma produção de beleza. Então, as pessoas estão ali construindo imagens fortíssimas, que fazem parte da nossa cultura e devem ser reconhecidas”, diz. Ela também traz alguns nomes fortes da música e da cultura popular do Estado, como o artista Giba Giba e o carnavalesco Sandro Ferraz.

A ideia do livro veio a partir do convite feito pela poeta Ana Elisa Ribeiro, que montou uma coletânea de livros com vozes líricas diversas do país. Fernanda escreveu os poemas em poucos meses, em uma quase imersão. “Trabalhei também essas espécies de arquétipos, então, o meu dindo ele é um componente de bateria, mas ele representa vários homens negros, de várias baterias, de diferentes escolas de samba. Queria trabalhar com essas imagens para que a gente pudesse se enxergar como coletividade também, porque outras Fernanda 's também acompanham suas famílias torcendo e brincando no carnaval”, diz. A obra teve lançamento em São Paulo e em Porto Alegre.

Um encontro,um amor, uma editora

Fernanda e Luiz Maurício conduzem a Figura de Linguagem

Fernanda e Luiz Maurício conduzem a Figura de Linguagem


/LUIZA PRADO/JC
A criação da editora Figura de Linguagem em 2018 passa pelo encontro entre Fernanda Bastos e Luiz Maurício Azevedo. O crítico literário, escritor e editor a conheceu em 2016, quando ofereceu cursos sobre literatura afro-americana no Instituto de Letras da Ufrgs, depois de voltar de uma temporada de um ano nos Estados Unidos, onde pesquisou sobre a literatura de Ralph Ellison e suas relações com o marxismo. Fernanda era uma das alunas.
Depois do fim do curso, eles perderam o contato por um tempo. Acabaram retomando meses depois, quando ela enviou uma mensagem para Luiz, comentando justamente sobre um texto de Ralph Ellison, publicado em um jornal da cidade. "Conversamos por horas e continuamos conversando até hoje. À medida que o tempo passa, tenho a sensação de que nós nos entendemos cada vez mais, e que chegará o dia em que eu não precisarei dizer e ela não precisará falar. É uma ilusão narcisicamente pavorosa e psicanaliticamente risível, mas todo mundo que encontra o amor é acometido dela", diz Luiz Maurício.
Fernanda lembra que, entre as primeiras conversas do casal, ela contou do seu sonho de ter uma editora. "E ele me respondeu, mas por que tu não tem uma? Ele já tinha tido várias, de formatos diferentes, e sabia tudo de edição. Então, vamos começar a nossa editora, no espírito punk", explica Fernanda. Com isso, em 2018, surgiu a Figura de Linguagem, quase ao mesmo tempo que o relacionamento dos dois. "Quando ela me chamou para ser editor-executivo, Fernanda determinou: 'A editora não é uma ONG. E não é um banco. Ela não pode falir e não pode se locupletar no lodo do lucro fácil e da baixa literatura.' Fernanda tem sempre em mente o caminho e o modo como se deve caminhar. Meu papel é segui-la", esclarece Luiz.
Um dos primeiros livros lançados pela editora é Desta Cor, também livro de estreia de Fernanda. "Queria que as pessoas soubessem que a gente acreditava no trabalho da Figura da Linguagem a ponto de termos os nossos livros publicados pela editora, colocando o meu capital intelectual, político, aqui", diz. Consolidada, a editora já recebeu prêmios como o Açorianos de crônicas com Por uma literatura menos ordinária, de Luiz Maurício.
Sobre o trabalho de edição durante esses quatro anos, Fernanda relata que vê como uma espécie de mediação também, pois é preciso lidar com os vários elementos que compõem o livro. “A nossa equipe é pequena, somos uma ‘nanoeditora’, então, lidamos com todas as fases do livro e todos os diferentes envolvidos. Apostamos em projetos que acreditamos que precisam estar na rua por achar que a Figura de Linguagem pode ser um componente importante para a bibliodiversidade no nosso estado e no país”, explica.
A editora é também estímulo para a trajetória de Fernanda e de Luiz. "Ele tem uma postura ética que é muito inspiradora para mim, de coragem mesmo, porque eu sendo uma mulher negra e com o tipo de ódio que recebi desde o início da editora, eu não teria aguentado sem o apoio dele", acredita. Entre os futuros lançamentos da editora estão o novo livro de contos da escritora Priscila Pasko e também uma publicação do autor David Brookshaw.
 

Curadoria histórica na Flip

Fernanda Bastos, em ilustração do artista Gustavo Schossler, parte de uma exposição chamada Autorias, que ficou em espaço público no Alto da escadaria da Borges

Fernanda Bastos, em ilustração do artista Gustavo Schossler, parte de uma exposição chamada Autorias, que ficou em espaço público no Alto da escadaria da Borges


/GUSTAVO SCHOSSLER/REPRODUÇÃO/JC
A Festa Literária Internacional de Paraty, mais conhecida como Flip, chega a sua 20° edição, apostando mais uma vez na curadoria coletiva. Dessa vez, trazendo três profissionais de fora do eixo Rio São Paulo. Além de Fernanda Bastos, o coletivo conta também com Milena Britto, professora da Universidade Federal da Bahia, e Pedro Meira Monteiro, que é de São Paulo, mas trabalha como professor na Universidade de Princeton há 20 anos. Pela primeira vez, há a homenagem a uma escritora negra, representada aqui na figura de Maria Firmina. O tema deste ano é Ver o Invisível. Todas essas novas perspectivas já configuram um evento que promete ser histórico.
Fernanda vê o convite para compor a curadoria como um reconhecimento à sua trajetória e ao trabalho da edição negra da Figura de Linguagem. "E também uma representação do quão forte o Rio Grande do Sul é no mercado editorial. Temos eventos, autores e autoras, intelectuais consolidados. Então, é um estado que se impõe também em vários níveis na literatura. E eu vejo isso como um reconhecimento, embora nem sempre o Rio Grande do Sul se veja em mim, porque mulher, porque negra, porque de uma editora negra ", diz.
Um dos grandes orgulhos da curadoria foi o convite à escritora francesa Annie Ernaux, que posteriormente, em outubro, foi agraciada com o Nobel da Literatura. "Essa notícia para nós é simbólica, porque reforça o nosso comprometimento com os lugares diferentes ou lugares não necessariamente esperados. É um trabalho incessante e a literatura da Annie é isso também, trabalha com a memória e muitas vezes fala daquilo que algumas pessoas acham que não é matéria de literatura. Um jeito de narrar que algumas pessoas acham 'ah, isso qualquer um faz'. Mas ninguém fez, ela que fez, então, é grandioso", diz. A escritora francesa estará no evento no sábado, dia 26.
A poeta conta que uma das preocupações curatoriais foi olhar para o Brasil, não apenas para o eixo Rio São Paulo. "Eu e a Milena, como somos duas mulheres negras e as primeiras nesse posto na Flip, conversamos muito sobre o quanto é fácil para esse eixo olhar só para si, e o quanto forçamos que seja necessário olhar para outros lugares e que se dê o mesmo tipo de respeito", aponta.
Há de se celebrar também a escolha da maranhense Maria Firmina, autora pioneira considerada a primeira autora negra de um romance no Brasil, com Úrsula, de 1859, quebrando barreiras na literatura e deixando marcas na cultura brasileira. "O evento nunca tinha homenageado uma autora negra, e com a temática de 'ver o invisível' desse ano, pensamos que poderíamos dar uma contribuição justamente para ver o invisível também dentro do país. Como o Brasil, às vezes, não vê o que está na cara dele, o que faz parte dele, e a Maria Firmina para nós tinha esse lugar. E ela tem uma contribuição definitiva sobre a literatura", explica Bastos.
Para Milena Britto, trabalhar com Fernanda na curadoria tem sido uma experiência marcante, tanto pela importância do evento, como pela amizade que formaram. "Ela tem um olhar sensível, organizado e preciso. Trata-se de um frescor na visão sobre a literatura contemporânea e uma liberdade que a faz enxergar ligações muitas vezes imperceptíveis a outros olhos. Seu método de trabalho envolve observar a cena viva, consumir arte e cultura no seu cotidiano e nas suas incursões intelectuais", comenta. A parceria e a amizade prometem continuar após o evento.
 

Jornalista potente

Fernanda Bastos atuou no site Literatura RS e no Jornal do Comércio; hoje é jornalista e apresentadora na TVE-RS

Fernanda Bastos atuou no site Literatura RS e no Jornal do Comércio; hoje é jornalista e apresentadora na TVE-RS


/CLAITON DORNELLES/ARQUIVO/JC
Além de toda atividade artística e curatorial, Fernanda também atua como jornalista na comunicação pública desde 2014. Atualmente ela é apresentadora do programa Redação TVE e anteriormente atuou na FM Cultura. Embora os profissionais vivam sob incertezas desde o processo de extinção da Fundação Piratini, Fernanda diz que atualmente há um bom momento com a direção. "São pessoas sensíveis e isso é importante, porque todo mundo saiu fragilizado desse processo. Há um comprometimento de entregar o melhor trabalho possível sempre", afirma. Fernanda também teve passagens no Jornal do Comércio, onde foi estagiária e atuou como profissional, na editoria de Política.
Outra experiência marcante foi a de colunista no site Literatura RS, dedicado à cobertura da área dos livros no estado. A convite do editor da publicação, Vitor Diel, Fernanda exerceu a função durante três anos, de 2019 até o começo de 2022. "Foi um espaço em que ela teve liberdade total para dissertar sobre qualquer tema que quisesse, como mercado editorial, racismo na literatura brasileira, feminismos, artes. Seu período como colunista revelou que ela é uma autora polivalente, inteligente, crítica e consciente do papel político da escrita", aponta Vitor.
Para Fernanda, o colunismo é importante para quem escreve ficção. "Foi uma experiência incrível, porque conhecer a literatura de uma pessoa não quer dizer que você conheça as ideias dela", diz. Muitas das colunas estão no livro Os árbitros, as botas, as melancias e os postes, de 2021, que traz ensaios e textos que refletem o pensamento e a formação da trajetória intelectual de Fernanda.
Seu trabalho como comunicadora acabou também chamando a atenção da filósofa e intelectual Djamila Ribeiro. Ela se impressionou quando a conheceu, na Flip, em 2018. Na ocasião, Fernanda mediou uma mesa entre ela e a escritora nigeriana Abayomi Adebayo. "É difícil alguém brilhar na posição de mediadora, pois essa posição, por si só, requer na sua excelência exaltar as qualidades das pessoas entrevistadas e promover uma ponte de interação delas com o público, tudo isso sem chamar a atenção para si. E ela dominou a função", diz.
Elas se encontrariam novamente na abertura da FestiPoa Literária, de 2019, dessa vez junto com a filósofa Sueli Carneiro. "Foi uma noite mágica para o feminismo negro brasileiro e quando vi que ela faria a mediação, tive a confirmação de que seria um evento perfeito. E foi", diz. Aliás, nessa mesma noite Sueli Carneiro leu o poema Mãe Preta, de Fernanda, para as mais de três mil pessoas presentes.
E foi durante a pandemia que Djamila a convidou para integrar a plataforma Feminismos Plurais. "É uma honra muito grande fazer parte dessa equipe, principalmente com o podcast Onda Negra que é o que eu mais faço. Nele, recupero esse papel importante da comunicação como mediação mesmo, levando o conteúdo para o grande público", diz Fernanda.
Outra atividade importante foi o curso Jornalismo Contra-Hegemônico: reflexões para um novo presente, lançado em uma parceria de Djamila Ribeiro com o Youtube Brasil. Fernanda ficou a cargo dos roteiros. "É gratuito e uma super iniciativa que fala de fake news, fala de jornalismo LGBTQIA , de jornalismo antirracista, feminista, indígena. E também apresenta muitas iniciativas de diferentes lugares do País. Muitos desses conteúdos não são explorados nas faculdades de jornalismo. É muito importante", acredita.
 
Obras de Fernanda Bastos
- Dessa Cor (2018) - Figura de Linguagem
- Eu vou Piorar (2019) - Figura de Linguagem
 
- Os árbitros, as botas, as melancias e os postes (2021) - Figura de Linguagem
 
- Selfie Purpurina (2022) - Peirópolis
 
 
 * Rafael Gloria é jornalista, mestre em Comunicação (Ufrgs) e editor do site Nonada Jornalismo.