No Brasil para acompanhar a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30), a enviada especial para assuntos internacionais de água dos Países Baixos, Meike van Ginneken, aproveitou a ocasião para visitar o Rio Grande do Sul. Além de conhecer os locais afetados pela enchente de 2024, ela trafegou pelo Delta do Jacuí e se reuniu com uma comitiva da Prefeitura Municipal de Porto Alegre para conhecer as ações de proteção contra cheias da Capital.
Prestes a embarcar para outros destinos nacionais antes da COP30, que acontecerá em Belém, Meike concedeu entrevistas à imprensa e compartilhou suas percepções sobre a visita ao Rio Grande do Sul, sugerindo soluções para tornar a cidade de Porto Alegre mais resiliente aos eventos climáticos extremos. Além disso, comentou sobre a atuação do Escritório Holandês de Apoio aos Negócios (NBSO) em Porto Alegre e o trabalho da Universidade de Delft no Plano Urbanístico Ambiental para o Desenvolvimento Sustentável do bairro Arquipélago.
Jornal do Comércio — Você esteve na região do Arquipélago e viu os impactos causados pela cheia. Quais foram suas percepções sobre essa parte de Porto Alegre?
Meike van Ginneken — Nós fizemos um trajeto em que vimos o Arquipélago pela água. E, se estamos falando de enchentes, é a melhor maneira de observá-lo. Estava chovendo muito e conseguimos imaginar como foram as enchentes. A Universidade de Delft está trabalhando em soluções para evitar os danos causados pelas enchentes no futuro e como adaptar essa região. O Arquipélago é muito complexo.
JC — Como as soluções podem ser pensadas?
Meike — O Arquipélago é muito complexo e as soluções não são apenas sobre infraestrutura, mas sobre comunidades. Precisamos pensar em como essas pessoas se relacionam com a água, onde querem viver e onde estão seus espaços públicos, como escolas. E também em como tornar as casas em que as pessoas vivem mais resilientes para eventos climáticos futuros.
JC — Como tem sido esse trabalho com a Universidade de Delft?
Meike — É um problema complexo realmente. E é muito sobre pessoas e comunidades. Eu não acho que as Ilhas ou o Rio Grande do Sul podem pensar que apenas construindo diques ou fazendo ações de infraestrutura tudo estará resolvido. E é isso que acho bom no projeto com a Universidade de Delft, que tem conhecimento sobre isso, mas não está dizendo soluções que obrigatoriamente precisam ser feitas e, sim, conversando com as comunidades locais sobre como elas querem ver seu futuro. Porque sem as pessoas vendo o próprio futuro, não há nada que possa ser feito.
JC — Você visitou outros locais afetados pela enchente de 2024. Como foi essa experiência?
Meike — Visitar esses lugares depois de um ano foi muito tocante. Porque ainda é possível ver o nível em que a água chegou, ouvir as histórias das pessoas e ver realmente o impacto que as enchentes tiveram. Porque, é claro, a população perdeu móveis, escolas e casas. Mas também tem muito impacto psicológico. As pessoas têm medo que a água volte e o fato de não saber quando isso acontecerá novamente traz um impacto profundo. Foi comovente ver tudo isso em primeira mão.
JC — Por outro lado, tem a necessidade de recuperação…
Meike — Sim, vimos também vários esforços de recuperação. Eu entendo que a população de Porto Alegre e do Rio Grande do Sul esteja impaciente e queira que tudo seja feito imediatamente. Mas é necessário ver que muitas coisas foram feitas. As ruas e os prédios foram limpos. O reparo dos diques e da infraestrutura está sendo feito. Então, por um lado, ainda é possível ver o impacto que a enchente causou na cidade e nas pessoas. Mas, de outro, tem também uma mensagem de esperança mostrando que a reconstrução está acontecendo.
JC — Há soluções de baixo custo que possam ser implementadas em Porto Alegre?
Meike — Quando você é prefeito de uma cidade ou quando se é engenheiro, você não tem escolha a não ser começar com soluções de baixo custo, porque você precisa proteger a população da água que pode chegar. A primeira fase são esses tipos de soluções, que costumam ser muito simples, como fechar buracos nos diques. E é necessário. Mas, ao mesmo tempo, é preciso entender o que é o sistema e planejar medidas de longo prazo. Muitas das iniciativas que vimos são de engenharia simples. Mas acho que é a única maneira de começar.
JC — O que poderia ser feito no longo prazo?
Meike — Há diferentes coisas que você precisa fazer. Acho que algo que a prefeitura está fazendo e que é importante é olhar para o sistema de drenagem urbano e para toda a infraestrutura. E realmente planejar e implementar soluções de longo prazo. A Holanda pode ajudar nisso com nosso conhecimento em engenharia e em planejamento. Acho que a segunda coisa que precisa ser feita é olhar para o sistema fluvial como um todo. Por que tanta água está descendo por esses rios? E como é possível evitar que toda essa água chegue ao mesmo tempo? Grande parte disso tem a ver com o planejamento do uso do solo. Houve bastante desmatamento na bacia. Mas também é necessário armazenar a água onde ela cai. Assim, se chover em toda a bacia, nem toda a água chegará ao mesmo tempo.
JC — Além do problema das enchentes, temos passado por momentos de estiagem que impactam na lavoura. Esse armazenamento de água poderia ajudar?
Meike — As mudanças climáticas fazem com que a água venha toda de uma vez, com períodos de seca mais longos e chuvas mais intensas. E muitas das soluções para as mudanças climáticas, muitas das ações de adaptação climática, na verdade dizem respeito ao armazenamento de água. Para que ela possa ser usada durante os períodos de seca e não chegue toda de uma vez, inundando as cidades. 99% da água armazenada está na natureza, em aquíferos, lagos e áreas úmidas. Nos Países Baixos, destruímos muitos desses locais e pavimentamos boa parte da natureza. Então, restaurar a natureza e os ecossistemas faz parte da solução. Quando se pensa em armazenar água, muita gente imagina grandes barragens e reservatórios artificiais. Mas grande parte disso tem a ver com a conservação da natureza e com garantir que a água seja armazenada no ambiente natural.
JC — Como está sendo a parceria entre o governo holandês e o Rio Grande do Sul?
Meike — Para lidarmos com enchentes e com as mudanças climáticas, todo mundo precisa agir. Os governos, os cidadãos, as universidades e os negócios precisam agir. E acho que um dos segredos da gestão de água holandesa é que somos muito bons em trabalhar em conjunto, envolvendo o setor privado, o governo e os cidadãos. Quando estivemos com a delegação do Rio Grande do Sul na Holanda, essa foi uma das nossas contribuições. E acho que através do NBSO, que ajuda o setor privado holandês a ver como eles podem trabalhar em Porto Alegre, podemos compartilhar parte desse conhecimento sobre como podemos fazer parcerias entre governos. E, com certeza, se tiverem oportunidades, as melhores empresas da Holanda virão ao Rio Grande do Sul para ajudar nesse enorme esforço de reconstrução e para evitar futuras enchentes.
JC — O governo holandês cogita fazer um roadmap dos portos brasileiros. Como enxerga esse uso das hidrovias?
Meike — Eu não sei todos os dados e não tenho as soluções para isso porque ainda não olhamos para essa questão. Mas é interessante que estamos em uma cidade chamada Porto Alegre e não usa tanto o porto. Na verdade, eu soube que há 8 quilômetros de porto, e provavelmente vocês não precisam dos 8 quilômetros inteiros, mas é importante pensar no que se quer preservar e para que será usado. Também penso em como o lago pode ser mais utilizado para conectar as comunidades. Isso já acontece de forma informal, mas pode haver oportunidades nesse sentido.