De acordo com pesquisa da Ex Ante Consultoria, enquanto o custo unitário da energia elétrica para o setor industrial subiu 1.299% no País nos últimos 25 anos, o IPCA, índice oficial da inflação no Brasil, teve um incremento de 326%. A Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace Energia), instituição que encomendou o estudo, adverte que o cenário pode se agravar com os efeitos da Medida Provisória (MP) 1.300.
A MP, que foi encaminhada ao Congresso e tem como justificativa dada pelo governo federal fazer a reforma do setor elétrico, entre outras ações, criou uma nova tarifa social de energia. O benefício prevê a gratuidade da conta de luz para famílias inscritas no CadÚnico com renda mensal per capita menor ou igual a meio salário mínimo e que consomem até 80 kWh/mês. A proposta também incluiu na gratuidade as pessoas com deficiência e idosos que possuem o Benefício de Prestação Continuada (BPC), famílias indígenas e quilombolas do CadÚnico, e famílias atendidas em sistemas isolados por módulo de geração offgrid (fora da rede).
A medida provisória ainda prevê a isenção do pagamento da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE – encargo do setor elétrico) para famílias do CadÚnico com renda mensal per capita entre meio e um salário mínimo que consomem até 120 kWh/mês. Com a nova tarifa social, a estimativa do governo é de que cerca de 60 milhões de pessoas passarão a usufruir da gratuidade da conta de luz, enquanto a isenção da CDE deve garantir um desconto para as famílias que consomem até 120 kWh/mês.
Porém, a Abrace enfatiza que essa política transfere o pagamento desses benefícios para os demais consumidores que contribuem com a CDE, com peso elevadíssimo para os consumidores industriais de alta tensão. A associação estima que essa transferência de custos para os grandes consumidores irá acarretar uma alta de 20% no custo da energia para esse segmento. Esse aumento deve ter impactos sobre a inflação, com incrementos particularmente mais significativos para certas mercadorias.
O pão francês, por exemplo, que teve aumento de preços de 3,5% nos primeiros quatro meses de 2025, deve subir outros 3,3% até o final do ano em razão do encarecimento da energia elétrica, projeta a Abrace. Com isso, a tendência é que o pão venha a crescer mais de 6,8% este ano. As carnes de boi, que tiveram alta de preços entre 22,2% últimos 12 meses até abril de 2025, devem subir outros 2,3% em razão desse fato. Da mesma forma, o leite longa vida, que já acumulou crescimento de preços de 2,4% neste ano até abril, deve subir outros 2,4%.
Além desses itens, haverá pressão inflacionária de 6,7% sobre as tarifas de água e esgoto, que já ficaram 5,5% mais caras nos últimos 12 meses, e de 4% em média entre os materiais de construção, itens que acumularam alta de 4,4% nos últimos 12 meses. Na média da economia, espera-se um impacto de 2 pontos percentuais no IPCA dos próximos 12 meses, o que, reforça a Abrace, irá uma vez mais comprometer a meta inflacionária e, portanto, retardar a redução das taxas de juros.
“A ideia de deslocar custos para a produção não atende ao brasileiro, não adianta eu dar com uma mão na conta de luz e tirar com a outra no preço do pão”, defende o presidente executivo da associação, Paulo Pedrosa. Ele acrescenta que a situação acaba trazendo reflexos para a competitividade da indústria nacional e criando um obstáculo para o crescimento da economia.
O dirigente concedeu nesta quinta-feira (3) coletiva à imprensa sobre o tema. Na ocasião, ele também foi indagado sobre a sua opinião quanto à possível manutenção da operação da termelétrica gaúcha a carvão Candiota 3, que hoje não possui um contrato de longo prazo que garanta a sua geração por um tempo mais expandido. Pedrosa admite que a planta contribui para o desenvolvimento e arrecadação locais.
No entanto, o dirigente ressalta que colocar esse custo da térmica (mais elevado que a média da geração de outras usinas) e da queima do carvão na tarifa dos consumidores brasileiros (através das contas de luz) pode propiciar desemprego e gastos extras em outros pontos do País, pois a questão tem efeitos gerais.
Ele comenta que o poder público, eventualmente, pode adotar um programa de desenvolvimento da região local, mas sem obrigar um custo desnecessário no Brasil como um todo. Atualmente, segundo fontes que acompanham o setor elétrico, Candiota 3 opera no mercado spot (de curto prazo) vendendo energia para a Argentina.