O que começa como um momento de lazer e descontração, não precisa de muito para se tornar vício. Assim como a dependência química com entorpecentes, o fenômeno das bets assola uma parcela significativa da população ao movimentar bilhões de reais anualmente e culminar no endividamento daqueles que não sabem a hora de parar. Esse foi o tom adotado no Menu POA desta terça-feira (21), “Vamos falar sobre Bets?”, promovido pela Associação Comercial de Porto Alegre (ACPA) e mediado pelo Sócio fundador da Nassif Advocacia de Soluções, Samir Nassif.
O psiquiatra e diretor da Villa Janus, Carlos Salgado, é quem explica que o tratamento dessas pessoas segue os mesmos passos dos dependentes químicos. “Há descontrole na atitude do jogar, como haveria diante do tabaco, da cocaína, do álcool. Inclusive grupos de auto-ajuda seguem o modelo dos 12 passos, que é uma tradição de alcoólicos anônimos”, relata.
Ele também relaciona esse crescimento exponencial à cultura brasileira. Cassinos e o jogo do bicho foram muito popularizados antes da proibição, e hoje os sites de apostas esportivas despontam como uma nova febre, principalmente entre os jovens. Salgado trouxe dados da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) de 2023 para apontar que cerca de 32% da população aderiu às bets naquele ano, atrás apenas das lotéricas, que tiveram 72% de adesão.
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Como atitude para combater esse avanço e reduzir o impacto socioeconômico, o advogado criminalista Luciano Iob relata que houve a regulamentação das casas de apostas. “Se de fato vai se alcançar isso, é outro problema, porque é fato que se movimentam bilhões todos os anos”, completa.
A lei foi promulgada neste ano e passou a exigir a identificação dos usuários com mais afinco, através da biometria facial, para limitar as plataformas apenas a maiores de idade. As casas, por outro lado, precisam depositar os pagamentos em até duas horas após o término do evento esportivo e não podem mais oferecer bônus, como um adicional de R$ 50,00 para apostas em um aporte do mesmo valor, e nem aceitar depósitos com cartão de crédito.
Porém, ainda existem outras frentes. A principal está na propaganda, conforme o deputado estadual Tiago Simon (MDB). “A publicidade agressiva gera um viés de indução e, no caso do jogo patológico, tem a questão da distorção cognitiva. Ou seja, o sujeito perde a capacidade crítica e vai ao ponto de achar que o melhor jeito de saudar as dívidas das apostas é apostando mais”, relata.
E por isso revela que foi protocolado um projeto de lei na Assembleia Legislativa (AL-RS) que estabelece vedações à veiculação de publicidade das apostas online. Simon diz que o projeto se baseia no artigo 24 da AL-RS, que ao tratar da proteção do consumidor e da saúde pública, faculta aos estados editar normas suplementares, que é o que nós estamos fazendo. O intuito é vedar as propagandas das 5h às 21h.
Para fins de diminuição do consumo, Salgado aponta que “mudamos muito esse quadro em termos de futuro imediato. Como ocorreu com o tabaco e como não se consegue fazer com o álcool.”
Outra frente está na presença das casas de apostas como patrocinadores. O futebol, que concentra a imensa maioria do foco dos apostadores, está tomado pela imagem de diversas empresas do meio. Elas são principais parceiras comerciais — patrocinador master — de 18 dos 20 times da Série A do Campeonato Brasileiro e, ao todo, aportam mais de R$ 1,1 bilhão por ano nessas equipes. Esse é um tema que não é citado no projeto de lei que Simon fala, e parece ser mais complicado de adentrar.