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Publicada em 18 de Julho de 2025 às 00:00

Produtor rural gaúcho foca na resiliência para se manter no campo após desafios enfrentados no Estado

Caminho para enfrentar as adversidades é a implementação de políticas com recursos, renegociação de dívidas e de adaptação ao clima

Caminho para enfrentar as adversidades é a implementação de políticas com recursos, renegociação de dívidas e de adaptação ao clima

/Pedro Revillion/Palácio Piratini/Divulgação/JC
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Ana Esteves
O setor agropecuário gaúcho move o Estado: foi o responsável por alavancar o Produto Interno Bruto (PIB) do Rio Grande do Sul, em 2024, mesmo depois da tragédia climática de maio. Impulsionada pela recuperação da agropecuária, a economia cresceu 4,9%, acima dos 3,4% registrados no Brasil. Conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no ano passado, a agropecuária apresentou crescimento de 35%, alavancada pela elevação da produção agrícola após a estiagem de 2023. E o trabalhador do campo tem papel fundamental nesses resultados.
O setor agropecuário gaúcho move o Estado: foi o responsável por alavancar o Produto Interno Bruto (PIB) do Rio Grande do Sul, em 2024, mesmo depois da tragédia climática de maio. Impulsionada pela recuperação da agropecuária, a economia cresceu 4,9%, acima dos 3,4% registrados no Brasil. Conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no ano passado, a agropecuária apresentou crescimento de 35%, alavancada pela elevação da produção agrícola após a estiagem de 2023. E o trabalhador do campo tem papel fundamental nesses resultados.
Entre as principais culturas, os maiores acréscimos ocorreram nas produções de soja (43,8%), trigo (41,2%) e milho (13,9%). As exportações também bateram recorde no ano passado, alcançando em termos nominais, sem considerar a inflação, o terceiro melhor resultado da série histórica iniciada em 1997, com um total de US$ 15,8 bilhões. O valor final das exportações contou com um reforço no último trimestre do ano, que apresentou o melhor resultado da série, com US$ 4,7 bilhões em vendas, alta de 13,8% em comparação com o quarto trimestre de 2023. Considerando apenas os resultados do quarto trimestre, os seis principais segmentos da pauta de exportações do agronegócio gaúcho tiveram crescimento, puxados pelo complexo soja (total de US$ 2,17 bilhões; 11,2%), fumo e seus produtos (total de US$ 884,21 milhões; 25,2%), produtos florestais (total de US$ 286,58 milhões; 33,5%) e carnes (total de US$ 636,97 milhões; 10,1%).
Por trás de todos esses números que comprovam a grandeza do agronegócio gaúcho, estão homens e mulheres que trabalham de sol a sol, movidos pela força da resiliência, da capacidade de resistir a momentos difíceis, de se adaptar, aprender e crescer com as dificuldades. E não foram poucas: estiagens severas que se repetem ano após ano, enchentes, resultando em um cenário de endividamento crescente, diante de um contexto econômico de juros altos, preços baixos e custos de produção elevados. Para o presidente da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul/RS), Gedeão Pereira, o Brasil se tornou uma potência agrícola graças aos gaúchos. "O produtor gaúcho é um leão e o Brasil é uma potência agrícola mundial graças a ele. Os números estão aí para dizer, o Brasil bateu mais um recorde, mais uma grande safra, 338 milhões de toneladas de grãos. É o povo gaúcho que migrou pelo nosso Brasil continental que faz o agro crescer. Isto é a epopeia de um povo", afirma Gedeão.
Segundo ele, um dos principais entraves está relacionado à questão do endividamento dos produtores rurais que poderá acarretar na redução da área plantada na safra de verão no Estado. "Após quatro anos com alterações climáticas, é uma situação muito complexa, muito difícil e que realmente está atrapalhando sobremaneira o nosso setor como um todo. Porque, realmente, se nós não conseguirmos avançar neste processo, se o produtor não puder empurrar as dívidas para frente, haverá uma diminuição de área no Rio Grande do Sul." Essa sinalização se dá em função de os produtores estarem tentando negociar um alongamento das dívidas para que consigam arcar com os custos de implementação das lavouras. "Tem muito produtor na expectativa, que não está pagando o sistema financeiro tentando essa negociação. E nós sabemos que a dificuldade é muito grande", afirma Gedeão.
Para o presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul (Fetag/RS), Carlos Joel da Silva, o caminho para enfrentar as adversidades climáticas e a bola de neve do endividamento é a implementação de políticas agrícolas fortalecidas com recursos, programas de renegociação de dívidas e de adaptação às mudanças climáticas. "Precisamos de Proagro e Seguro Rural, bem como políticas que incentivem a implementação de práticas agrícolas que preparem os empreendimentos para secas e enchentes", defende o dirigente.
Para Gedeão, o agronegócio do Rio Grande do Sul vive o que ele chama de "tempestade perfeita": colhendo mal, com custos de produção muito altos e preços ruins. "O arroz foi um desastre. No ano passado não vendia arroz a R$ 120,00, então vendeu a R$ 65,00. A pecuária que vinha bem, agora com tarifaço do Trump, tem um grave problema. O cenário é dos piores, zero otimismo", lamenta Gedeão.
A tarifa de 50% imposta pelo governo norte-americano sobre produtos brasileiros é uma "bomba de alto estrago", pelo fato de o país ser o segundo maior importador de carne bovina do Brasil, perdendo apenas para a China. "É um mercado que sempre paga bons preços, muito confiável. O tarifaço é um componente a mais dentro desse desastre", diz Gedeão. Sobre os efeitos da crise climática, o presidente da Farsul diz que o RS está no epicentro da crise, com repetidas secas ou excesso de chuvas. "Não tem gerenciamento que aguente. Por melhor que seja o produtor, ele se exauriu. E leva todo o setor com ele, a cerealista, a cooperativa, a revenda", afirma.
O produtor de leite Fábio Luis Ahlert, da agropecuária Ahlert, do município de Condor, diz que a maior dificuldade é a falta de ajuda por parte do governo no sentido de conseguir financiamentos, aliado à baixa dos preços do leite no mercado. "No momento, enfrentamos a falta de Proagro para os financiamentos e do seguro agrícola, que é muito caro, sendo que o governo está dificultando cada vez mais para o pequeno produtor rural", diz Ahlert. Segundo ele, a ajuda das cooperativas, que fazem uma troca de grãos para implantação das lavouras, é o que salvou um pouco a situação. "Temos ainda uma incerteza grande sobre os valores dos nossos produtos, ainda mais com essa briga política, além de juros absurdos", afirma o produtor.
Ele conta que a principal atividade é o leite, mas que também cultiva milho para silagem no verão e cevada e trigo no inverno, que servem para alimentar o rebanho de vacas leiteiras.

Emater foca na sucessão familiar como forma de manter o agricultor no campo

Luciano Schwerz, presidente da Emater/RS, diz que campo é lugar de trabalho e lazer de muitas famílias

Luciano Schwerz, presidente da Emater/RS, diz que campo é lugar de trabalho e lazer de muitas famílias

/TÂNIA MEINERZ/JC
O presidente da Emater/RS, Luciano Schwerz, afirma que a resiliência do produtor gaúcho está ancorada à sua essência e história. "Ser um agricultor, proprietário de uma área, de uma terra, é uma missão, é um legado que ele carrega. E o agricultor encontra, das mais diversas formas, força e suporte para conseguir superar os desafios", afirma. A Emater tem trabalhado intensamente a questão da sucessão nas propriedades e esse viés também é destacado quando o assunto é capacidade de superação dos gaúchos, de manter o patrimônio da família, de produzir alimentos, de fazer a agricultura acontecer. "Eu diria que ele só consegue continuar no campo porque é apaixonado pelo seu meio de vida. O agricultor está no local de trabalho, mas ele está também no local de lazer, no local onde nasceu, onde seus filhos nasceram, onde vive, onde se diverte, onde acontece tudo da vida dele. Inclusive a geração de renda da produção", diz Schwerz.
O presidente relembra que o trabalho da Emater, que completou sete décadas neste ano, é fundamental para a difusão de tecnologia e de informações, fazendo a transferência do conhecimento científico para o campo, através das metodologias da extensão.
Isso se propagou ao longo dos anos e se mantém atualmente, levando também para os agricultores estratégias para superar as adversidades climáticas e poder, através do planejamento da propriedade rural, diversificar a renda, agregar valor e estimular a sucessão rural. "A extensão rural tem esta missão: promover o desenvolvimento rural sustentável, gerando renda e qualidade de vida para as pessoas. E é isso que nós fazemos também nos momentos difíceis: mostrar que existem oportunidades, formas e estratégias para ele superar o desafio", diz.
Schwerz cita o Programa Terra Forte, desenvolvido pela Secretaria de Desenvolvimento Rural (SDR), junto ao governo do Estado, que concede recursos a fundo perdido para os produtores, através do Plano Rio Grande, para que possam recuperar o solo, tornar a propriedade mais resiliente e segura, menos suscetível aos impactos climáticos. "É nosso papel estar junto na construção, no desenvolvimento e na difusão de políticas públicas, de apoio, de fomento para esses agricultores", acrescenta.
Para o presidente da Emater, o produtor gaúcho está em um ambiente cheio de oportunidades, mas com um microclima desafiador com muitas oscilações, que, ao longo dos anos, foi forjando os agricultores, moldando-os para trabalhar com as adversidades climáticas, seja a estiagem, a enchente, mas também a geada, o granizo e os ventos fortes que causam acamamento de plantas, os dias de baixa luminosidade, as ondas de calor. "O Estado experimenta um conjunto muito grande de condições climáticas, além de um microclima e de solos com diferentes características que forjaram os agricultores gaúchos para superarem desafios." O presidente destaca o papel da Emater nesse contexto, por orientar sobre a adoção de tecnologias, de práticas agropecuárias que possibilitam um aumento da produtividade, de renda e ações que melhoram a resiliência climática. "Não podemos esquecer do plantio direto que tem ajudado o produtor a superar os desafios. Nos seis anos, houve uma recorrência maior de eventos climáticos, houve uma dinâmica mais intensa, o que fez com que muitos agricultores desistissem."

Falta de alimento para o gado acirra crise do setor leiteiro gaúcho

Marcos Tang, presidente da Gadolando, lembra que escassez de silagem gerou endividamento

Marcos Tang, presidente da Gadolando, lembra que escassez de silagem gerou endividamento

/TÂNIA MEINERZ/JC
O Rio Grande do Sul tem sido o epicentro das condições climáticas adversas. São cinco anos de secas intercaladas com enchentes que, além de prejudicar a agricultura, trouxeram problemas severos para a pecuária, em especial a leiteira. O presidente da Associação dos Criadores de Holandês (Gadolando), Marcos Tang, afirma que durante esse período, os produtores não conseguiram fazer silagem suficiente, com boa quantidade e dentro dos padrões de qualidade para alimentar as vacas.
"Isso significa que tivemos que comprar insumos, alimentos para os animais que outrora produzíamos em nossas propriedades e isso resultou no endividamento que estamos vivendo", diz Tang. Nesse cenário, o produtor, em sua maioria de propriedades pequenas, que, até pouco tempo atrás tinha condições de cultivar a própria silagem, passou cinco anos comprando de terceiros e, para isso, tinha três opções: encerrar a atividade do tambo, o que ocorreu com muitos produtores, buscar mais empréstimos ou vender parte do plantel para poder alimentar bem os animais que sobraram. "E, quando os anos não são de seca, a qualidade do pasto vem ruim, o que gera uma produção menor de leite e o caixa vai diminuindo. Então, somos obrigados a comprar também e esse alimento vem de longe e fica caro, em função do custo do frete. Vira uma bola de neve que vai crescendo e se avolumando em coisas negativas", explica Tang.
O presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul (Fetag/RS), Carlos Joel da Silva, afirma que os produtores de leite historicamente passam por severas dificuldades e aqueles que saem do setor migram para o gado de corte, para o cultivo os grãos ou abandonam totalmente a atividade agrícola e vão para a cidade. Os que permanecem fazem um esforço gigantesco para o controle de custos, principalmente na alimentação do rebanho, priorizando a produção de leite a pasto e armazenamento de forragem. "O leite é um produto voltado ao mercado interno porque ainda não temos competitividade para exportar, enquanto o custo de produção sofre variações do mercado externo e do real frente ao dólar. Quem sai da atividade não volta mais, pois a estrutura de produção uma vez desorganizada dificilmente voltará a ser organizada."
Para Tang, a resiliência dos produtores é o que os mantém no setor, além de a atividade leiteira fazer parte da origem e da história de cada um. "Eles têm isso no DNA, no sangue, é um sacerdócio trabalhar com leite. Ele nasceu vocacionado, ama essas vacas e, se faltar comida para produzir para os animais, dá um jeito e compra e continuará tratando bem os seus animais." Uma das saídas para que o produtor consiga se manter de forma mais estável na atividade seria com a promoção de um maior profissionalismo dos elos da cadeia para que ele possa vender o leite de forma direta. "É urgente que o nosso produtor pare de entregar o leite nas cooperativas e comece a vender como o produtor de qualquer outra atividade. Nós ainda entregamos nosso leite, por quê? Porque não sabemos o preço que vamos receber pelo litro de leite que saiu da nossa propriedade", protesta Tang. Para tal, seria necessário ter contratos futuros para ter previsibilidade de, no mínimo, meio ano para saber se terá ou não condições de investir na atividade. Tang destaca ainda o reflexo negativo do endividamento e da dificuldade de renegociação dos valores tomados, assim como ocorre em outros setores do agro gaúcho. Segundo ele, é preciso uma ação especial do poder público e com valores compatíveis. "O Pronaf tem condições boas para o produtor de leite, mas no máximo se consegue R$ 250 mil, com juros bem atrativos. Mas com esse valor se faz muito pouca coisa, pois qualquer investimento passa de R$ 1 milhão", sustenta Tang.

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