A decisão do grupo francês Carrefour de apoiar os agricultores locais - que são contra um acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia (UE) -, deixando de comprar carne oriunda do bloco sul-americano, reverberou deste lado do Atlântico.
Ao abraçar o discurso contra a carne do Brasil, o Carrefour fragilizou seu negócio por aqui e expôs o mercado europeu a riscos de desabastecimento, já que a produção local não supre a demanda interna. A medida não se estende às lojas brasileiras, mas como forma de protesto, o setor nacional de proteína animal se uniu e decidiu não fornecer mais carne à rede - situação já normalizada.
O boicote à carne do Brasil não foi visto apenas como um apoio ao agro francês, mas como uma contestação à agricultura brasileira e à falta de sustentabilidade da produção, que, na visão francesa, não está de acordo com as regras ambientais.
As negociações para um acordo entre os dois blocos tiveram início em 1999, mas foi somente em 2019, após 20 anos, que o pacto Mercosul-UE foi aprovado. As tratativas para, finalmente, colocá-lo em vigor ainda seguem, com expectativas de que a viabilidade seja anunciada até o fim do ano.
Na Europa, Alemanha, Portugal e Espanha são apoiadores manifestos do pacto. A França, contudo, lidera a resistência. Uma posição que une a esquerda à direita e é espelhada pelos agricultores, que temem que, com o acordo, os produtos sul-americanos fiquem mais baratos que os europeus.
A visão protecionista do Carrefour coloca em risco a estabilidade de um mercado global interdependente. Em 2023, o Brasil respondeu por 27% das importações de carne bovina da UE fora do bloco, enquanto o Mercosul, somado, alcançou mais de 55%. Uma parceria de décadas, que, claramente, vinha, até aqui, atendendo aos padrões europeus.
É preciso frisar que o Brasil é, hoje, líder global em exportação de carne bovina, com o maior rebanho comercial do mundo, produção sustentável e rigorosos controles sanitários. Nos últimos 30 anos, a pecuária brasileira aumentou sua produtividade em 172%, reduzindo a área de pastagem em 16%, demonstrando compromisso com eficiência e sustentabilidade.
Caso aprovado, o acordo UE-Mercosul criaria a maior zona de livre comércio do mundo ao estabelecer um mercado comum de 780 milhões de pessoas e um fluxo de até R$ 274 bilhões em produtos manufaturados e agrícolas. Menos mal que a França, sozinha, não é capaz de barrar o acordo, uma vez que a Comissão Europeia tem mandato para negociar por todas as nações do bloco.