A aprovação unânime no Senado do projeto que amplia a faixa de isenção do Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil mensais, na noite de quarta-feira (5), é vista com otimismo pelo comércio e com cautela pelos economistas. A medida, que agora segue para sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), deverá beneficiar cerca de 10 milhões de contribuintes a partir de 2026, segundo estimativas do governo federal.
Para o presidente do Conselho Regional de Economia do Rio Grande do Sul (Corecon-RS), Rodrigo Salvato de Assis, a ampliação da faixa de isenção tende a impulsionar o consumo e dar fôlego ao varejo, mas gera apreensão quanto ao equilíbrio fiscal do País. “Essa medida injeta uma folga financeira extra na renda das famílias nessa faixa, com estimativa de que 40% a 60% desse montante circule diretamente pelo comércio. O varejo, portanto, ganha fôlego imediato. No entanto, o custo para as contas públicas é inegável, demandando compensações robustas para evitar desequilíbrios”, avalia.
Atualmente, a isenção vale para quem ganha até R$ 2.824 por mês. Com a nova regra, o governo deixará de arrecadar cerca de R$ 27 bilhões anuais. A proposta prevê compensar parte dessa perda com aumento da tributação sobre os chamados “super ricos” — pessoas físicas com rendimentos anuais acima de R$ 1,2 milhão, que passarão a pagar 10% de IR. No entanto, a estimativa é de que essa nova cobrança gere cerca de R$ 15 bilhões por ano. “Ou seja, a conta não fecha. Há uma diferença de mais de R$ 10 bilhões, e isso preocupa os economistas. O Brasil já vive um cenário de aumento contínuo da dívida pública”, alerta o presidente do Corecon-RS.
Assis destaca ainda que a isenção pode trazer efeitos colaterais sobre a inflação. Com mais renda disponível, o consumo tende a crescer, o que pode pressionar os preços. “O Banco Central está com o pé no freio, mantendo uma Selic alta para conter a inflação, enquanto o governo, na política fiscal, pisa no acelerador. Essa falta de sintonia é perigosa e prejudica a coordenação da política econômica”, observa.
Outro ponto de atenção, segundo o economista, é a sustentabilidade da política fiscal. Ele lembra que o governo tem sinalizado com a possibilidade de elevar a taxação sobre dividendos para compensar parte da renúncia gerada pela nova isenção — tema que deverá entrar em pauta no próximo ano. “Essa alternativa pode ajudar a equilibrar as contas, mas também tem efeito sobre o investimento produtivo, já que ao tributar dividendos se reduz o incentivo ao investimento. O desafio é equilibrar a justiça tributária sem desestimular a economia real”, pondera.
Para as famílias de menor renda, a mudança representa alívio. “A ampliação da isenção traz um respiro importante para quem tem dívidas e vive um cenário de endividamento crescente, especialmente no Rio Grande do Sul. O ideal é que esse aumento na renda seja usado com planejamento, para quitar dívidas e reorganizar o orçamento doméstico”, orienta o economista.
Assis, que também é economista-chefe do Sindilojas Porto Alegre, recomenda cautela aos consumidores. “Com mais renda disponível, a tendência é gastar mais. Por isso, é fundamental planejar as despesas, priorizar o pagamento de dívidas e aproveitar o início do ano para reorganizar as finanças. Os juros seguem muito altos, e cada decisão de consumo deve ser pensada com cuidado”, aconselha.
Apesar das incertezas fiscais, o setor varejista deve sentir os primeiros efeitos positivos da medida ainda em 2026. “O comércio enxerga essa mudança com bons olhos, porque aumenta a renda disponível e estimula o consumo. Mas, para a economia como um todo, é essencial que o governo mantenha a responsabilidade fiscal. Sem isso, qualquer ganho de curto prazo pode se transformar em desequilíbrio a médio e longo prazos”, reforça o presidente do Corecon-RS.
Assis também lembrou a necessidade de atualização periódica da tabela do IR, que não era revisada desde 2015. “A economia mudou muito nesse período, e é natural que a tabela seja atualizada. O importante é garantir que ela continue sendo progressiva. Quem ganha mais, paga mais e que isso ocorra de forma planejada e sustentável”, conclui.
Tabela: Como ficará o Imposto de Renda a partir de 2026
Isentos: contribuintes com renda mensal de até R$ 5 mil.
Alíquotas reduzidas: rendas entre R$ 5 mil e R$ 7.350 terão descontos progressivos.
Tributação normal: rendimentos acima de R$ 7.350 permanecem com alíquotas de até 27,5%.
Super ricos: rendas entre R$ 600 mil e R$ 1,2 milhão anuais terão alíquota variável de 0% a 10%; acima de R$ 1,2 milhão, a alíquota será de 10%.