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reportagem cultural

- Publicada em 11 de Agosto de 2022 às 18:24

Vera Chaves Barcellos mantém produção artística e prepara novas exposições

Aos 84 anos, Vera Chaves Barcellos mantém constante produção e prepara novas exposições para 2023

Aos 84 anos, Vera Chaves Barcellos mantém constante produção e prepara novas exposições para 2023


LUIZA PRADO/JC/LUIZA PRADO/JC
O olhar sempre traz uma temática intensa e individual, enquanto uma imagem tem o teor universal de carregar uma imensidão de sentimentos, representações, objetividades e também subjetividades. Há mais de 50 anos, a artista plástica Vera Chaves Barcellos imortaliza olhares e imagens através de suas gravuras e fotografias, imortalizando subjetividades, sentimentos e reflexões através da contemplação de suas obras.
O olhar sempre traz uma temática intensa e individual, enquanto uma imagem tem o teor universal de carregar uma imensidão de sentimentos, representações, objetividades e também subjetividades. Há mais de 50 anos, a artista plástica Vera Chaves Barcellos imortaliza olhares e imagens através de suas gravuras e fotografias, imortalizando subjetividades, sentimentos e reflexões através da contemplação de suas obras.
Vera Chaves Barcellos nasceu Vera Tubino Guerra no ano de 1938 em Porto Alegre, mas residiu até os 9 anos em Carazinho, município do Noroeste do Estado, que teve seu pai como um dos fundadores e primeiro prefeito da cidade. Lá mesmo começou seus primeiros estudos ao piano, dedicando-se à música até os 21 anos, principalmente após a mudança da família para Porto Alegre.
O estímulo artístico veio de casa. A mãe gostava muito de música e incentivou sempre a filha à prática do piano. O pai possuía uma câmera fotográfica, em uma época em que a fotografia era item inacessível para a maioria daqueles que se reuniam em torno dos lambe-lambes na Capital.
"Meu pai era um homem que tinha muita leitura, falava e lia livros franceses. Minha mãe gostava de música, então eu tive um ambiente cultural favorável em casa, embora nenhum fosse artista", conta Vera em entrevista ao Jornal do Comércio.
Ela lembra que, na juventude, o pai possuía um laboratório onde revelava cópias fotográficas. "Quando era pequena tinha muitas fotos feitas por ele, a fotografia estava muito presente na nossa família. Minha mãe também pegava a máquina para fazer fotos nossas."
Apesar de ter concluído os estudos em Música aos 18 anos, passou depois disso a estudar desenho e, em 1960, fez sua primeira exposição na Aliança Francesa. No mesmo ano, casou-se com o arquiteto Antônio Chaves Barcellos e adotou para sempre o sobrenome que assinaria seu trabalho, mesmo após divorciar-se 18 anos mais tarde.
Ainda jovem, acompanhada pelo então esposo, foi para a Europa estudar artes, na Inglaterra, Holanda e França, onde estudou técnicas como linoleogravura, e gravura em metal, desenho, pintura. Também viajou pela Alemanha, Itália, Bélgica e Escandinávia.
De lá para cá foram dezenas de mostras, exposições, reconhecimento internacional, palestras e movimentos importantes que fizeram com que Vera Chaves Barcellos marcasse seu nome no cânone da arte contemporânea do Rio Grande do Sul e do Brasil.
Atualmente a artista mora em Viamão, na Região Metropolitana de Porto Alegre, onde também possui uma reserva técnica na qual guarda o numeroso e importante acervo da Fundação Vera Chaves Barcellos (FVCB), seu ateliê e a Sala dos Pomares. Localizado a poucos metros da Rodovia Tapir Rocha, o local é rodeado pela fauna e flora da região, fazendo da visita à Sala dos Pomares e à FVCB uma experiência não apenas visual, mas também sensorial.
 

Uma fundação em movimento

Fundação Vera Chaves Barcellos propõe uma experiência que une sensibilidade artística e conexão com a natureza

Fundação Vera Chaves Barcellos propõe uma experiência que une sensibilidade artística e conexão com a natureza


LUIZA PRADO/JC/LUIZA PRADO/JC
Localizada na parada 54 em Viamão, a região onde está instalada a Fundação Vera Chaves Barcellos carrega uma harmonia no ar que vai além da neblina que cobre os campos verdes, o pequeno bosque e o pomar que desce o terreno em um barranco. Poucos metros antes da entrada, na avenida Senador Salgado Filho, um monumento do marco farroupilha nomeado de A Cruz das Almas homenageia os soldados farrapos que perderam suas vidas por aquelas terras na Guerra dos Farrapos (1935-1945). "Esse lugar carrega essa misticidade, (a energia) de uma terra onde muitas pessoas lutaram. A Vera até não gosta muito disso, mas eu gosto de brincar com os estudantes que vêm aqui", conta Margarita Santi Kremer, responsável pelo Programa Educativo da FVCB. "Quando trago eles para essa paisagem, geralmente é de manhã cedo, e isso aqui é tomado por uma neblina muito bonita. Gosto de provocá-los e incentivá-los a imaginar e sentir a atmosfera desse lugar maravilhoso." Para a arte-educadora, a localização fora do eixo central de Porto Alegre e os vestígios históricos do lugar compõem alguns detalhes especiais do local, que foi construído especialmente para abrigar as exposições, reservas técnicas e o acervo.
Fundada em 2005 pela própria artista, a FVCB reúne um acervo de mais de 3.500 peças de artistas contemporâneos, brasileiros e estrangeiros. Além disso, tem como missão preservar, difundir e pesquisar sobre a arte contemporânea, além de atuar como guardiã da vasta produção artística de Vera Chaves Barcellos. Além das exposições na Sala dos Pomares, a instituição realiza seminários, projetos editoriais, pesquisas e atividades relacionadas ao programa educativo, que recebe estudantes de artes e jovens da rede municipal de ensino de Viamão.
Três prédios compõem a estrutura da FVCB: a Sala dos Pomares, voltada às exposições, um prédio voltado para catálogos, atividades administrativas e ateliês, e o acervo. A cada nova mostra a FVCB disponibiliza transporte gratuito saindo da Praça da Matriz, no Centro de Porto Alegre, até Viamão.
Segundo Margarita, "as pessoas que vêm visitar a Sala dos Pomares encontram uma experiência tanto reflexiva quanto propositiva sobre o que entendemos que seja arte e sobre qual o seu papel na cultura contemporânea." Ao lado da entrada da Sala dos Pomares, uma instalação do artista plástico espanhol Antoni Muntadas anuncia o início da experiência que o local proporciona: "Atenção. Percepção requer envolvimento". Além da experiência estética com as obras, o convite se estende à natureza mesma do lugar.
 

Registros sobre a arte contemporânea

Acervo reúne mais de 3.500 itens entre pinturas, gravuras, desenhos e fotografias, entre outros

Acervo reúne mais de 3.500 itens entre pinturas, gravuras, desenhos e fotografias, entre outros


LUIZA PRADO/JC/LUIZA PRADO/JC
Através do acervo composto por pinturas, gravuras, desenhos, fotografias, esculturas, fotolitos, filmes, entre outros, a FVCB tenta estar em constante conexão com outros museus, seja no empréstimo e troca de obras para exposições externas ou com atividades dentro do programa educativo: "Precisamos estar sempre em consonância com o tempo que estamos, em aspectos políticos, culturais e sociais", explica Margarita.
Majoritariamente, o acervo tem foco em produções artísticas contemporâneas. Para Margarita, a delimitação histórica a partir dos anos 1960 pode ser considerada um diferencial do conjunto, que pode ser agrupado de três maneiras:
 Artistas atuantes nos anos 1960 e 1970 com produções relacionadas aos movimentos de mail art/arte postal, livros e obras xerográficas. Relações entre arte, política e outras questões sociais estão presentes em parte significativa deste grupo.
 Artistas que ingressaram no circuito de arte brasileiro e internacional durante os anos de 1980 e 1990, trabalhando com fotografia, objetos e instalações, em sua maioria.
 Artistas emergentes, com ingresso no sistema de arte após 2010, em especial jovens artistas atuantes no Rio Grande do Sul.
Para os próximos meses, duas pesquisas para exposições estão em andamento: uma referente a produções gráficas das décadas de 1970/1980 e outra dirigida pela Diretora Cultural Bruna Fetter, professora e pesquisadora do Instituto de Artes da Ufrgs.
Os objetivos são continuar com as atividades de incentivo e a realização de projetos que proporcionem uma maior visibilidade às coleções que compõem o acervo, além da política regular de novas aquisições e trocas, tanto materiais quanto culturais.
 

A venda não deve ser sinônimo de valor

Nervo Óptico desafiou visão da crítica artística em torno da fotografia

Nervo Óptico desafiou visão da crítica artística em torno da fotografia


LUIZA PRADO/JC/LUIZA PRADO/JC
Em 1976, após retornar da Europa a Porto Alegre, Vera encontrou "um grupo de guris", segundo ela mesma, que estavam "fazendo um barulho no Instituto de Artes". Ela e a amiga Romanita Disconzi então conheceram Clóvis Dariano, Carlos Pasquetti, e Telmo Lanes, o mais jovem do grupo que viria a compor o movimento Nervo Óptico. Mais tarde, Ana Alegria, Mara Álvares, Carlos Asp, Carlos Athanázio e Jesus Escobar viriam a compor o grupo, mas apenas oito acabaram criando e assinando um manifesto
O Nervo Óptico consistia em uma série de publicações impressas, coberta por textos e imagens, majoritariamente fotografias, distribuídas gratuitamente nacional e internacionalmente, via correio postal e financiada com recursos próprios ou patrocínios pontuais. "Havia entre nós um certo ranço figurativo gaúcho, típico do regionalismo. Aqui no Rio Grande do Sul era assim. Hoje há uma volta ao regionalismo, a uma certa identidade regional", explica Vera Chaves Barcellos, falando ao lado do amigo Clóvis Dariano. "Nós tínhamos um pensamento que ficou pra sempre marcado como um pensamento universal, (conectado) com o que estava acontecendo no mundo, e não na nossa região, no nosso pequeno mundo."
O Manifesto
Na presente situação do movimento artístico gaúcho, onde o mercado de arte assume um vulto nunca antes atingido, o respeito pelo público leva-nos à necessidade de certas colocações esclarecedoras.
Existe uma diferença fundamental entre a eventual venda da obra de arte e a feiura da obra, especificamente para a venda, como um produto que se condiciona a demanda comercial.
A venda não é medida de qualidade da obra de arte, como prova a história.
O condicionamento ao mercado, leva o artista a uma produção meramente artesanal, muitas vezes beirando um maneirismo, à repetição e a um consequente esvaziamento de conteúdos.
Igualmente, manifestações que sob o rótulo de arte nacional tem como interesse primeiro o mercado de seus produtos, confundem ainda mais o público, quando a discernir entre manifestações culturais legítimas e interesses de caráter comercial e promocional.
Propomos:
- Criação de uma nova mentalidade e de um contexto e clima abertos a manifestações que não procurem contentar partes mas sejam o documento vivo de uma criação embasada em novos caminhos e ideias.
- Um trabalho que antes de ter como suporte qualquer veículo material e sua fácil manipulação, seja produto de uma consciência crítica atuante.
- Operações artísticas que sejam verdadeiros centro transformadores da consciência e não manifestações coniventes com um dirigismo mercadológico deformador de valores.
- Uma visão lúcida do papel do artista no seu contexto social e de sua participação mercadológico deformador de valores.
- Uma visão lúcida do papel do artista no seu contexto social e de sua participação construtiva dentro deste contexto.
Porto Alegre, dezembro de 1976.
O grupo não foi apenas um coletivo de artistas de vanguarda que dividiam os mesmos interesses, mas um movimento que fazia uso majoritariamente de experimentações com a fotografia para produzir críticas à ideia do mercado atuar como condutor de políticas culturais. O artista e professor Clóvis Dariano, membro do Nervo Óptico, explica que havia uma certa confusão com a ideia do grupo de "romper" com as questões comerciais envolvendo a produção artística. "As pessoas confundiam um pouco essa questão de dizer que a gente era contra o mercado. Claro que não, nos interessa o mercado. Mas nos interessa vender o que se produz, não coisas encomendadas." Vera complementa o amigo: "O mercado gosta assim, que uma pessoa faça sempre a mesma coisa. É um pouco isso, a gente tem que tolerar um pouco certas coisas do mercado se quiser vender. Mas eles gostam que o artista tenha uma linha, um estilo. Isso já é uma coisa do início do século (passado), já foi quebrado no início do século, era coisa do século XIX talvez".
Na década de 1970, a fotografia ainda era uma linguagem pouco utilizada como expressão artística no Brasil. Para Vera, o formato passou a ser mais valorizado e popularizado a partir de 1990. "Então acho que (o Nervo Óptico) teve uma importância bastante grande, porque tínhamos uma produção fotográfica grande e bastante irreverente. Acho que tinha um pouco de inspiração do Fluxus (movimento artístico libertário ativo a partir da década de 1960), que era irreverente e tinha esse espírito."
Pessoas sorrindo, de costas, pedaços de corpos. O folhetim do Nervo Óptico causou certo alvoroço na cena e na crítica artística gaúcha naqueles anos finais da década de 1970. O pesquisador e professor da Ufrgs, Alexandre dos Santos, lembra da análise de Danúbio Gonçalves no boletim informativo do Museu de Arte do Rio Grande do Sul: "Aqueles que não aprenderam a dominar a forma apelam para a fotografia (amadores da fotografia) como meio de expressão ou para um joguinho literário (amadores da literatura) para enrolar ingênuos".
Para Santos, o tom irônico das críticas feitas ao grupo simbolizava a maneira como a cena artística se sentia em relação aos trabalhos experimentais: "Pode-se perceber que os experimentalismos, como o cartazete do Nervo Óptico, no qual a fotografia foi uma das linguagens mais usadas, trazia um grande incômodo ao pacato e tradicional campo artístico em Porto Alegre naquele momento".
 

O impacto da fotografia como linguagem

Vera Chaves Barcellos não tira folga nem em feriados ou finais de semana: "O trabalho faz parte indissociável da minha vida"

Vera Chaves Barcellos não tira folga nem em feriados ou finais de semana: "O trabalho faz parte indissociável da minha vida"


LUIZA PRADO/JC
Para o professor do Instituto de Artes da Ufrgs, Dr. Paulo Silveira, o trabalho de vanguarda de Vera Chaves Barcellos continua sendo uma referência para jovens artistas que trabalham com práticas atualizadas e desenvolvimento de linguagens. Ele afirma que o trabalho exploratório com a fotografia tornou-se um dispositivo mais acessível dentro de um conceito complexo, frequente na arte de ponta e que mantém as linguagens artísticas em movimento: "Penso que a fotografia como fim é pouco percebida no trabalho de Vera; é mais consistente a entendermos como uma ferramenta ou insumo do planejamento, da execução ou da finalização de algumas obras".

Entre sua casa em Viamão e o atelier na Espanha, Vera Chaves Barcellos nunca parou de produzir. "A gente trabalha final de semana, sábado, domingo. O trabalho faz parte indissociável da minha vida", comenta. Para Paulo Silveira, seu trabalho segue como uma linha que ascende em harmonia e consistência, resultado de um avançar estético e artístico regular e constante. "O percurso de Vera nasce nas práticas convencionais, ingressa e cresce no tempo da rede, da dúvida conceitual, da instrumentalização de meios, da colaboração entre pares e do reconhecimento do tempo presente. Por isso suas atividades nas experiências compartilhadas associadas ao Grupo Nervo Óptico, ao Espaço N.O. e seu arquivo são sempre lembradas e tão conhecidas quanto inquestionáveis”. E complementa: “Os processos por ela gerenciados, conduzidos ou acompanhados é que efetivamente impactaram a arte nacional, incluídos seus conterrâneos, muito presos a ideias ultrapassadas do que seja o produto de uma artista".

Novas exposições (e a terceira individual de uma artista mulher na Fundação Iberê)

Vera Chaves Barcellos ganhará uma exposição inédita em março de 2023

Vera Chaves Barcellos ganhará uma exposição inédita em março de 2023


LUIZA PRADO/JC/LUIZA PRADO/JC
Em abril de 2023, Vera Chaves Barcellos ganhará uma exposição inédita que ocupará o átrio e mais dois andares da Fundação Iberê Camargo (FIC). Depois da exposição de Regina Silveira em 2011 e Magliani em 2021, esta será a terceira individual de uma artista mulher na FIC. "Eu nunca, jamais, me senti inferior por ser mulher. Vejo que o momento de hoje é de resgatar etnias, trabalhos das minorias, que aliás são maiorias, principalmente no caso da mulher. Eu gosto da posição da (Maria Lídia) Magliani. Detestava que a classificassem como pintora negra. Ela era uma pintora, uma mulher que pintava. Um ser que pintava, mais do que apenas uma mulher", comentou Vera.
A exposição terá curadoria do carioca Raphael Fonseca, professor e Doutor em História da Arte pela Uerj. A mostra não pretende seguir uma linha reta com o propósito de formação de trajetória, mas trazer pinçadas e realces sobre momentos de destaque em sua vida artística. Ela também explicou sobre a dificuldade prática de planejar a exposição. Vera conta que o prédio da FIC foi construído sob encomenda para expor as obras de Iberê Camargo. "O museu tem paredes altas, de 4,20 metros, mas elas são pequenas. A maior parede tem só 15 metros. Eu, por exemplo, tenho uma obra com 17 metros. Nenhum ambiente é fechado, é um museu com arquitetura aberta. As outras duas paredes são mínimas, tem parede de 1m. É bonito porque tu desvendas praticamente tudo quando tu entras, tu vês quase tudo. (Mas) eu trabalho com séries, então isso complicou".
Além da individual, Vera prepara uma exposição com desenhos de Iberê Camargo onde ela mesma será a curadora, em maio de 2023. A mostra ainda não tem nenhum tema ou direcionamento, já que a artista ganhou a liberdade para fazer a seleção conforme sua escolha. Porém, o tipo de produção já foi escolhido: serão apenas desenhos.
O acervo de Iberê Camargo possui quase 4 mil desenhos, e a artista está revisitando um a um. "Não posso botar tudo que eu gosto na exposição. Por isso eu quero apresentar um projeto, porque só tenho investigado por enquanto. Quero fazer uma projeção dos desenhos e um apanhado muito geral. Mas não de todos, porque ele guardou o mínimo tracinho, tudo. Tem muitos esboços que eu deixaria um pouco de lado, por mais que façam parte do processo dele".
 

Continuidade, sempre

Clóvis Dariano e Vera Chaves Barcellos

Clóvis Dariano e Vera Chaves Barcellos


LUIZA PRADO/JC/LUIZA PRADO/JC
O impacto de Vera Chaves Barcellos em uma arte padronizada e regionalista na década de 1970 influenciou e provavelmente continuará influenciando a obra de diversos artistas. Alexandre Santos destaca uma das características do trabalho de Vera, a sequência de séries que são revisitadas em períodos distintos, formulando novas obras e maneiras de perceber sua própria arte.
Para ele, "a atualidade dos seus trabalhos é algo que está sempre em evidência. Trata-se de um exemplo de uma artista inquieta com as suas proposições, e isto é uma grande qualidade, a qual certamente influencia novos atuantes".
Refletindo a respeito de suas séries e revisitações, Vera concorda que alguns trabalhos podem ser cumulativos e que podem acontecer de maneira orgânica, desprendida de um senso de encomenda criativa. "Há duas maneiras. Há coisas que vêm de fora, que tu enxergas e que incorporam um trabalho ou que te dão uma ideia. E há outras coisas que vêm de dentro, que também te dão uma ideia", comenta a artista.
Para exemplificar essa característica, ela cita uma ideia que virou uma sequência, representando várias fases de um momento, até o fechamento do ciclo total, da vida. "Eu tinha uma ideia de um nadador, não sei por quê. Queria aquela figura do nadador de peito. Um dia estou na frente da TV e vejo uma competição de natação. Pego a câmera que tenho e faço uma foto. Era uma Pentax 110, que todos os fotógrafos detestam, mas que tinha lente, tinha tudo. Eu fotografei, e a foto que saiu era ele ofegante e respirando". Era a imagem que Vera procurava, mas ainda não era a obra a ser exposta futuramente. A artista, então, começou a trabalhar a partir da fotografia em seu laboratório analógico.
"Foi um dia de muito calor e deu muito erro. Eu aproveitei todos os erros. Cada cópia saiu diferente. Foi engraçado, mesmo no negativo, foi uma loucura, uma modificação química. Então ele é uma repetição da mesma imagem que vai diferindo".
Vera continua: "Eu peguei aquelas provinhas pequeninhas, acho que tinham 3 por 4, e eu pintei cada uma de uma maneira diferente. Isso gerou uma sequência desse nadador. Aquilo pra mim era o ar que tu respiras, o pneuma, a alma. É aquilo que anima a pessoa, então é o ar. Eu fiz essa sequência de fotos e fiz como uma sequência de vida também, botei uns aquários. O primeiro tinha água limpa, depois ia faltando o ar. O último era negro total. 'Tu não respiras'. Era como um ciclo de vida que nasce e se encerra no final".
Para a visão de Vera, o aproveitamento do erro é o processo que faz a diferença entre fotógrafo e artista. O erro pode fazer parte do trabalho. Porém, a artista diverge com algumas condições que considera básicas sobre a produção artística no pós-modernismo. Para ela, "agora existem algumas coisas que extrapolam talvez aquelas condições que considero básicas para que a arte seja uma linguagem, onde se coloca alguma coisa adequada àquela linguagem. A arte não é o tema, ela é o meio pelo qual você faz um tema. Muita gente vai dizer que 'A Vera é uma velha que tem uma visão dos anos 60 ou dos anos 70'. Bom, tudo bem", encerra a artista, enquanto sorri e dá de ombros.
 

Principais obras

Fundação Vera Chaves Barcellos está localizada em Viamão

Fundação Vera Chaves Barcellos está localizada em Viamão


LUIZA PRADO/JC/LUIZA PRADO/JC
Testartes (1974-1976)
Série de imagens que representaram o Brasil na Bienal de Veneza de 1976
On Ice (1978) Série de fotografias que a estamparam cartazes do Nervo Óptico
Keep Smiling (1977)
Série de retratos publicadas pelo Nervo Óptico
L'Intervallo perduto Homenagem a Gillo Dorfles (1977-2018), série de fotografias de detalhes de rostos
Epidermic scapes (1977-1982) Partes do corpo da artista fotografados em papel vegetal e ampliadas
Personas (1980) Série aberta de 18 fotografias, documentando pernas de mulheres
Retratos (1992-1993)
O Grão da Imagem, uma Viagem pela Poética de Vera Chaves Barcellos (2007) Exposição no Santander Cultural sobre a trajetória da artista
 
 
*Roberta Requia tem 25 anos, reside em Porto Alegre e é jornalista formada pela Pucrs. Tem passagens pelo Correio do Povo, Jornal do Comércio e Matinal Jornalismo.