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ENTREVISTA

- Publicada em 25 de Maio de 2023 às 00:15

Indústria representa 23,2% do PIB do Rio Grande do Sul

Presidente da Fiergs afirma que perfil exportador do Rio Grande do Sul é uma vantagem sobre outros estados

Presidente da Fiergs afirma que perfil exportador do Rio Grande do Sul é uma vantagem sobre outros estados


LUIZA PRADO/JC/LUIZA PRADO/JC
Patrícia Lima, especial para o JC
Patrícia Lima, especial para o JC
Os dados mais recentes divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), referentes ao ano de 2020, mostram que a indústria representa 23,2% do PIB do Rio Grande do Sul. Em relação à participação do setor em 2009 (27,5%), o dado recente revela uma perda de 4,3 pontos percentuais, muito por conta da grave recessão de 2014 a 2016, que impactou fortemente o setor e resultou em diminuição dos investimentos, fechamento de empresas e de empregos. Mesmo assim, a evolução recente mostra uma recuperação, com o percentual de 2020 sendo o maior observado desde 2017, quando a indústria gaúcha atingiu sua menor participação na economia do Estado, com 22,4%. Nesta entrevista, Gilberto Porcello Petry, presidente da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs), fala sobre o setor.
Jornal do Comércio - De acordo com dados da CNI recolhidos em 2019, a indústria representa 22,5% do PIB do Estado. Entre 2009 e 2019 ocorreu uma perda de 5 pontos percentuais na participação do setor no PIB. Qual a situação atual do setor?
Gilberto Petry - Vale destacar que o ganho de participação da indústria, justamente no primeiro ano de pandemia, mostra a importância que o setor teve naquele momento de tantas dificuldades e incertezas para a sociedade, pois a indústria não deixou faltar produtos para suprir as necessidades da população.Além disso, segundo nossas estimativas, a participação da indústria no PIB do Rio Grande do Sul estabilizou na passagem de 2020 para 2021, em torno de 23,2%, e deve crescer em 2022, podendo chegar a 25,3%. Caso esse percentual se confirme, será o maior desde 2012.
JC - O perfil da indústria gaúcha vem mudando ao longo das décadas - hoje, um terço da indústria gaúcha está concentrado nos setores de construção e alimentos, ainda segundo a CNI. Como tem sido esse movimento?
Petry - Ao olharmos para a última década, percebemos que a estrutura setorial da indústria do Rio Grande do Sul pouco se alterou. O PIB industrial gaúcho é composto pela Indústria de Transformação (69,6%), Construção (17,4%), Serviços Industriais de Utilidade Pública (12,4%) e Indústria Extrativa (0,6%), segundo dados de 2020. De fato, aproximadamente um terço do PIB do setor se concentra na Construção e na Alimentação (16,5%), o segmento mais representativo da Transformação. Contudo, a Indústria de Transformação gaúcha é bastante diversificada, com segmentos relevantes para a economia do Estado e com grande participação na produção nacional, como máquinas e equipamentos, químicos, veículos automotores, produtos de metal, derivados de petróleo e biocombustíveis, couros e calçados, móveis e tabaco.
JC - Quais setores estão encolhendo? E quais crescem?
Petry - Olhando para os dados de PIB, os segmentos da Indústria de Transformação gaúcha que mais ganharam participação entre 2009 e 2019 foram o de Alimentos ( 7,2 pontos percentuais), Máquinas e equipamentos ( 1,1), Produtos de metal ( 0,4), Derivados de petróleo e biocombustíveis ( 1,9) e Celulose e papel ( 2,5). Por outro lado, perderam participação as atividades de Veículos automotores (-4,1 pontos percentuais), Químicos (-0,6) e Couros e calçados (-0,4). Cabe mencionar que utilizamos como horizonte final o ano de 2019, pois os dados de 2020 apresentam comportamento atípico em muitos segmentos por causa dos reflexos da pandemia.
JC - O Rio Grande do Sul é responsável por 8% das exportações brasileiras de produtos industrializados, enquanto representamos cerca de 7% do PIB industrial brasileiro (dados da CNI). Como o senhor avalia esses percentuais?
Petry - O Rio Grande do Sul é mais voltado às exportações do que outros estados da Federação. Aproximadamente 19,2% da receita líquida de vendas da Indústria de Transformação são provenientes das exportações. Para termos uma base de comparação, o Brasil apresenta 9,5%. A economia gaúcha, portanto, mostra mais autonomia com relação ao mercado interno quando há condições econômicas adversas. A atividade exportadora mostra propriedades de suavização, isto é, mesmo que internamente as condições econômicas do País não estejam as melhores possíveis, é factível que a produção continue a ser escoada para o mercado externo, tendo menores impactos na indústria e, por consequência, no emprego industrial. Além disso, o maior contato com o mercado externo permite ganhos de produtividade e competitividade.
JC - Que desafios o senhor enxerga como os principais ao longo de 2023 e nos próximos anos?
Petry - A retomada da confiança do empresariado é um dos principais pontos para permitir que os investimentos voltem a aumentar. Para que ela retorne a patamares adequados, é necessário que o governo federal empreenda reformas desburocratizantes. E se controlar a inflação, as taxas de juros que oneram o crédito para capital de giro e investimento das empresas podem começar a cair sem pressionar os preços. Isto elevará a confiança.
JC - Dois gargalos principais atormentaram a indústria gaúcha por muito tempo: a alta carga tributária e as dificuldades logísticas, acentuadas pela distância para o Sudeste do País. Como está este cenário atualmente? Estes seguem sendo dois entraves importantes?
Petry - Diversos problemas restringiram o desempenho da indústria gaúcha ao longo dos últimos anos. O principal deles é de caráter estrutural: a elevada carga tributária, que liderou o ranking de nossa pesquisa Sondagem Industrial em dois terços das 75 edições, sobretudo nos períodos de crescimento, quando limitava o desempenho das empresas frente aos concorrentes internacionais. A falta de demanda foi outro grande entrave, principalmente nas crises econômicas intensas como as de 2008 e 2014-2016. Mais recentemente, com o colapso nas cadeias de suprimento devido à pandemia, a falta e o alto custo de matérias-primas foram entraves, atingindo a indústria gaúcha entre 2020 e 2021. Além desses, a competição acirrada de mercado, seja a desleal ou com importados, os juros internos elevados e a taxa de câmbio, pela volatilidade ou pela valorização, estiveram ao longo do tempo entre os principais obstáculos. Por fim, vale destacar a escassez da mão de obra qualificada, que limita o desempenho do setor.
JC - O que o setor apresenta como possíveis soluções para aumentar a participação da indústria no PIB do Estado e do País?
Petry - Uma reforma tributária seria um dos principais pontos de interesse, visto o atual sistema apresentar distorções na alocação dos fatores de produção e sobrecarga de impostos sobre o setor. É importante pontuar, também, que o desequilíbrio fiscal atual, no qual o Estado gasta mais do que arrecada, tem papel deteriorante nas expectativas do empresariado e nas de inflação. Outro fator de vital importância, mas menos ligado à conjuntura, é quanto à infraestrutura, em especial às vias de escoamento das mercadorias e insumos. A maior parte é escoada por via rodoviária e com isso surgem alguns problemas. Uma melhora na infraestrutura, com o intuito de se diminuir os custos logísticos, é indispensável para um bom desenvolvimento sem pressão nas cadeias de preço e para que os produtos da indústria gaúcha se mantenham competitivos em nível nacional e internacional. Por fim, o investimento em educação e qualificação de trabalhadores é fundamental para o crescimento de longo prazo. Nesse sentido, o direcionamento e atuação no Rio Grande do Sul do Serviço Social da Indústria (Sesi-RS) e do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai-RS) se mostram importantes para suprir lacunas antigas deixadas pelo setor público.
JC - Historicamente existem incentivos governamentais, especialmente na legislação tributária, para a produção exportadora. Como esses incentivos chegam à indústria gaúcha? São suficientes?
Petry - Atualmente, as empresas exportadoras podem contar com alguns instrumentos como Reintegra, Drawback, Recof, além de mecanismos de compensação de tributos estaduais e federais. Porém, instrumentos de redução de resíduos tributários como o Reintegra, por exemplo, são num percentual muito abaixo do necessário para compensar as perdas na cadeia produtiva (alíquota atual é de apenas 0,1% sobre a receita oriunda das exportações de bens), não assegurando a efetiva imunidade tributária das exportações. Mecanismos como o Drawback e Recof são regimes especiais e importantes, porém, apontados como muito complexos pelas empresas. Entretanto, a maior dificuldade da indústria exportadora ainda está na alta e complexa carga tributária incidente direta ou indiretamente nos produtos exportados, bem como a dificuldade de ressarcimento ou compensação de créditos tributários federais e estaduais. Além da não restituição de saldos credores de tributos e da não compensação dos resíduos tributários, é preciso salientar que os custos de produção no Brasil são elevados, o que prejudica fortemente a competitividade da indústria brasileira exportadora frente aos concorrentes internacionais. Precisamos urgentemente assegurar a imunidade tributária das exportações.
JC - O senhor já manifestou preocupação com o projeto do governo de financiar exportações, especialmente para a Argentina. Como isso refletiria na indústria do RS?
Petry - Em termos comerciais e de investimentos, a Argentina é um país extremamente estratégico para o Brasil e em particular para o Rio Grande do Sul. Para ilustrar a importância, a Argentina foi a principal origem das importações e o terceiro principal destino das exportações gaúchas no ano passado. Sabemos que as restrições ao mercado de câmbio e, por consequência, dos pagamentos às exportações brasileiras pela Argentina têm relação direta com o problema da escassez de dólares nesse país. A Argentina possui reservas internacionais líquidas de menos de US$ 3 bilhões, segundo dados de fevereiro deste ano. O saldo equivale a cerca de um terço do que o país importa por mês. Neste sentido, há uma forte pressão do setor industrial brasileiro por uma solução. Apoiamos o diálogo entre os dois países e precisamos avançar em um mecanismo financeiro estrutural. Dada a integração das cadeias produtivas, os negócios com a Argentina são muito importantes aos exportadores gaúchos e a atual situação impacta severamente nossas exportações ao país vizinho. Da mesma forma, a Argentina depende de insumos especializados brasileiros que não são fabricados lá. É fundamental, portanto, estabelecer um mecanismo que solucione essas restrições e aumente o comércio, porém dando garantias para o exportador brasileiro.
JC - O Estado é servido por um porto marítimo (Rio Grande), interligado a uma hidrovia de grande porte, além de uma malha viária extensa. Essa infraestrutura atende as necessidades dos exportadores?
Petry - O Porto de Rio Grande é um dos principais complexos portuários do País, de onde saem cerca de 60% de tudo o que o RS exporta. Em 2020, foi concluída a importante dragagem do canal de acesso, dada a relevância do porto para a economia gaúcha. É fundamental que a manutenção do nível do canal seja periódica e regular, bem como que tenhamos investimentos constantes destinados à eficiência e à competitividade do terminal. No que se refere ao escoamento de mercadorias até o porto, bem como o acesso das indústrias aos insumos importados, sabemos que há envolvido um conjunto de fatores que diz respeito aos diferentes modais de transporte. Importante mencionar, nesse sentido, que a matriz logística do Estado é altamente concentrada no modal rodoviário, de modo que 88% do nosso transporte de cargas se dá por estradas - no Brasil, essa média chega a 65%. Em se tratando do acesso ao Porto de Rio Grande, a BR-116 possui função crucial como principal via de ligação entre a Região Metropolitana e o Sul. O atraso das obras de duplicação dessa rodovia, que hoje opera sobrecarregada, constitui um expressivo gargalo logístico que afeta a competitividade. Não menos importantes, as hidrovias gaúchas carecem de balizamento e sinalização noturna no trajeto entre Porto Alegre e Rio Grande, e de dragagem emergencial em pontos críticos na Lagoa dos Patos e nas vias navegáveis de acesso, como o canal do Furadinho no Rio Jacuí e trechos nos rios do Sinos, Gravataí, Caí e Taquari. Além disso, é necessária a instalação de proteção dos pilares das pontes sobre o Guaiba para evitar acidentes com potencial risco de bloquear tanto a hidrovia como a rodovia. A ausência de investimentos acarreta prejuízos consideráveis e riscos às empresas de navegação e às fábricas que dependem do transporte hidroviário para se abastecerem de insumos e escoarem a produção. O desenvolvimento do potencial hidroviário passa urgentemente pela solução desses problemas. Cabe mencionar a necessidade de reforma estrutural de nossas barragens eclusas para a navegação interior. De modo geral, uma maior diversificação e integração entre os modais têm papel fundamental no fomento de nossa competitividade logística.