Com seis gerações consumidoras, formadas por pessoas exigentes e informadas, de múltiplos perfis e necessidades de produtos e serviços, e que transitam entre o físico e o virtual, muitas vezes ao mesmo tempo. Essa descrição de compradores demonstra o tamanho do desafio do varejo. Por outro lado, nunca o lojista teve tantas ferramentas disponíveis, seja de gestão ou para conhecer, atrair e ajudar a fortalecer o relacionamento com seu consumidor.
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O cenário é complexo: consumidores vão dos baby boomers, ainda ativos no mercado, até os emergentes da geração Beta, definidos como nativos da Inteligência Artificial. Essa geração, que começa a surgir agora, já nasce em um contexto em que a IA faz parte do dia a dia. Já os Alfas (ou Gen A, a partir de 2010) não diferenciam o físico do digital, enquanto os Z (nascidos entre 1996 até 2012) são nativos digitais por excelência. Este público intergeracional tem diferentes formas de ver a vida e de consumir. Neste contexto, os mais jovens influenciam os mais velhos. Os da faixa Z e da Alfa influenciam as demais a partir de informações que obtêm mais naturalmente nas redes sociais, por exemplo.
Os nascidos no grupo Z, hoje, detêm grande poder de persuasão e representarão 50% do potencial de consumo até 2027. São jovens que trabalham, muitos inclusive em atividade extra além de CLT, e que têm outra relação de consumo, privilegiando propósito e sustentabilidade.
"A Geração Z quer renda e ter seu próprio negócio, serem líderes de si mesmos. Buscam cada vez mais uma segunda atividade da qual são os donos. Pelo volume e tendência, é com eles que as marcas irão falar, geração Z é tendência", detalha o coordenador estadual de varejo do Sebrae-RS, Fabiano Zortéa.
É preciso considerar a convivência entre diferentes gerações, cada uma com comportamentos de consumo próprios. "O lojista precisa ser efetivo ao atender o público jovem focado no online, mas também manter coerência com a experiência oferecida na loja física", explica o professor Vinícius Brasil, coordenador do Laboratório de Experiências de Consumo (Labex), e um dos responsáveis pela pesquisa O consumidor gaúcho. O professor Brasil alerta para a importância de manter consistência no posicionamento e na linguagem da marca em todos os canais, já que o cliente pode transitar entre eles com facilidade. "Não à toa vemos empresas criando marcas para dialogar com públicos específicos", diz. Um exemplo é a Renner, que lançou a Youcom para se conectar com os jovens.
Com a crescente diversidade geracional entre consumidores e o avanço acelerado da IA, os varejistas enfrentam o desafio de entregar experiências integradas e personalizadas tanto no ambiente físico quanto no digital. Embora a IA já esteja sendo amplamente utilizada no varejo, ainda há baixo conhecimento por parte do consumidor sobre a sua presença, detalha o professor. "É baixo o percentual de quem tem consciência se foi atendido por Inteligência Artificial ou não. A IA já está confundindo as pessoas", afirma o coordenador do Labex. Apesar do crescimento da adoção dessas tecnologias, as avaliações dos consumidores em relação ao atendimento por IA ainda são insatisfatórias, o que representa um desafio para o setor.
Iniciativas como a da startup Mark, parceira do Labex, surgem como soluções tecnológicas para varejistas de menor porte. A empresa oferece uma plataforma que integra todos os processos de venda e gestão, uma alternativa para quem não dispõe de grandes estruturas tecnológicas. "É o robô do empreendedor", resume Brasil. A Mark, inclusive, é o sistema que opera por trás da loja-conceito do Sebrae no shopping Praia de Belas, em Porto Alegre.
A Mark entrega uma estrutura de comércio unificado, conceito que vai além do omnichannel. Permite que as operações física e digital funcionem como um único sistema, oferecendo recursos de e-commerce, controle de estoque, CRM, emissão de notas fiscais e programas de fidelidade. "Hoje, o varejo precisa muito mais do que ter loja física e um site. Precisa de integração total, da frente ao fundo do balcão", destaca Fernanda Fernandes, que está à frente da empresa junto com o sócio Rômulo Raffin.
Plataforma unifica sistemas das operações
/TÂNIA MEINERZ/JC
A solução de Unified Commerce da Mark, que em português é traduzida como comércio unificado, coleta dados reais e automatiza ações, que passam a ser baseadas no comportamento de compra do cliente, permitindo a criação de promoções hiperdirecionadas, por exemplo. Outro diferencial é a nota fiscal integrada, sem precisar usar o sistema TEF, o que reduz custos para o lojista. A plataforma é capaz de mapear o comportamento do consumidor e prever necessidades.
"Se um cliente compra determinada ração a cada 30 dias, a plataforma pode avisar quando está acabando e sugerir uma nova compra", exemplifica a proprietária Fernanda Fernandes.
Por meio de parcerias com a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Pucrs) e com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), a Mark atende marcas em diferentes estágios de desenvolvimento, desde negócios em fase inicial até empresas estruturadas que buscam aumentar produtividade e receita. "Mais do que tecnologia, oferecemos estrutura e inteligência de mercado", comenta Fernanda. Entre os serviços complementares oferecidos pela Mark estão: gestão de assinaturas, programas de fidelidade, clubes de vantagens e funcionalidades, como campanhas de indicações, ideais para negócios como petshops, clínicas, farmácias e lojas de moda, entre outros. O modelo de negócios da empresa é baseado em comissão sobre o faturamento, que varia dependendo do segmento, tíquete médio e volume de vendas. "Não cobramos mensalidade. Ganhamos junto com o lojista", reforça Fernanda.
Couro descartado com design autoral embarca na tendência de personalização
Para o diretor da Panvel, o cliente é omni, ou seja, varia suas compras entre o digital e a loja física, com um comportamento híbrido
/TÂNIA MEINERZ/JCAo transformar materiais descartados em peças de design autoral, a Re,sí ateliê se consolida em um modelo de negócio baseado na sustentabilidade. A marca gaúcha nasceu há cinco anos do desejo de produzir manualmente e de repensar a lógica de consumo na moda — uma das indústrias mais poluentes do mundo.
"Nosso propósito é repensar a forma de produção, principalmente na moda. A sustentabilidade faz parte da minha história e da minha formação. Não tem mais como pensar o mundo de outra forma", afirma a designer e proprietária, Amanda Py.
A Re,sí trabalha com retalhos de couro reaproveitado, o que permite criar peças exclusivas, com design cuidadoso e preços acessíveis. "A gente acredita que todo mundo poderia e deveria ter um produto de design com valor justo", diz. Embora a sustentabilidade seja central, o design é o que mais atrai o público: "Hoje, o motivo da compra é mais o desejo e o design do que a questão sustentável, mas nosso compromisso com isso não muda".
Mesmo que o apelo ambiental seja um fator determinante para a geração Z, hoje o maior público consumidor da marca é formado por mulheres acima de 30 anos. "Acho que a gente atinge por causa da presença digital e também por influencers queridos que usam e postam por conta própria. Assim, acabamos atingindo mais gente do que o nosso público específico, mas não é um produto que o jovem consome mais", revela.
As peças da re,sí são criadas em um modelo de slow fashion, sem estoques, com produção manual sob demanda. Toda a operação — da criação à confecção — acontece no mesmo espaço, onde a loja funciona no térreo e a produção no andar de cima. "O cliente pode subir, ver o couro, escolher. O desenvolvimento nunca é fechado só em mim. Todo mundo participa: equipe e até clientes."
A marca tem dois best-sellers: a pochete Pitanga, presente desde o início, e sua versão maior, a Guaraná. A cada semana chegam novos produtos, mas a lógica é guiada pela matéria-prima disponível no mercado. "Não criamos couro novo, compramos pronto e aproveitamos ao máximo."
A loja física funciona de forma integrada ao atendimento digital feito via Instagram e WhatsApp — também tocado pela equipe. "Temos uma comunicação muito afetiva. Somos muito indicados, é uma pessoa que vira cliente e recomenda para amigo. E entendemos que as pessoas buscam no online o mesmo acolhimento da loja física." O site da marca, que ficou fora do ar após a enchente, será relançado em agosto com novo layout.
Mesmo com pandemia e enchentes, a Re,sí segue crescendo, inclusive no setor corporativo. "A gente perdeu muito, mas isso nos fortaleceu. A gente criou uma conexão com as pessoas que vai além do produto e da venda. Tenho uma comunidade que me incentiva, tanto clientes quanto fornecedores e colegas de trabalho. É isso que nos permitiu seguir mesmo nos momentos mais difíceis", ressalta Amanda.
Na enchente de 2024, a empresa foi atingida diretamente, o que fez a proprietária trocar de endereço, saindo do bairro Floresta e migrando para o bairro São João.
O fortalecimento da marca entre os consumidores fez crescer as vendas da Re,sí, que começou a atingir novos públicos. O canal de vendas corporativas se ampliou.
Este ano, já produziram brindes para Sicredi, Itaú, Banco do Brasil, Hospital Moinhos de Vento, entre outros.
O carro-chefe são os pequenos acessórios feitos com sobras de couro, como marcadores de taça, chaveiros e identificadores, que também acompanham as compras como brindes, reforçando o propósito de gerar o mínimo de resíduos. A personalização é outro diferencial, especialmente em datas como o Dia dos Professores. "Gravamos o nome do cliente ou do presenteado, letra por letra, à mão. É um processo muito querido, que reforça o valor afetivo das peças", diz a empreendedora.
Dicas para consumo consciente, digital e local
Fabiano Zortéa, consultor de varejo do Sebrae-RS, cita as adaptações necessárias
UILLIAN VARGAS/DIVULGAÇÃO/JCQuestões sociais, ambientais e a ascensão de novas gerações vêm transformando profundamente a forma como os brasileiros consomem. O consultor de varejo do Sebrae-RS Fabiano Zortéa observa que o fortalecimento da compra local e o uso híbrido de canais refletem uma mudança de mentalidade influenciada pela crise climática e pelas novas formas de se relacionar com marcas. Segundo ele, "o cuidado com o entorno nunca foi tão importante".
A Geração Z, protagonista na transformação digital do consumo, já nasce com um olhar mais atento à sustentabilidade e valoriza marcas transparentes, especialmente as que estão no bairro. "Eventos climáticos criam um sentimento de comunidade. A cada três dias de chuva entramos em alerta, e as pessoas cuidam umas das outras. Isso se reflete também no consumo", pondera.
Confira as dicas a seguir preparadas por Zortea.
Atender ao desejo por consumo local e sustentável
Há preferência crescente por compras locais pelas gerações mais jovens. Valorizam sustentabilidade, transparência e conexão no bairro. É preciso se adaptar ao consumidor consciente e engajado.
Equilibrar presença física e digital
Consumidores esperam uma experiência fluída entre o ambiente físico e o digital. É necessário manter o mesmo tom de voz, atendimento e disponibilidade em todos os canais. Um bom atendimento presencial não compensa resposta demorada no WhatsApp.
Oferecer conveniência e agilidade
O tempo das pessoas se tornou um recurso valioso. Mais da metade dos consumidores acham que comprar dá mais trabalho do que gostariam. O desafio é tornar a experiência fácil e conveniente.
Acompanhar o comportamento multigeracional
Seis gerações consomem de formas diferentes, mas os mais jovens, como as gerações Z e Alfa, influenciam os mais velhos. O varejo precisa entender essas dinâmicas e adaptar sua oferta.
Falar com a Geração Z, que já tem poder de compra
Estima-se que essa geração será responsável por 50% do consumo até 2027. Eles têm múltiplas fontes de renda, querem empreender e valorizam marcas que dialogam com seus valores.
Especializar-se em nichos
O pequeno varejo, em especial, deve buscar relevância ao se especializar em públicos específicos, em vez de tentar competir com grandes marcas em escala e preço. Pesquisa de mercado direcionada ajuda a entender e servir melhor o nicho escolhido.
Integrar inteligência artificial para facilitar decisões de compra
Aplicações de IA, como resumos de avaliações de clientes, ajudam os consumidores a tomarem decisões com mais rapidez e segurança. Incorporar essas tecnologias é um passo importante para acompanhar as expectativas.
Analisar não só a jornada de compra, mas a jornada de vida
Entender os momentos em que o consumidor tem mais ou menos tempo disponível e como isso influencia sua escolha entre o físico e o digital é fundamental para oferecer soluções adequadas ao estilo de vida atual.
Varejo com alma e sustentabilidade é aposta de empreendedora que se inspirou em Nova York
Fabi Nunes criou uma marca para vender joias de ouro de 18k de segunda mão
Cristiano Andujar/Divulgação/JCCom autenticidade e propósito como pilares, a Brizza Joias nasceu em 2024 da união entre sustentabilidade e sofisticação. Fundada por Fabi Nunes e Leandro Ouriques, a marca surgiu durante uma imersão do Sebrae-RS, quando acessaram o mercado norte--americano de second hand, em português, segunda mão. “Queríamos circularidade e uma proposta de valor real. Um produto amado por alguém pode e deve viver uma nova história”, conta Fabi.
Especializada em joias de ouro 18k second hand, a Brizza tem conquistado espaço em Porto Alegre e Florianópolis, seus principais mercados, com uma proposta de luxo consciente e experiência afetiva. Em março, a marca passou por um rebranding — antes chamada de Brida — e adotou o nome atual, ampliando a estratégia e reforçando o conceito de slow retail (em tradução literal, varejo lento).
As joias são garimpadas por meio de recommerce de clientes, marketplaces de desapego e leilões. “Trabalhamos com autenticidade, buscamos ourives e tecnologias para certificar ouro e pedras. Cada peça tem uma história e carrega um valor simbólico”, explica. A rastreabilidade é prioridade, assim como a transparência na origem das peças. A sustentabilidade vai além do discurso. A cada joia vendida, a marca planta uma árvore na Amazônia, em parceria com a Quimea Brasil. E o impacto é mensurável: uma única peça reaproveitada economiza 6 mil litros de água e evita a emissão de 40 kg de CO2.Estes são os indicadores para produzir uma nova joia.
Sem loja física tradicional, a Brizza aposta no social commerce. As vendas ocorrem no Instagram, WhatsApp e, mais recentemente, TikTok- aberto em maio e que é uma tendência como canal de vendas. “Queremos um atendimento customizado, direto e afetivo. Usamos IA para criar descrições de produtos, automatizar atendimentos e planejar o futuro da marca”, explica Fabi. Foi criado um agente em IA para Brizza, um mentor interno, um chatbot treinado com linguagem personalizada que atende os clientes sem que percebam que é uma inteligência artificial. A experiência é o centro da estratégia. As joias acompanham aromas personalizados, playlists com a música favorita do cliente e carta da marca, criando momentos de pausa e conexão.
“Queremos que cada compra seja uma experiência sensorial e emocional. É sobre valorizar a a autenticidade ea beleza da mulher”, destaca Fabi. A atuação da Brizza se inspira em benchmarks como The Real Real(brechó de luxo norte-americano),além de lições extraídas nas imersões internacionais com o Sebrae durante a NRF Retail’s Big Show, promovida pela National Retail Federation, maior associação de varejo do mundo.
Lá, Fabi trouxe ensinamentos de Lee Peterson e Kevin Arvir. “Entendemos que o varejo não acabou, mas sim o varejo sem alma, sem conexão emocional e sem propósito.” Segundo relatório da GlobalData para a especialista em revendas ThredUp, as vendas globais de roupas usadas aumentaram 18% no ano passado, para US$ 197 bilhões, e a previsão é de que cheguem a US$ 350 bilhões em 2028.“É um setor em ascensão que une propósito, economia e inovação. E nós queremos fazer parte disso, criando uma marca que não apenas vende, mas transforma a relação das pessoas com o consumo”, afirma Fabi.