Integração de políticas públicas, desenvolvimento de insights confiáveis, ampliação de financiamento sustentável, assistência técnica no campo e maior articulação intersetorial são as frentes nas quais o Brasil precisa avançar para confirmar seu protagonismo na agenda da sustentabilidade global. É o que aponta a economista Marina Grossi, pioneira no tema no cenário empresarial do País. Presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), foi nomeada em maio enviada especial do Setor Empresarial pela Presidência da COP30.
"Estamos mobilizando nossas empresas associadas para que cheguem a Belém com resultados tangíveis, especialmente nas três trilhas prioritárias definidas pelo CEBDS: bioeconomia, sistemas agroalimentares regenerativos e descarbonização. É por meio de alianças estratégicas e ações coordenadas que o setor privado pode deixar um legado real de transformação", afirma.
O CEBDS reúne mais de 120 dos maiores grupos empresariais do País. Segundo Marina, o papel da entidade é garantir que o engajamento seja consistente, estratégico e colaborativo, com avanços setoriais que possam escalar soluções e influências políticas públicas. Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, ela exemplifica: "estruturamos uma coalizão, com mais de 50 organizações, para acelerar a descarbonização dos transportes, uma das áreas-chave da transição climática no Brasil, com metas, planos de ação e diálogo ativo com o governo".
A economista também integra o Conselho de Administração da Neoenergia, Norte Energia e Fundo JBS Amazônia, além do Conselho Independente de Especialistas Climáticos da Edelman, o Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável da Presidência da República e o Conselho Consultivo Socioambiental do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram). São mais de 25 anos de experiência em mudança do clima e finanças sustentáveis.
Jornal do Comércio – Quais são os erros mais comuns que as empresas cometem ao tentar implementar políticas ESG?
Marina Grossi – Um erro recorrente é tratar a sustentabilidade como algo restrito. Ou restrito a uma única área da empresa, quando deveria estar no centro da estratégia de negócios. ESG não é uma agenda acessória, é uma lente pela qual a empresa precisa reavaliar suas operações, riscos e oportunidades de longo prazo. Quando essa integração não acontece, as iniciativas perdem força, desconectam-se das decisões estratégicas e têm impacto pouco real.
JC – O que distingue a empresa que está de fato comprometida?
Marina – O que distingue as empresas verdadeiramente comprometidas é a governança robusta da agenda, com envolvimento de alta liderança, metas claras e mecanismos de acompanhamento. São organizações que entendem que sustentabilidade é fator de competitividade e estão dispostas a recompensar modelos de negócio, cadeias de valor e relações com seus públicos de interesse. Nesse processo, transparência e disposição para aprender e evoluir continuamente fazem toda a diferença.
JC – Um ano após a maior tragédia climática da história recente no Rio Grande do Sul, quais lições do ESG podem (ou devem) ser incorporadas por empresas que atuam em regiões vulneráveis a eventos extremos?
Marina – A tragédia no Rio Grande do Sul foi um alerta brutal de que o tempo de agir é agora. As empresas precisam incorporar a gestão de riscos climáticos nas suas decisões estratégicas, com planos de adaptação robustos e políticas de resposta rápida. Mas também é preciso olhar além da emergência: investir em resiliência, apoiar comunidades vulneráveis, conservar e restaurar ecossistemas. ESG não é apenas sobre mitigação, é sobre prevenir novas tragédias através da adaptação e construir um futuro mais seguro e justo para todos.
JC – Um ano após a maior tragédia climática da história recente no Rio Grande do Sul, quais lições do ESG podem (ou devem) ser incorporadas por empresas que atuam em regiões vulneráveis a eventos extremos?
Marina – A tragédia no Rio Grande do Sul foi um alerta brutal de que o tempo de agir é agora. As empresas precisam incorporar a gestão de riscos climáticos nas suas decisões estratégicas, com planos de adaptação robustos e políticas de resposta rápida. Mas também é preciso olhar além da emergência: investir em resiliência, apoiar comunidades vulneráveis, conservar e restaurar ecossistemas. ESG não é apenas sobre mitigação, é sobre prevenir novas tragédias através da adaptação e construir um futuro mais seguro e justo para todos.
JC – Que empresa gaúcha se destaca na agenda ESG?
Marina – Entre associadas ao CEBDS com sede gaúcha, temos bons exemplos. A Renner foi pioneira na adoção das normas internacionais IFRS S1 e S2, integrando riscos climáticos à sua estratégia de negócios, investindo em lojas circulares e rastreando sua cadeia de quantidade, e planeja neutralizar suas emissões até 2050. A Azzas 2154, maior grupo de moda da América Latina, assumiu metas planejadas à Science Based Targets Initiative (SBTi), adotando logística reversa e exigência de rastreabilidade total do couro e do algodão. Já a chilena CMPC, com sede brasileira no Estado, vem aplicando padrões ESG específicos com seus fornecedores, sendo reconhecida como uma das empresas mais sustentáveis do mundo pelo Dow Jones Sustainability Index (DJSI). Temos ainda a Yara, de origem norueguesa e com sede brasileira em Porto Alegre, que tem iniciativas voltadas para o desenvolvimento de fertilizantes de origem orgânica, a redução de sua pegada de carbono e atua em parceria com a Embrapa para promoção de soluções de agricultura sustentável. Também podemos citar o longo histórico de atuação em sustentabilidade do setor cooperativista no Rio Grande do Sul, com organizações como o Sicoob, que hoje está em todo o Brasil.
JC – Como a agenda ESG pode avançar no Brasil diante da resistência política e econômica em torno de regulamentações como o mercado de carbono?
Marina – A agenda ESG já é uma realidade no Brasil, não apenas por conclusões, mas por necessidade competitiva. O avanço dessa pauta passa por mostrar que alinhar planos de transição corporativa, aprimorar o arcabouço jurídico e avançar em regulação não são obstáculos, mas alavancas de desenvolvimento. A regulamentação do mercado de carbono, por exemplo, pode colocar o Brasil na vanguarda de uma economia de baixo carbono, gerando investimentos, inovação e empregos. O que buscamos no CEBDS é justamente esse alinhamento entre ambição climática e pragmatismo econômico, envolvendo empresas, governo e sociedade civil em soluções viáveis e escaláveis.
JC – Sobre a necessidade de uma transição energética justa. O que significa “justa” nesse contexto, e como o setor privado pode se comprometer com esse princípio sem abrir mão da competitividade?
Marina – Uma transição energética justa é aquela que reduz emissões, mas também corrige desigualdades históricas e gera oportunidades para todos. Isso significa garantir que a energia limpa seja acessível, beneficiando diferentes grupos de consumidores, incluindo os mais vulneráveis. Inclui também o respeito aos direitos das comunidades impactadas, a garantia da qualificação profissional e a geração de empregos verdes em larga escala. Para o setor privado, isso não é custo, é investimento em estabilidade social e licença para operar no longo prazo. O Brasil tem uma matriz energética limpa e uma vocação natural para liderar essa transição com justiça e competitividade.
JC – Se o Brasil tem potencial para liderar uma agenda global de soluções baseadas na natureza, o que está faltando para que esse protagonismo se concretize na prática?
Marina – O Brasil possui um potencial imenso para liderar a agenda global de Soluções Baseadas na Natureza (SbN), dada sua megabiodiversidade, vastos ecossistemas e experiência em agricultura e conservação. Segundo o estudo Soluções baseadas na Natureza para os Negócios, publicado pelo CEBDS em 2021, o País concentra cerca de 20% do potencial global não explorado de SbN, com destaque para conservação de florestas naturais (63%), reflorestamento (21%) e práticas regenerativas na agropecuária (14%). Empresas como Ambev, Natura, Vale e Grupo Boticário já desenvolvem projetos robustos, aplicando práticas restaurativas em bacias hidrográficas, florestas e comunidades locais, gerando benefícios socioambientais e econômicos. Além disso, empresas como a Bayer e a Amaggi têm iniciativas de agricultura regenerativa no Brasil que aumentam a produtividade, sequestram carbono e promovem a conservação do solo e da biodiversidade. Temos um estudo sobre agricultura regenerativa de 2023 com uma série de casos do tipo. Apesar do notável potencial e dos esforços já em andamento, para concretizar seu protagonismo, o Brasil ainda precisa avançar em frentes como políticas públicas integradas, desenvolvimento de insights confiáveis, ampliação de financiamento sustentável, assistência técnica no campo e maior articulação intersetorial.
JC – Quais foram os resultados práticos da iniciativa "Empresários pelo Clima"?
Marina – O movimento “Empresários pelo Clima”, lançado pelo CEBDS em 2021, surgiu como uma resposta estratégica ao agravamento da crise climática e à crescente pressão internacional sobre o Brasil. Os resultados foram expressivos. Ao contrário do que se viu na Conferência anterior, o Brasil saiu da COP26 com metas mais ambiciosas: aumentou sua meta de redução de emissões de 43% para 50% até 2030, reafirmou o compromisso com a neutralidade de carbono até 2050 e aderiu a acordos multilaterais importantes, como os compromissos globais sobre florestas e sobre metano. Essas conquistas foram impulsionadas pela força do setor empresarial brasileiro, que declarou unidade, protagonismo e capacidade de articulação em alto nível. A iniciativa mostrou, na prática, que o engajamento do setor privado pode gerar impactos concretos nas políticas climáticas e na imagem internacional do Brasil.