Na política externa, Jung aponta um alinhamento quase automático de Buenos Aires a Washington. Em fóruns internacionais, a Argentina tem votado em sintonia com os Estados Unidos, o que se reforça com o apoio financeiro anunciado após as eleições. "O país busca retorno econômico por meio dessa aproximação política, ainda que isso limite sua autonomia", diz. Em relação ao Brasil, o professor ressalta que, mesmo com divergências ideológicas, os dois países mantêm uma relação de interdependência inevitável. "Brasil e Argentina não são uma escolha; são uma condição um do outro. Por mais que haja desencontros políticos, há vínculos sociais e econômicos que obrigam a cooperação."
Essa interdependência se reflete no comércio bilateral. Apesar das turbulências políticas e cambiais, o fluxo comercial entre os dois países aumentou no último ano: as exportações brasileiras para a Argentina cresceram 43%, e as importações, 2,4%, resultando em superávit próximo de US$ 3 bilhões para o Brasil. O desempenho contrasta com a queda nas trocas com os Estados Unidos - impulsionadas pelo tarifaço -, o que, segundo Jung, reforça o papel da Argentina como válvula de escape para a indústria brasileira.
No curto prazo, o cenário tende a ser favorável ao Brasil. A alternativa, lembra André Cunha, seria uma nova crise cambial argentina, que afetaria diretamente exportações e cadeias industriais. Setores como o automotivo e o de bens de consumo, fortemente integrados entre os dois países, ganham algum fôlego com a estabilização momentânea. O turismo também se beneficia: o peso valorizado estimula viagens de argentinos ao litoral brasileiro, especialmente no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina.
O futuro, contudo, segue incerto. A sustentabilidade das reformas dependerá da entrada contínua de dólares e do humor dos investidores externos. "Enquanto os mercados estiverem eufóricos, ganha-se tempo", resume Cunha. "Mas, se faltar confiança, o quadro pode se reverter rapidamente, pois há fundamentos econômicos pouco sólidos".
Para Jung, a tendência é de redução da instabilidade política, ao menos no curto prazo. "Com a nova configuração legislativa, o governo passa a ter maior blindagem, mas ainda precisará negociar. A oposição peronista permanece forte, embora fragmentada", avalia. "Há espaço para uma trégua relativa, e isso pode ser positivo para toda a região".
Ambos os especialistas convergem em um ponto: a sobrevivência do Mercosul depende da cooperação entre Brasília e Buenos Aires. Mesmo que Milei volte a ameaçar o bloco, uma ruptura é vista como improvável. "O Mercosul não existe sem a Argentina nem sem o Brasil", afirma Jung. "Seria um suicídio econômico. Por mais que o discurso liberal se aproxime de uma lógica de mercado comum, não há incentivo real para o país sair", finaliza.
A vitória nas urnas, portanto, devolveu a Milei uma sobrevida política. Se conseguir moderar o ritmo do desmonte social e entregar resultados econômicos minimamente estáveis, o presidente pode chegar ao fim do mandato com chances reais de reeleição. Se repetir o padrão histórico argentino de ciclos curtos de euforia e colapso, no entanto, o país voltará ao ponto de partida - e o Brasil, mais uma vez, sentirá os efeitos desse movimento pendular que, há décadas, dita o compasso da economia do Cone Sul.