Porto Alegre, dom, 13/04/25

Anuncie no JC
Assine agora

Publicada em 04 de Dezembro de 2024 às 09:23

Tarifas em governo Trump 2 podem provocar invasão de produtos chineses no Brasil

A China já ocupa o primeiro lugar na lista de importações do Brasil

A China já ocupa o primeiro lugar na lista de importações do Brasil

Stringer/AFP/JC
Compartilhe:
Folhapress
Antes mesmo de assumir seu segundo mandato como presidente dos Estados Unidos, Donald Trump vem dobrando a aposta em sua guerra comercial com Pequim. A promessa do republicano é criar uma tarifa adicional de 10% sobre produtos chineses logo em seu primeiro dia no cargo, medida que pode respingar no Brasil.
Antes mesmo de assumir seu segundo mandato como presidente dos Estados Unidos, Donald Trump vem dobrando a aposta em sua guerra comercial com Pequim. A promessa do republicano é criar uma tarifa adicional de 10% sobre produtos chineses logo em seu primeiro dia no cargo, medida que pode respingar no Brasil.
Especialistas argumentam que a China atravessa uma conjuntura econômica sem muita margem para diminuir sua produção industrial. Se as barreiras para acessar um dos maiores mercados do mundo forem de fato implementadas, o mais provável é que haja um direcionamento para países capazes de absorver essa oferta.
Setores brasileiros já calculam os riscos de uma invasão de produtos chineses com a eleição de Trump, antecipando debates sobre tarifas e defesa comercial.
A China já ocupa hoje o primeiro lugar na lista de importações do Brasil. Segundo dados do Mdic (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços), o País adquiriu US$ 52 bilhões de produtos chineses entre janeiro e outubro deste ano, o que representa 24% de todas as importações feitas.
O raciocínio sobre o risco de entrada massiva no mercado nacional começa por questões internas da China. André Saconatto, economista e consultor da FecomercioSP, lembra que Pequim vem registrando uma atividade econômica relativamente fraca. A meta de 5% de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) - que seria uma "dádiva" aqui no Brasil- em escala chinesa é considerada baixa.
Nos últimos anos, o regime de Xi Jinping vem mudando o motor da economia para a área de tecnologia, diminuindo o peso de setores como o imobiliário, que contribui com cerca de 25% do PIB chinês.
Em crise, o setor imobiliário cascateou efeitos na segunda maior economia do mundo, afetando inclusive o consumo e os investimentos.
"As pessoas estão se sentindo mais pobres, porque a poupança delas diminuiu", diz Saconatto, lembrando que boa parte das reservas dos chineses está ligada ao setor imobiliário. "Isso fez com que os chineses aumentassem a taxa de reserva dos novos salários, o que significa consumir menos."
Do lado da oferta, o regime chinês continua estimulando a indústria nacional, mesmo que a demanda não necessariamente responda à altura. "Os últimos dados mostram que a produção industrial está crescendo muito mais que o consumo. Está sobrando produto na China", afirma o economista.
Com a China tendo excedente de produção, Trump adotando barreiras comerciais e a Europa seguindo sua agenda protecionista, Saconatto diz que o mais provável é que Pequim escoe sua produção para países em desenvolvimento, como o Brasil. "Esse é o cenário, os chineses vão tentar jogar todos esses produtos em algum lugar do mundo", afirma. "Do ventilador ao computador de última geração."
Avaliação semelhante é feita por Thiago de Aragão, diretor de estratégia da Arko Advice. Para ele, o risco de invasão é uma questão de lógica, não necessariamente de conjuntura. "É óbvio que essa produção vai para outro lugar, não vai cessar. E tem que ir para mercados que estão preparados para absorver. Nisso o Brasil é um candidato fortíssimo", diz.
Aragão destaca que, diferentemente de outros países, a China depende de um crescimento econômico para garantir uma coesão social que fortaleça a estabilidade do Partido Comunista Chinês. Ou seja, Pequim deve continuar com a produção industrial numa determinada margem, mas sem um de seus grandes compradores.
Para ele, os itens que devem entrar massivamente no mercado brasileiro são "os de sempre", desde o aço - que já tem grande penetração na economia nacional - até produtos que são fortes em economias em desenvolvimento, como carros, TV, computadores, celulares e eletrônicos em geral.
"São exatamente essas as áreas em que a China tem um poder muito grande de ocupar, porque são também símbolos do desenvolvimento econômico individual por lá. E se a absorção local diminui, ela tem que acontecer em outro lugar. Então vai ser no Brasil."
Segundo Saconatto, a Fecomercio já vem avisando aos comerciantes que isso deve acontecer. "[Estamos] indicando para eles o seguinte: se você for um revendedor de produtos chineses, aproveite, seu poder de barganha está alto. Se você for um concorrente, cuidado."
A avaliação, contudo, não é unânime no setor de comércio. Felipe Tavares, economista-chefe da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo), diz não ver risco de entrada massiva, porque o Brasil não teria renda e mercado consumidor para lidar com o escoamento do mercado americano.
"O máximo que temos de exposição não deve ser muito alterado", diz. "Não é porque os EUA deixaram de comprar carro elétrico que vai quadruplicar o volume brasileiro. Nós não temos renda e mercado para lidar com isso."
Na verdade, ele enxerga benefícios para o Brasil com Trump fortalecendo o sentimento de importância do Ocidente. "O Brasil, historicamente, se beneficiou muito das políticas republicanas. Esse fluxo de comércio sendo mais centralizado no Ocidente tende a beneficiar muito o Brasil."
A Folha de S.Paulo apurou que a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) está fazendo uma análise detalhada sobre os riscos relacionados ao tema, considerando a gama variada de setores industriais.
Rafael Lucchesi, diretor de desenvolvimento industrial e economia da CNI (Confederação Nacional da Indústria), afirma que a vitória do republicano traz pontos de atenção sobre a invasão de produtos chineses, mas destaca que o Brasil tem instituições, governo e capacidade de se adaptar a essas situações.
"Acho que o Brasil deve estar atento a esses movimentos e, evidentemente, resguardar seus interesses. Então, se tem 'America First' [slogan de Trump], temos que pensar no 'Brasil Primeiro', de forma pragmática", diz.
Segundo ele, já existe uma entrada maior de produtos chineses em determinados setores. Recentemente, o governo aumentou para 25% o imposto de importação para painéis solares, cujo mercado é dominado por fornecedores chineses.
Lucchesi concorda que eventuais barreiras nos EUA vão fazer os chineses buscarem outros mercados para encaixar o déficit. Por isso, ele diz que o país precisa acelerar sua defesa comercial, acrescentando que o setor industrial vai reagir a qualquer ameaça que venha a surgir.
"É importante o Brasil ter este norte de se proteger, não deixar haver um strike (na estrutura industrial) para se proteger depois."
Procurado, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços disse estar atento ao contexto internacional e que trabalha internamente com cenários para o comércio exterior nos próximos anos. "O Mdic adotará todas as medidas que se mostrarem necessárias para a promoção da competitividade no mercado interno, não orientando as suas ações e decisões por outros critérios."
Saconatto, da Fecomércio, diz que o Brasil vai acabar colocando tarifa em alguns itens, começando com carros chineses.
"O lobby industrial é muito forte e o Brasil vai acabar se protegendo", afirma. "Acho que em 2025, vamos começar a ver tarifas aumentando para tentar segurar um pouquinho isso." A avaliação dele é que o Brasil poderia pensar numa maneira estratégica de absorver esses produtos e se beneficiar dos preços. "Dá para acoplar um plano de longo prazo a um processo de diminuir tarifas de importação específicas, em máquinas, energia, tecnologia, infraestrutura. Se o Xi Jinping quer nos subsidiar, obrigado."

Notícias relacionadas