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Publicada em 18 de Julho de 2025 às 00:00

'Precisamos achar novas formas de financiar o agricultor, o Plano Safra já não funciona'

Maurício Schneider defende novas formas de viabilizar a produção

Maurício Schneider defende novas formas de viabilizar a produção

/Arquivo Pessoal/Divulgação/JC
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Ana Esteves
A partir do conceito de descomoditização, que consiste em criar valor através da transformação de produtos e serviços em experiência, o co-fundador e ex-CEO da Solubio, investidor anjo em agtechs e empreendedor endeavor, especialista em agtechs, Maurício Schneider, defende modelos de negócios totalmente inovadores que buscam trazer ganhos substanciais para os produtores: novas formas de comercializar a carne, os grãos, diversificação de culturas, investimento em novas tecnologias que ajudem a monitorar o clima e alternativas ao financiamento da produção.
A partir do conceito de descomoditização, que consiste em criar valor através da transformação de produtos e serviços em experiência, o co-fundador e ex-CEO da Solubio, investidor anjo em agtechs e empreendedor endeavor, especialista em agtechs, Maurício Schneider, defende modelos de negócios totalmente inovadores que buscam trazer ganhos substanciais para os produtores: novas formas de comercializar a carne, os grãos, diversificação de culturas, investimento em novas tecnologias que ajudem a monitorar o clima e alternativas ao financiamento da produção.
Nessa entrevista exclusiva para o JC, Schneider fala sobre a descomoditização como saída para muitos entreves do agro gaúcho.
Jornal do Comércio - Quais as vantagens da descomoditização do agro e quais os seus pilares?
Maurício Schneider - Um negócio descomoditizado vai ter uma margem melhor, vai ter um Ebitda (lucro operacional líquido, depreciações, amortizações) acima de 30%, ligado a receitas recorrentes também, vai ter um NPS (mede a satisfação e lealdade do cliente) acima de 9% e vai ter um churn (mede a perda de clientes) perto do zero. E esse é um conceito que se aplica para o agro também. Então você deixa de vender produto, você deixa de vender serviço e você começa a vender experiência.
JC - Tem se falado muito na questão da resiliência do agricultor gaúcho, depois de tantas estiagens, enchentes, gerando endividamento crescente. Como enxerga a ferramenta de descomoditização nesse contexto?
Schneider - Existe uma dor aguda do agricultor gaúcho: como ele vai se financiar e como ele vai plantar as próximas safras. E, ao mesmo tempo, como ele cada vez se protege mais contra as mudanças climáticas, a agropecuária resiliente não está só dentro da fazenda, não está só no agro, vai desde profissionalizar a gestão, de mitigar riscos operacionais, de trazer gente competente. Isso serve para o grande e serve para o pequeno.
JC - O que pode ser descomoditizado em termos de grãos? E na pecuária? Como seria isso na prática?
Schneider - Da porteira para dentro, quando falamos em descomoditização, temos muita coisa para testar. Para o momento da agricultura do Rio Grande do Sul, é um negócio que vai dar retorno mais a longo prazo. Então, podemos falar em novos bioinsumos que estão surgindo, toda a integração de dados para tomada de decisão, todas essas startups de Inteligência Artificial (IA), principalmente ligadas ao clima, para definir janela exata de plantio. Hoje já tem até a catalogação das cultivares, das sementes mais adequadas, e melhor momento para plantar. Todas coisas práticas que estão sendo utilizadas. Tem várias sementeiras que estão investindo nisso, para ajudar os produtores, pois, na época da estiagem, houve lugares que foram mais e menos afetados e teve gente que, mesmo em região afetada, teve uma produção melhor, porque, por sorte, plantou na melhor janela de plantio. Isso já está dando um retorno e acho que mitiga um pouco alguns riscos climáticos para dentro da porteira.
JC - E quais são os problemas do agro no Estado que podem ser ajudados com a descomoditização?
Schneider - Temos dois grandes problemas no Rio Grande do Sul que devemos atacar e que afetam dentro e fora da porteira. De um lado, a mitigação dos riscos climáticos, que eu acho que é o que tem machucado mais o agricultor, e, aí, é totalmente dentro da porteira, a mitigação operacional. Óbvio que a escolha de cultivares resistentes a excesso ou falta de chuvas, o investimento em estruturação de solo a partir dos insumos, do Plantio Direto, das plantas de cobertura, tudo isso que muita gente já está fazendo, alguns não fazem, principalmente os pequenos agricultores têm mais dificuldade em entender que esse investimento no solo que tem que ser feito e ele retorna um pouco mais a longo prazo. E, para fora da porteira, eu acho que tem várias coisas que têm que se pensar. Primeiro, na diversificação de culturas para agregar um pouco mais de valor, pois não dá mais só para ficar na soja, milho e trigo. O pulses (sementes secas comestíveis de leguminosas) são uma ótima saída, pois está tendo mais acordos do Brasil com os países, com China, referentes a essa cultura que já mostrou que pode rentabilizar melhor, mesmo que você produza menos, tem um valor mais agregado. Mas a gente sabe que o agricultor gaúcho é muito cabeça dura para pensar nesse tipo de diversificação. Quando olhamos o produtor do Centro-Oeste, já tem muita gente, mesmo os grandes produtores de 30 mil hectares de soja, algodão, começando a investir na diversificação: gergelim, feijão e por aí vai. Acho que falta uma integração ecossistêmica. Às vezes a inovação não vem de uma novidade tecnológica, mas da integração ecossistêmica das coisas.
JC - E como podemos fazer para criar novos mercados?
Schneider - A partir de um conceito de descomoditização de dentro para fora da porteira, mas acho que o pessoal não consegue pensar nisso, fica olhando só para dentro da porteira, as associações não se mobilizam. Cito o exemplo das pulses: o Rio Grande Sul tem duas empresas fortes em pulses na forma de milho de pipoca. E como a gente integra com uma agroindústria e exporta? Dizemos que é o milho de pipoca do Pampa Gaúcho, do bioma gaúcho, que tem um manejo biológico, orgânico. Esse produto que vai para a indústria depois vai ser entregue para um trader, depois comercializado com um selo que vai ser trabalhado junto com a Apex no mercado americano. Esse é um caminho. Acho que quem melhor fez isso foi a Abrapa (Associação Brasileira de Produtores do Algodão): criaram o Sou de algodão, que promove o uso da fibra natural pela indústria têxtil brasileira. Assim, começaram a valorizar o produto, a valorizar a marca, colocaram um representante no exterior e isso fez toda a diferença.
JC - Isso se aplicaria ao caso da pecuária aqui do Estado?
Schneider - Sim, isso vale para pecuária. Mercadologicamente falando, como a gente consegue agregar valor? Aí, temos um grande problema: precisamos educar o mercado, pois, no Brasil, o pecuarista é incentivado a produzir por quilo. E você sabe que quilo é inversamente proporcional à qualidade. Quanto mais rápido eu engordo, mais qualidade de carne eu perco, o marmoreio, a maciez. Então, a gente precisa começar a educar o mercado, mudar os modelos e começaremos a agregar valor. Tem um case de uma fazenda de gado de Minas Gerais que resolveu descomoditizar o produto pecuário e agregar valor, mudando todo o sistema produtivo para ter uma carne com mais qualidade, com mais marmoreio. Mudou genética, mudou manejo e começou a ter pontos de venda, começou a criar uma cadeia de distribuição até que chega num full commerce e em diversos pontos de distribuição, supermercados e tudo mais com a marca dele. Não é um negócio fácil, demora para escalar, mas temos as cooperativas no Rio Grande do Sul, a gente poderia começar a fazer isso através delas. A ideia de agregar valor a partir da percepção de valor. E tem que mudar os cortes também: tem os Denver Steak, o Prime Rib, que são coisas que a gente começa a ver no Rio Grande do Sul, mas que tem que acelerar mais.
JC - E que outros entraves do agro podem passar pelo processo de descomoditização?
Schneider - A parte da mitigação de riscos. Precisamos investir muito em buscar soluções de transferência de risco climático via seguro paramétrico, esse é um ponto importante, a gente precisa ver novas formas de financiar o agricultor, o Plano Safra sozinho já não funciona. A parte privada, principalmente, agora com essas mudanças de IOF para as cooperativas, elas não conseguem assumir tanta responsabilidade. Então, a gente precisa começar a pensar em derivativos, em Green Bonds. A gente precisa pensar até em crowdfunding específico do agro, para começar a tentar mudar essa realidade. Precisa encontrar sistemas financeiros diferentes, mais efetivos, porque, com o juro no preço que está, a agricultura não se sustenta. E aqui tem um outro tema de casa, que é trabalhar bem a gestão, usar a IA e tentar imputar mais dados, porque eu acho que tem uma grande falha no mercado por parte do agricultor, que é ele não entender os seus custos, a maioria deles. Então, é muita gente que não sabe fazer conta. O cara vai lá, se emociona, compra uma máquina que não está compatível nem com fluxo de caixa nem com a operação dele. E o agricultor tem que entender que são novos tempos, não dá mais para trabalhar tão alavancado. Você precisa ter mais capital próprio dentro da sua operação ou você precisa ter capital de terceiros ou modelos de joint venture, enfim, modelos onde você tem um suporte de capital.
JC - Você diz que o monopólio de Chicago pode estar com dias contatos, que seria possível descomoditizar a bolsa de valores. Como seria?
Schneider - Hoje, o bushel está atrelado a Chicago e existe um movimento, principalmente do Brics, da China, de que se crie uma bolsa paralela para fugir da dolarização e de Chicago. Então, querem criar uma bolsa de grãos do Brics, até porque a maior demanda por soja do mundo é da China. Não é nem a da Europa, nem a dos Estados Unidos. Então, se a gente parar para pensar, o consumo que tem de grão só entre os Brics e o Sudeste Asiático, teoricamente, poderia tirar a dependência de Chicago. Obviamente que aqui a gente está falando de desdolarizar, aí teria que entender como funcionaria a liquidez, como seria o lastro, não é um movimento tão simples.
JC - Quais são as ferramentas que mais estão bombando na atualidade?
Schneider - Ainda temos o grande desafio de desfragmentar os dados, pois são muitos para tomada de decisão e falta unir e agregar tudo isso. Acredito que a IA está tentando melhorar a forma como a gente faz o input desses dados para depois unir tudo nas plataformas. Seja para definir um plano de manejo, para selecionar uma cultivar, para ver qual é a melhor correção para o solo ou para decidir qual é o momento melhor de aplicar um defensivo.

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