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Publicada em 24 de Janeiro de 2025 às 18:39

Efeito Milei: o que mudou na economia argentina e os impactos no RS e no Brasil

Em dezembro passado, Javier Milei completou 1 ano na presidência da Argentina

Em dezembro passado, Javier Milei completou 1 ano na presidência da Argentina

DIEGO LIMA/AFP/JC
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Nícolas Pasinato
Nícolas Pasinato
Em dezembro de 2023, Javier Milei se tornava oficialmente presidente da Argentina. Visto como um ultralibertário, ele disse, no dia em que recebeu a faixa presidencial, que a sua posse marcava "uma nova era na Argentina". Passados pouco mais de um ano, indicadores da economia, especialmente relacionados à inflação, são apontados como grandes vitórias do seu primeiro ano de mandato. Por outro lado, o aumento na taxa de pobreza e a recessão na economia - no acumulado do ano passado - são alvos de críticas de quem se opõe à sua gestão. 
Em dezembro de 2023, Javier Milei se tornava oficialmente presidente da Argentina. Visto como um ultralibertário, ele disse, no dia em que recebeu a faixa presidencial, que a sua posse marcava "uma nova era na Argentina". Passados pouco mais de um ano, indicadores da economia, especialmente relacionados à inflação, são apontados como grandes vitórias do seu primeiro ano de mandato. Por outro lado, o aumento na taxa de pobreza e a recessão na economia - no acumulado do ano passado - são alvos de críticas de quem se opõe à sua gestão. 
Quando Milei assumiu, a Argentina atravessava a sua terceira grande crise econômica recente, com um déficit fiscal insistente, alta dívida externa e falta de reservas da moeda norte-americana nos cofres públicos, o que fazia a roda da inflação girar, atingindo impressionantes 211,4% em 12 meses ao final de 2023. Em 2024, esse índice ficou em 117,8%, um recuo de quase 94 pontos no período de um ano.

O economista e professor da Pucrs Gustavo de Moraes explica que a queda da inflação no país vizinho está relacionada ao esforço da equipe econômica de Milei para equilibrar as finanças públicas da Argentina.

“Ao realizar muitas medidas para tentar controlar o déficit público, o presidente Milei já consegue reduzir a inflação. O desequilíbrio fiscal é a mãe de todos os problemas relativos ao enfraquecimento do peso argentino e, consequente, ao processo inflacionário”, aponta.

Na última sexta-feira (17), o ministro da Economia do país, Luis Caputo, anunciou, em sua conta no X (ex-twitter), que a Argentina registrou, em 2024, um superávit orçamentário de 0,3% do Produto Interno Bruto (PIB), e um saldo fiscal primário - que exclui os pagamentos da dívida - de 1,8% do PIB. “Trata-se do primeiro superávit financeiro anual em 14 anos e o maior em 16 anos”, celebrou.

O Plano Motosserra

Governo argentino aplicou um plano de ajuste fiscal que cortou cerca de 35% dos gastos públicos do país no primeiro semestre de 2024 | Luis ROBAYO/AFP/JC
Governo argentino aplicou um plano de ajuste fiscal que cortou cerca de 35% dos gastos públicos do país no primeiro semestre de 2024 Luis ROBAYO/AFP/JC

Durante a corrida presidencial, em 2023, Milei apareceu segurando uma motosserra durante um evento. O objeto representava, segundo ele, os cortes de gastos que pretendia aplicar no país. No início de seu mandato, o presidente tratou logo de anunciar um ajuste fiscal batizado de "Plano Motosserra", que resultou em um corte de 35% nos gastos públicos do país no primeiro semestre do ano passado.

“Esse corte gerou uma série de efeitos sociais e problemas em termos de política pública. Hoje, na Argentina, mais da metade da população encontra-se em situação de pobreza, segundo indicadores mais recentes, o que representa uma elevação em relação ao patamar do governo anterior”, observa o professor de Relações Internacionais na Pucrs, ⁠João Jung.

Dados do Instituto Nacional de Estatísticas e Censos da Argentina (Indec), divulgados em setembro passado, mostraram um acréscimo de 3,4 milhões de pessoas na faixa da pobreza no país. A soma significa uma alta de 11,2 pontos percentuais (p.p.) em relação ao segundo semestre de 2023, quando 12,3 milhões de pessoas (41,7% da população) estavam nessa mesma situação. No ano passado, o desemprego também aumentou, com o índice próximo de 7% ao longo dos três primeiros trimestres de 2024.

O pacote de gastos de Milei que envolveu, entre outros pontos, fim dos subsídios para serviços básicos, como luz, água e transportes públicos, congelamento de reajustes do salário mínimo e paralisação de obras públicas contribuiu para o enfraquecimento da economia do país no ano passado. O Fundo Monetário Internacional (FMI) prevê, em seu mais recente relatório Perspectiva Econômica Global, uma forte retração de 2,8% de seu PIB em 2024.

“Sabemos que uma forte política fiscal de austeridade, como a do Milei, geraria um impacto social muito grande e que apresentaria prós e contras que puderam ser verificados neste primeiro ano de mandato. Sem entrar no mérito do que é certo ou errado, o fato é que ele (Milei) está seguindo à risca o projeto de choque mencionado durante a sua campanha política. Plano esse que, democraticamente, foi o escolhido pelo povo argentino”, acrescenta.

Para o economista Gustavo de Moraes, a piora em alguns indicadores no curto prazo já era esperada e foi alertada pelo novo presidente. “Milei avisou que a situação da Argentina ainda poderia piorar antes de melhorar. Suas ações miram o médio e longo prazo. O processo inflacionário agudo desacelerou-se, mas ainda não está extinto. E em todo processo inflacionário a população carente é aquela mais prejudicada, pois não tem acesso a produtos financeiros sofisticados ou qualquer opção de patrimônio para proteger a sua renda”, observou.

Mesmo em um contexto de crescimento da pobreza e do desemprego, a economia argentina começou, de fato, a dar sinais de recuperação a partir do segundo semestre do ano passado. O PIB do país cresceu 3,9% de julho a setembro na comparação com os três meses imediatamente anteriores, conforme informou o Indec (o IBGE argentino) em dezembro. Além disso, o FMI já projeta um crescimento robusto de 5% ao ano para a Argentina em 2025 e em 2026. 

Relações comerciais entre Rio Grande do Sul e Argentina têm tendência de alta

Para o Rio Grande do Sul, a Argentina apareceu, em 2024, em quarto lugar entre os principais destinos de exportações do Estado, com uma queda de 0,4% nas vendas de produtos gaúchos para o país vizinho.

Segundo o pesquisador do Departamento de Economia e Estatística da Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão (DEE/SPGG) Ricardo Leães, a política contracionista adotada por Milei na Argentina e a consequente recessão na economia observada no país explica a redução das vendas do Rio Grande do Sul para a Argentina no ano passado.

No entanto, ele observa que o sentido de queda das exportações começou a se reverter no segundo semestre. “A partir de julho, houve uma diferença significativa no câmbio, com o peso argentino se valorizando e o Real se desvalorizando. Muito em função dessa variação observada nos últimos meses (de 2024), passou a crescer, na Argentina, a demanda por produtos importados do Rio Grande do Sul, de modo que a queda (nas exportações para a Argentina) ao longo de 2024 acabou não sendo tão significativa”, aponta. A retomada da economia argentina, segundo Leães, também ajudam a explicar o avanço nas compras de mercadorias gaúchas a partir de julho.

Para se ter uma ideia dessa alteração de comportamento, na comparação com 2023, as exportações do Rio Grande Sul para o país vizinho tiveram baixas de 19,4% no primeiro trimestre e de 30,6% no segundo trimestre. Após, o sinal inverteu, com altas de 16,1% e 45,9% no 3° e 4° trimestre do ano passado.

A Argentina que, atualmente, representa cerca de 5% das exportações gaúchas, possui uma importância singular para a economia gaúcha, já que é um dos destinos que o Estado exporta mais produtos industriais, como automóveis, autopeças, tratores, fertilizantes e colheitadeiras .

Para o economista-chefe da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs), Giovani Baggio, as mudanças implementadas por Milei na Argentina são vistas com bons olhos e têm reflexos na parceria comercial entre a indústria gaúcha e os hermanos. “Toda essa mudança em termos de controle de gastos públicos, diminuição do tamanho do estado e desregulamentação da economia provoca uma melhora no ambiente de negócios da economia na Argentina", resume.

Conforme o economista, os três principais parceiros comerciais do setor são Estados Unidos, China e Argentina, nesta ordem. Destes, apenas a Argentina apresentou uma alta nas exportações da indústria gaúcha.

“Houve um crescimento de 1,8%, é ainda pequeno, mas já é um respiro depois de uma queda de mais de 10% na relação entre os anos de 2023 e 2022”, aponta.

Para 2025, a perspectiva é de uma alta ainda maior no índice. “Há uma expectativa muito boa neste ano. Além da recuperação da economia do país, projeções apontam que a Argentina deve ter a melhor safra dos últimos seis anos, o que pode nos favorecer, pois um dos produtos que eles mais compram do RS são as máquinas agrícolas”, aponta.

Argentina segue como uma das principais parceiras comerciais do Brasil

Em meio a um temor de uma possível limitação do comércio bilateral entre Brasil e Argentina em razão do desalinhamento ideológico entre os governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Javier Milei, o país vizinho, no ano passado, seguiu como o terceiro maior parceiro comercial do Brasil no mundo, atrás somente de China e Estados Unidos.

No período acumulado de janeiro a dezembro de 2024, em relação a igual período do ano anterior, as vendas para a Argentina caíram -17,6% e atingiram US$ 13,78 bilhões. Já as importações cresceram 13,2% e chegaram US$ 13,58 bilhões. Com isto, neste período, a balança comercial para o país vizinho apresentou saldo positivo de US$ 200 milhões, o que mostra uma queda significativa em relação ao superávit de US$ 4,7 bilhões no comércio bilateral em 2023. Já a corrente comercial (soma de exportação e importação) dos países reduziu-se em -4,7%, totalizando US$ 27,36 bilhões.

“Há oscilações de importações e exportações entre os países de um ano para o outro, mas Brasil e Argentina seguirão sendo grandes parceiros econômicos, porque um é condição do outro, são inescapáveis”, aponta o professor de Relações Internacionais na Pucrs, ⁠João Jung.

Para o economista e professor da Pucrs Gustavo de Moraes, o resultado da diminuição nas exportações para a Argentina e o aumento das compras dos produtos daquele país está associado ao ajuste recessivo implementado por Milei. “Fez diferença no resultado da balança comercial, pois o Brasil vende para a Argentina produtos sofisticados e, portanto, mais sensíveis à renda. A Argentina, por sua vez, vende ao Brasil produtos mais simples, que se aproveitaram do crescimento que o Brasil registrou em 2024”, explica.

Por outro lado, o peso argentino foi a moeda que mais se fortaleceu em termos reais em 2024, com valorização de 44,2% ajustada pela inflação, na casa dos três dígitos, conforme análise feita pela consultora GMA Capital.

“Quando olhamos pra a balança de serviços, especialmente o fluxo de turismo, já podemos observar o consumo argentino reagir. A valorização que o peso argentino observou contra o real brasileiro em 2024 já foi capaz de trazer de volta um volume expressivo de turistas argentinos ao Brasil neste verão”, aponta Moraes.

País deve ser centro de referência na América do Sul para os EUA de Trump

A primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni, o presidente da Argentina, Javier Milei, e o vice-presidente da China, Han Zheng estiveram na posse de Trump |  AFP
A primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni, o presidente da Argentina, Javier Milei, e o vice-presidente da China, Han Zheng estiveram na posse de Trump AFP
Apesar das cerimônias de posse presidencial dos Estados tenham um caráter mais doméstico, sem muitos convites oficiais para outros chefes de Estado, Donal Trump fez questão de convidar um seleto grupo de líderes mundiais alinhados ao seu espectro político, entre eles, o presidente da Argentina, Javier Milei.

Para o professor de Relações Internacionais na Pucrs, ⁠João Jung, o fato do presidente da Argentina ter sido convidado para a posse e de Lula ter ficado de fora da lista já sinaliza as mudanças que podem ocorrer na relação entre esses diferentes países.

“A grande tendência é que o Brasil deixe de ser, para os Estados Unidos, o centro gravitacional da América do Sul, com os argentinos assumindo esse papel de referência. Com isso, é natural que o Brasil se aproxime da China, junto ao grupo dos Brics, e da União Europeia e se afaste dos EUA”, prevê.

Jung também destaca a aproximação de Milei com o empresário Elon Musk, que deve chefiar o novo Departamento de Eficiência Governamental dos EUA. O dono da Tesla e do X já fez elogios públicos ao modelo de gestão do governo argentino.

Recentemente, Milei, após discursar como estrela no palco do Fórum Econômico Mundial em Davos, Suíça, disse que vai trabalhar por acordos da Argentina, não do Mercosul. "Farei o que for melhor para a Argentina", disse.  
Milei, no entanto, afirmou que apesar disso prefere manter seu país no bloco. "Creio que há uma possibilidade de fazermos (um acordo de livre comércio com os Estados Unidos) e continuarmos no Mercosul", declarou a jornalistas. Na véspera, ele disse em entrevista à Bloomberg TV que deixaria o bloco se isso fosse condição para se associar aos EUA, onde encontra no recém-empossado Donald Trump um aliado. 

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