Porto Alegre,

Anuncie no JC
Assine agora

Publicada em 13 de Julho de 2023 às 22:11

O futuro não é mais como era antigamente no comércio: o que mudou?

Apesar dos constantes fechamentos de varejistas, inclusive no RS, especialista diz que é engano achar que se vive um momento de crise: "os fatores que determinam as dificuldades de cada empresa não são os mesmos"

Apesar dos constantes fechamentos de varejistas, inclusive no RS, especialista diz que é engano achar que se vive um momento de crise: "os fatores que determinam as dificuldades de cada empresa não são os mesmos"

/PATRÍCIA COMUNELLO/ESPECIAL/JC
Compartilhe:
JC
JC
Roberta Fofonka, especial para o JC
Roberta Fofonka, especial para o JC
O varejo começou o ano em alta no Rio Grande do Sul. Após quatro meses de recuos em 2022, o volume de vendas do comércio gaúcho avançou 5,8% em janeiro, acima da média nacional. Até agora, o Estado registra um crescimento de 7,3% no acumulado do ano, conforme os dados computados até abril, na versão mais recente da Pesquisa Mensal do Comércio (PMC), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O desempenho da receita nominal de vendas segue superior à média do País, indicada em 6,9%. Em comparação aos últimos 12 meses, o acréscimo das vendas no Rio Grande do Sul é de 13,8%.

• FIQUE SABENDO: Esta reportagem integra o caderno Dia do Comércio. Acesse na íntegra aqui

Entretanto, vale lembrar que 2023 começou com notícias inesperadas para o varejo brasileiro. O anúncio do "fato relevante", em janeiro, que trouxe à tona as inconsistências contábeis nas lojas Americanas, uma das maiores varejistas do País, afetou o ânimo do mercado e dos bancos. O primeiro semestre transcorreu com fechamentos - menos sérios, mas significativos - de lojas de outras redes varejistas tradicionais, como Renner (Lojas Renner, Camicado e Forever21), Tok&Stok, Centauro e Marisa. A Amaro, que nasceu em 2012 com DNA digital, entrou em recuperação extrajudicial também no primeiro semestre.
É engano chamar este momento de "crise", no entanto, explica o professor da Escola de Negócios da Pucrs, Vinícius Sittoni Brasil. Tais acontecimentos assustam, mas não espelham a realidade do varejo brasileiro - uma vez que os fatores que determinam as dificuldades de cada empresa não são os mesmos. "E, em muitos casos, tampouco representam dificuldades recentes", pondera.
No caso dos fechamentos de lojas em grandes redes, ele diz que isso faz parte de um processo normal de avaliação de performance, em que pontos de venda com menor rentabilidade tendem a ser repensados. "Você fecha uma loja em um bairro ou cidade, mas abre outra em um novo ponto com maior potencial", esmiúça.
Como é o caso da Renner e Centauro que, mesmo encerrando operações, anunciaram aberturas previstas para o segundo semestre.
Para o especialista, estas medidas ainda são um rescaldo da pandemia. "Os impactos da pandemia puderam ser melhor compreendidos recentemente", pondera. "Alguns setores tiveram um crescimento bastante relevante na pandemia, como utilidades domésticas, itens de decoração e casa, suporte de escritório e homeoffice. Talvez um erro de cálculo possa ter causado excessos de estoque, por exemplo, casos como da Tok&Stok e Camicado", supõe.
Além disso, dada sua natureza de "estágio final" da cadeia produtiva, o varejo está vulnerável às oscilações do mercado. Em nível macroeconômico, ainda que timidamente, os números começam a dar sinais de mudança.
O Banco Central sinalizou, no fim de junho, que embora não haja corte ousado na taxa básica de juros (em alta, a 13,75%), há margem para o início de um afrouxamento da Selic, aguardado para a próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), em agosto.
Segundo a ata publicada pelo BC, caso a inflação continue em queda, abre espaço para diminuição na taxa básica de juros - a redução é especulada em 0,25% no próximo mês. Baseado nisso, o Boletim Focus projeta que até o encerramento de 2023, a taxa Selic chegue a 12,25%. Quanto à inflação, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) era de 11,89% no acumulado dos últimos 12 meses e, ao final de junho deste ano, somava 3,16%, considerando o mesmo período. O que deixa o varejo minimamente otimista.
"Em termos de sinalização, eu utilizaria a palavra cautela. O que não significa conservadorismo e medo, mas tomar decisões ponderadas, compreendendo esse cenário", justifica Sittoni Brasil.
Otelmo Drebes, CEO das lojas Lebes, concorda. Recentemente, a Lebes decidiu esperar para abrir novas lojas, no intuito de dar-se tempo para ler as mudanças do cenário macroeconômico, após a mudança de governo. "Não cancelamos os investimentos, aberturas ou expansão. Mas vamos esperar um pouco. Em 67 anos de empresa, podemos esperar alguns meses. Não temos urgência de fazer algo sem segurança", aponta o gestor.
Às pequenas empresas do varejo, enquanto a política econômica se desenrola, o CEO da Lebes recomenda que trabalhem para melhorar o que já têm - produtividade, quadro de funcionários, estoque, engajamento - sem aquisições ou investimentos exagerados. Fazer bem o básico, inclusive, foi uma das tendências apontadas nas discussões da National Retail Federation Big Show (NRF) 2023, ocorrida no início do ano.
Um jeito de atravessar o ano, portanto, é garantir a eficiência operacional, otimizar a experiência na loja física, melhorar atendimento e, por fim, cuidar das pessoas. Em outras palavras, o varejista deve priorizar o feijão com arroz.
"A loja física é e continuará relevante como ponto de venda, mas sobretudo como espaço de experiência com marcas e produtos", alerta o professor da Pucrs. "Ao final do dia, o que vai decidir os resultados é o básico: comprar bem, gerir bem o estoque, ter o estoque ajustado ao perfil do consumidor, para ter capital de giro. Termos basilares de gestão de loja", emenda.
A NRF também destacou a jornada do colaborador como tendência para o comércio. Sittoni Brasil afirma que esta é uma das principais ferramentas para pensar a criação de elos mais fortes em torno do negócio. "O varejista deve se comprometer em fornecer os recursos necessários para ajudar seu colaborador a ajudar seu cliente, formando um sentido de comunidade", aprofunda.
 

O novo papel da loja física em meio às compras online Experiência figital é pautada pela fluidez na omnicanalidade

Otelmo Drebes, da Lebes, conta que os clientes de sua marca podem comprar um produto em uma cidade, mas retirar em outra

Otelmo Drebes, da Lebes, conta que os clientes de sua marca podem comprar um produto em uma cidade, mas retirar em outra

/Lebes/Divulgação/JC
Transformar o espaço de loja em uma espécie de “hub” de conexões entre consumidores, marcas e produtos é uma mudança de paradigma, também bastante citada nas discussões da última NRF.
Não é novidade que a pandemia fez os consumidores migrarem para o ambiente digital para fazer compras. De lá para cá, no entanto, o valor das transações diminuiu. Em 2022, mesmo com faturamento histórico de R$ 262,7 bilhões no Brasil, as vendas online foram impulsionadas por um menor ticket médio, segundo a pesquisa WebShoppers, realizada pela Ebit/Nielsen - que analisa a atitude dos consumidores na internet desde 2001.
Exceto na compra de eletrônicos, o ticket nas principais categorias de consumo ficou entre R$ 391,00 e R$ 82,00 no ano passado. Considerando o ticket médio das cinco principais categorias do estudo (eletrônicos, casa e decoração, saúde, perfumaria e cosméticos e alimentos e bebidas), o valor que era de R$720,00 em 2021, passou a ser R$ 259,00 em 2022, uma variação de -64%.
O que equilibra a balança é o fato de mais gente ter aderido à modalidade, com um aumento de 24% novos compradores com relação ao ano anterior. Se antigamente o varejo físico e digital competiam entre si, em 2023 o mercado entendeu de vez que estas modalidades se complementam - e são um imperativo para continuar a crescer. “Misturar a compra online com a física é um novo hábito do consumidor. Hoje, a jornada do cliente começa antes mesmo de pisar numa loja física”, afirma Roberto Coimbra, diretor de operações da rede de farmácias Panvel.
Unir estas duas pontas em uma experiência fluida se refere à capacidade das empresas de executar a omnicanalidade, isto é, unificar a experiência de compra independentemente do canal. É através da omnicanalidade que a loja se transforma em ponto de encontro. “O desafio do varejo é integrar o consumidor em todas as plataformas de relacionamento, sem que a tecnologia se torne protagonista — ela precisa ser invisível em todo o processo. A loja física deve ser entendida como o hub destes canais”, salienta Sittoni Brasil.
Contudo, mesmo que a marca seja uma só, cada canal tem o seu diferencial. Ainda segundo a pesquisa Webshoppers, as principais motivações de compra online são o frete grátis (61%), promoções (57%) e praticidade (48%). Enquanto que no varejo físico, o que dita é a experiência de compra.
Conforme a pesquisa Tendências do Varejo 2023, realizada pela Opinion Box e Dito, os principais motivos dos consumidores para comprar em lojas físicas são poder ver, tocar e experimentar o produto (71%), sair com o produto na hora, em mãos (71%), ter acesso a produtos que não encontra na internet (25%) e ser atendido por uma pessoa real (24%). Por isso, os momentos vividos dentro das lojas são tão importantes - e o ruído nessa jornada incomoda tanto. “Percebemos que os clientes têm, cada vez mais, uma jornada de compra híbrida. Ao mesmo tempo que buscam a agilidade e a praticidade do online, apreciam a curadoria, a jornada sensorial, e a relação social da compra física, uma experiência que o ambiente virtual não oferece”, observa Nailê Santos, gerente-geral do Shopping Iguatemi Porto Alegre.
Na Lebes, a omnicanalidade é feita a partir da integração entre as lojas e a experiência digital. A compra pode ser feita pelo site ou pelo whatsapp com algum vendedor, e retirada em qualquer uma das 350 unidades, por exemplo. Além dos meios de pagamento digitais, “é possível comprar na loja de Santo Antônio da Patrulha, retirar o produto em Osório e, estando na praia, pagar a prestação em Imbé”, exemplifica o CEO Otelmo Drebes.
Na farmacêutica Panvel, o serviço por telefone Alô Panvel existe há 30 anos, e hoje está totalmente integrado na estratégia multicanais da rede. Antes da pandemia, 10% das vendas eram feitas de modo não presencial. No auge do isolamento social, as transações fora das lojas representaram 20% do faturamento. Com a estrutura digital mais madura, no primeiro trimestre deste ano, as compras nos canais online da Panvel alcançaram 17,9% da receita bruta total - maior nível desde a adoção deste tipo de operação, que engloba site, aplicativo e a opção “clique e retire”.
Num país onde farmácias não faltam - há cerca de 90 mil - o diferencial do varejista, segundo Coimbra, é buscar ser impecável na loja física. Manter o ponto de venda organizado e ter um mix com proposta clara. No caso da Panvel, voltado para as categorias de saúde e bem estar. “Se a loja estiver mal cuidada, com atendimento fraco e experiência ruim, ela fecha uma porta. A experiência dentro da loja tem que ser de alto impacto positivo, uma abordagem calorosa”, afirma.
O que também se transmite através do mix de produtos. No Pontal, shopping à beira da orla do Guaíba, na Zona Sul de Porto Alegre, o mix vem sendo adaptado conforme as preferências percebidas no comportamento do consumidor. Inaugurado em abril, o shopping tem feito abertura gradual das lojas. “No Pontal faz sentido ter uma loja de bikes”, exemplifica Mario Almeida, coordenador de administração da AD, gestora do empreendimento.
“Quando a futurologia diz que o varejo físico vai acabar, isso irá acontecer com aquele que não se modernizou, que oferece uma experiência difícil, penosa”, sustenta Coimbra, da Panvel.

Com pulverização de opções, o maior desafio é a fidelização

Varejo enfrenta desafio da concorrência com players chineses, 
como a Shein

Varejo enfrenta desafio da concorrência com players chineses, como a Shein

Giovana Pignat/Freepik/Reprodução/JC
Com tantos canais disponíveis para pesquisa e compra de produtos, o varejo enfrenta dois desafios importantes: trazer as pessoas para viverem experiências dentro das lojas físicas, e retornarem a comprar ali. Despertar este desejo esbarra também na oferta dos preços discrepantes oferecidos por players chineses, como Shein, Shopee, AliExpress e Wish.
Em junho, o Comitê Nacional de Secretários de Fazenda dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz) definiu, por unanimidade, a adoção de uma alíquota comum de 17% de Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para as compras feitas nessas plataformas, como uma maneira de nivelar a concorrência com as varejistas brasileiras. Hoje, essa cobrança é de 60% e só é cobrada quando um produto é taxado pela Receita Federal.
O modelo, chamado de Remessa Conforme, não obriga as empresas a aderir, mas irá liberar mais rápido os produtos daquelas que adotarem as regras. Isso aconteceu após o governo voltar atrás no plano impopular de taxar o consumidor em US$ 50,00 em cada compra. Em nota, a Shein comunicou o Ministério da Fazenda que irá aderir ao plano e que também se comprometeria a nacionalizar 85% das suas vendas nos próximos quatro anos.
"Se eu for tentar competir no vestuário com as empresas chinesas, a tendência é ter bastante dificuldade. Mas posso dizer que eles também têm dificuldade de fazer o que sei fazer bem e faço há muito tempo. Não podemos desprezar esse mercado, mas enxergar nossos diferenciais. Nossa empresa procura chegar perto do consumidor, lá no interior, entregar os produtos com horário marcado. Coisas que a empresa chinesa não consegue fazer", ressalta Otelmo Drebes.
Grandes players como Panvel e Iguatemi, têm a praticidade como um dos principais pilares da experiência na loja física. "Percebemos um consumidor que quer cada vez mais aproveitar o seu tempo, que busca a praticidade, de um local onde possa resolver muitas coisas ao mesmo tempo, resolver a vida, como costumo dizer", diz a gerente-geral do Shopping Iguatemi Porto Alegre, Nailê Santos.
Além das compras, é possível fazer academia, um exame médico, uma reunião de negócios ou de lazer, programas para pais e filhos, cinema, jantar, procedimentos estéticos, massagem, etc. "Temos até uma oficina mecânica", fundamenta. No ParkShopping Canoas, na Região Metropolitana, os atrativos contemplam até pista de patinação artificial.
Nos shopping centers, o consumo é uma consequência de uma boa experiência de compra, que une lazer, entretenimento, cultura e gastronomia. "O Pontal já nasce enquanto expressão dessa mudança de comportamento", afirma Mario Almeida, coordenador de administração da AD, gestora há 10 anos do Shopping Pelotas, há cinco do Passo Fundo Shopping, e do Pontal, lançado em abril em Porto Alegre.
No interior é um pouco diferente. O shopping center acaba sendo um centro regional que atende públicos das cidades menores ao redor. "Se o cliente está num shopping do interior, em uma cidade como Passo Fundo e Chapecó, ele quer modernidade, ar-condicionado, quer ver produtos que não tem na cidade dele", exemplifica Almeida.
Para gerar fidelização e retorno às lojas, o ParkShopping Canoas, gerido pela Multiplan, aposta em um programa de relacionamento, via aplicativo. A partir de pontos computados no cadastro de notas fiscais, o cliente ganha brindes das lojas do próprio shopping e deve ir até lá buscá-los. "Nossas linhas de tomadas de decisão são essas: primeiro a proximidade, então o mix, os eventos e a experiência sem atrito, e o cuidado com espaço físico", expõe Luis Vilarinho, gerente de Operações no ParkShopping Canoas.
Gosto herdado da mãe, Rita Fontana sempre costurou roupas para si e para as filhas. Um pouco antes da pandemia, sonhava em abrir uma loja com suas criações. A ideia se materializou em março de 2022, na galeria Florêncio Ygartua, no bairro Moinhos de Vento, em Porto Alegre. Desde então, passou a viver a realidade do varejo com a loja Rita Fontana Atelier.
O movimento do ponto de venda, focado em roupas femininas, é formado pelos transeuntes do bairro e proximidades do hospital Moinhos de Vento, da avenida 24 de Outubro, do Parcão. Por isso, ela aposta no relacionamento para criar sua clientela.
"Na sala anexa à loja, temos cafezinho, mesa para receber as pessoas e bater um papo", conta. Ela relata que, no entorno, já viu lojas abrirem e fecharem neste meio tempo.
Por ser uma operação pequena, consegue dar atenção às clientes de forma personalizada. "Às vezes, as pessoas, inclusive, precisam disso, de um lugar para serem acolhidas e conversar." Com as portas recém-abertas na calçada, ela espera atingir o ponto de equilíbrio do negócio em dois anos.
"Não sinto que as pessoas estão com medo, sinto que estão se mexendo. Há crises e elas são cíclicas. Percebemos aumento da procura de lojistas, tanto aqui quanto no interior", elucida Almeida, da AD. "O varejo é isso, é pulsante. É onde as pessoas estão", arremata.
 

Notícias relacionadas