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Publicada em 05 de Novembro de 2025 às 18:37

Concessionárias terão dificuldade para atender à nova norma da Aneel

Ocorrência de tempestades e vendavais tem se tornado cada vez mais frequente

Ocorrência de tempestades e vendavais tem se tornado cada vez mais frequente

Aneel/RGE/Divulgação/JC
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Jefferson Klein
Jefferson Klein Repórter
Recentemente, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) aprovou novas regras quanto ao atendimento das distribuidoras e transmissoras de energia elétrica aos seus clientes em casos de situações de emergência. O total do pacote de medidas que constam na Resolução Normativa nº 1.137/2025 deve entrar em vigor antes do fim do primeiro semestre do próximo ano, mas a perspectiva é que as empresas do setor elétrico, principalmente as gaúchas que vêm sofrendo com constantes desastres climáticos, tenham dificuldade de atender às exigências.
Recentemente, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) aprovou novas regras quanto ao atendimento das distribuidoras e transmissoras de energia elétrica aos seus clientes em casos de situações de emergência. O total do pacote de medidas que constam na Resolução Normativa nº 1.137/2025 deve entrar em vigor antes do fim do primeiro semestre do próximo ano, mas a perspectiva é que as empresas do setor elétrico, principalmente as gaúchas que vêm sofrendo com constantes desastres climáticos, tenham dificuldade de atender às exigências.
Entre as determinações está a compensação financeira dos usuários quando a interrupção da energia passar de 24 horas na área urbana e 48 horas na rural. Além disso, as concessionárias terão que alimentar um site atualizado a cada 30 minutos com a lista das ocorrências abertas, o número de consumidores atingidos por interrupções e um mapa dos pontos impactados. 
O sócio do escritório de advocacia TozziniFreire na área de Contencioso, Vinícius de Oliveira Berni, adianta que para satisfazer essas demandas as companhias precisarão fazer aportes em suas operações. Ele ressalta que esses investimentos devem ser prudentes para não onerar em demasia a conta de luz para o consumidor final, mas também não podem afetar o equilíbrio econômico-financeiro da concessionária.
Conforme Berni, já existia regulações que versavam sobre o restabelecimento de energia em eventos climáticos, porém não havia métricas tão objetivas. “Sempre é bom debater sobre o tema. Avançar sobre as questões regulatórias é obviamente saudável, mas isso tem que ser feito com equilíbrio para não errar a dose do remédio”, sustenta.
Um detalhe que para o advogado precisa ser tratado com parcimônia é o manejo da vegetação. Ele comenta que a nova legislação impõe uma série de obrigações para as concessionárias, que de um modo geral são de competência do poder público. “A resolução vem em uma linha de criar um protagonismo para as concessionárias, que se não for com equilíbrio pode propiciar alguns exageros”, alerta o sócio do escritório de advocacia TozziniFreire.
Ele lembra que a resolução vale para todo o Brasil, contudo há enormes diferenças entre as concessões de fornecimento de energia, dependendo de cada estado. Berni afirma que levantamento preliminar feito pela Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee) estimou que, se o novo regramento estivesse em vigor durante as enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul em 2024, as concessionárias gaúchas teriam que devolver aos consumidores algo em torno de R$ 400 milhões. “E era algo que elas não teriam responsabilidade. Era impossível que elas tivessem restabelecido a energia naquela situação”, diz o advogado.
Além disso, Berni cita que outra simulação feita pela Abradee aponta que, de todo o Brasil, considerando os eventos climáticos de 2023 e 2024, se a resolução estivesse em vigor, 55% das devoluções viriam das concessionárias da Região Sul. “O Rio Grande do Sul, certamente, é o estado mais atingido com essas mudanças climáticas”, assinala.
Já a sócia do escritório de advocacia TozziniFreire na área de Infraestrutura e Energia, Ligia Pereira Schlittler, considera que se por um lado a resolução 1.137/2025 pode ser vista com bons olhos no sentido de atender à preocupação da população, estabelecendo prazos e agilidade para a volta do fornecimento de energia, por outro é preciso analisar a capacidade, de fato, das medidas serem tomadas.
“O olhar do regulador para a população é bem-vindo, o que não pode é ser somente às custas de um ou outro ator do setor, sobretudo porque há a necessidade de uma atuação conjunta”, reforça Ligia. Ela acrescenta que é inerente às mudanças climáticas a incerteza, não somente sobre a ocorrência e os efeitos, mas a perspectiva é que os eventos sejam cada vez mais drásticos.

Subjetividade é inerente à legislação do setor elétrico

Em muitas ocasiões em que há problemas no fornecimento de energia por fenômenos climáticos, as concessionárias alegam força maior para justificar a descontinuidade do fornecimento de energia e atenuar possíveis penalidades. A advogada da DGG Advocacia e Consultoria Jurídica e integrante da Comissão de Energia da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio Grande do Sul (OAB/RS), Daniela Giacobbo, detalha que essa é uma hipótese que consta no Código Civil. “Então, como uma resolução, que é algo infralegal, vai impor essa obrigação quando pelo Código Civil pode ser invocada a força maior?”, indaga Daniela.
Ela recorda que esse foi o caso ocorrido nas enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul no ano passado. Daniela frisa que o órgão regulador salienta a necessidade de a rede elétrica ser resiliente para enfrentar os impactos desses fenômenos naturais e se recompor. “E dentro do contexto de projeções de cenários climáticos, esses procedimentos da resolução 1.137 são bem pesados”, aponta.
A advogada chama a atenção para a dificuldade que será para as distribuidoras que terão, ao mesmo tempo, que tentar restabelecer linhas e postes caídos, enquanto prestam informações atualizadas para os seus clientes no decorrer dos acontecimentos climáticos, que são muito dinâmicos. Porém, ela lembra que alguns pontos determinados pela resolução já constavam em outras normas do setor elétrico.
“Algumas coisas foram somente deixadas mais evidentes”, comenta Daniela. A advogada enfatiza que não há como deixar em segundo plano a questão climática dentro do planejamento do setor elétrico. Ela comenta que, após a publicação da resolução da Aneel, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) também lançou um estudo sobre os impactos das mudanças climáticas no segmento de energia.
De acordo com o levantamento, planejar a expansão e a operação do sistema elétrico brasileiro sem levar em conta os efeitos das mudanças climáticas pode resultar em uma operação mais cara e com maior risco de desabastecimento. Baseado em projeções climáticas de alta resolução e simulações avançadas de operação e expansão do Sistema Interligado Nacional (SIN), o trabalho revela que, ao considerar diferentes cenários de mudanças climáticas ao planejamento, há a possibilidade de redução dos custos de operação em até 13%, o que representaria um efeito médio de 7% nas tarifas de energia.

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