Pela primeira vez, os pedidos de demissão superaram as dispensas sem justa causa no Rio Grande do Sul. Entre janeiro e junho de 2025, 42% dos desligamentos formais no Estado ocorreram a pedido do trabalhador, percentual equivalente a 343,8 mil pessoas. Os dados, divulgados pela Fundação Gaúcha do Trabalho e Ação Social (FGTAS) a partir do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), mostram um crescimento de 17% em relação ao mesmo período de 2024.
Segundo o levantamento, o total de desligamentos no semestre foi de 812,7 mil. Além das demissões voluntárias (42%), 37% ocorreram sem justa causa, 17,4% por término de contrato, 1,6% por justa causa e 1% por acordo. O perfil predominante dos trabalhadores que pedem demissão é de jovens entre 18 e 24 anos, mulheres e pessoas com ensino médio completo. A maioria das saídas se concentra no setor de serviços (37%), seguido pelo comércio (28%) e pela indústria (25%).
Por tipo de desligamento
JC
Para o presidente da FGTAS, José Scorsatto, o aumento dos pedidos de demissão não é sinal de instabilidade, mas sim de dinamismo do mercado de trabalho. “A demissão voluntária é quando o trabalhador pede para sair. Nesse caso, não tem direito ao seguro-desemprego nem ao saque do FGTS. Isso indica que, possivelmente, essa pessoa conseguiu uma nova oportunidade. O índice tem crescido muito nos últimos períodos”, explica.
De acordo com Scorsatto, três fatores principais ajudam a compreender o movimento. O primeiro é o aquecimento do mercado, que oferece mais possibilidades de recolocação. O segundo está relacionado ao bem-estar do trabalhador, que valoriza a proximidade da residência, a redução do tempo de deslocamento e a possibilidade de conciliar presencial e home office. “Nem sempre a decisão é por salário. Muitas vezes, a pessoa aceita ganhar o mesmo ou até menos, porque compensa em tempo e qualidade de vida”, afirma. A flexibilidade de horários e a possibilidade de não trabalhar em finais de semana também são decisivos.
Outro aspecto em destaque é o ambiente de trabalho, especialmente para os mais jovens. “Os trabalhadores de 18 a 24 anos são os que mais pedem demissão. Se o ambiente não corresponde ao que foi prometido, ou se o líder não tem abertura de diálogo, eles buscam outra oportunidade, já que o mercado está aquecido”, analisa o presidente da FGTAS.
Perfil das demissões voluntárias
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A psicóloga e consultora de carreira Ana Cecília Petersen, da PUCRS Carreiras, complementa que o fenômeno vai além da insatisfação pontual: reflete uma geração mais ativa e crítica em relação ao trabalho. “Hoje, o trabalhador percebe que tem alternativas. É como se houvesse um sinal de segurança psicológica: o desemprego está baixo e a empregabilidade alta. Muitos jovens não têm grandes vínculos familiares ou financeiros, o que aumenta a mobilidade. Se não estão satisfeitos, buscam outra oportunidade”, aponta.
Na avaliação da especialista, as empresas precisam se reposicionar diante desse novo perfil de trabalhador. “Não basta pensar em reter. É necessário criar ambientes nos quais as pessoas queiram permanecer e crescer. Programas de desenvolvimento, mobilidade interna e trilhas de aprendizado aumentam o valor percebido da permanência. Além disso, é preciso oferecer rotas de progressão mais curtas, dar espaço ao propósito e assegurar um ambiente psicologicamente saudável. Muitos trabalhadores não aceitam mais ambientes tóxicos”, afirma.
A flexibilidade aparece como ponto central nessa equação. “Depois da pandemia, muitos experimentaram o home office e não aceitam mais modelos rígidos. Para a Geração Z, flexibilidade e autonomia deixaram de ser benefício, são condições básicas”, conclui Ana Cecília.
O movimento de crescimento nas demissões voluntárias não surgiu em 2025, mas se intensificou. Em 2021, os desligamentos sem justa causa representavam 41% do total, contra 38% a pedido. Em 2024, os percentuais quase empataram: 40% sem justa causa e 39% voluntários. Neste ano, pela primeira vez, houve inversão da curva.
Apesar da mudança, Scorsatto avalia que não há impacto econômico negativo. “As pessoas rapidamente se recolocam em outra oportunidade CLT, ou então abrem um negócio, viram PJ, MEI ou trabalham em serviços como Uber. Elas continuam ativas no mercado de trabalho. Tanto é que, neste trimestre, temos a menor taxa de desemprego dos últimos 12 anos”, afirma.
A inversão registrada no primeiro semestre de 2025 sinaliza um novo comportamento do trabalhador gaúcho, que, diante de mais opções de ocupação, passa a priorizar qualidade de vida, ambiente saudável e flexibilidade. Para empresas, o cenário impõe o desafio de repensar estratégias de atração e retenção de talentos em um mercado cada vez mais competitivo.
Setor de Serviços foi o mais afetado com demissões voluntárias no RS
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O movimento de crescimento nas demissões voluntárias no RS se intensificou nos últimos anos
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