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Conjuntura

- Publicada em 23 de Outubro de 2023 às 18:02

Relação comercial entre Brasil e Argentina pode ser afetada após as eleições

Massa (e) e Milei (d) têm propostas bastante diferentes para superar atual crise econômica da Argentina

Massa (e) e Milei (d) têm propostas bastante diferentes para superar atual crise econômica da Argentina


MONTAGEM FOTOS MAXIMILIANO VERNAZZA/LUIS ROBAYO/AFP/JC
Com agências 
Com agências 
A Argentina é o terceiro maior parceiro comercial do Brasil, atrás apenas de China e dos Estados Unidos. O país vizinho também é um dos sócios-fundadores do Mercosul, bloco econômico que reúne países sul-americanos. Esses fatores são suficientes para entender por que a economia brasileira deve estar atenta ao andamento das eleições presidenciais argentinas, que serão definidas no dia 19 de novembro em disputa do segundo turno entre o candidato governista Sergio Massa e o ultraliberal Javier Milei.

Para o Rio Grande do Sul, a Argentina também é um parceiro fundamental. De janeiro a setembro, o país vizinho foi o terceiro principal destino de exportações totais do Estado, com participação total de 5,3%. Os valores absolutos no acumulado do ano são de US$ 873,0 milhões, queda de -12,5% em relação ao mesmo período do ano passado, quando as exportações ao país vizinho somavam US$ 997,3 milhões. Na frente aparecem, os Estados Unidos (participação de 9,1%) e a China (22,2%). Os dados são do mais recente Boletim da Balança Comercial do RS feito pela Fiergs.

Nesta segunda-feira (23), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, preferiu não comentar sobre o resultado do primeiro turno, mas disse que acompanha o pleito com interesse em razão do Mercosul. "Acompanho com interesse porque sou integracionista. É importante uma América do Sul mais integrada, negociando com a União Europeia de forma mais forte. Estamos para negociar acordo com a União Europeia e quanto mais integrados tivermos melhor", disse o ministro da Fazenda.

Haddad, porém, já demonstrou preocupação com uma possível vitória de Milei e apontou a questão comercial entre os países como um dos motivos. "É natural que eu esteja (preocupado). Uma pessoa que tem como uma bandeira romper com o Brasil, uma relação construída ao longo de séculos, preocupa", afirmou em entrevista recente à Reuters.

Javier Milei, durante sua campanha, fez declarações a favor de limitar o comércio com o Brasil e sinalizou uma possível saída da Argentina do Mercosul. Considerado como ultra-libertário, Milei tem, entre as suas propostas econômicas, privatizar empresas estatais, mudar regras trabalhistas e diz que para a Argentina controlar a inflação anual de quase 140% no ano, é necessário dolarizar a economia e extinguir o Banco Central do país. Ele afirma ainda que pretende diminuir drasticamente os gastos estatais num país habituado há mais de 20 anos com subsídios.

Na avaliação do professor da Escola de Gestão e Negócios da Unisinos Robson Ávila a tendência é que, no segundo turno, o ultraliberal abrande o discurso extremista na tentativa de conquistar os eleitores da macrista Patricia Bullrich, terceira mais votada no primeiro turno.

O professor vê como pouco provável que a sua agenda econômica mais radical consiga ser implementada caso seja eleito. “Não acredito que ele vá conseguir colocar em prática tudo o que está dizendo, mas a Argentina é um parceiro comercial importante para o Brasil e para o Rio Grande do Sul e é possível sim que haja um retrocesso nas relações, o que pode impactar a nossa economia”, analisa. O candidato já chamou o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, de "comunista furioso", após Lula agir em prol da liberação de crédito para a Argentina, o que favorece o atual ministro da economia do País, Sérgio Massa, rival de Milei. 
Na mesma linha, o professor do curso de Relações Internacionais da Escola de Humanidades da Pucrs João Jung observa que a retórica de Milei pode esbarrar no sistema de freios e contrapesos que impede que o presidente tome ações de modo unilateral.

“Se conseguir seguir o discurso de dolarização da economia, veremos uma queda do peso argentino, talvez até mesmo uma quebra ou extinção da moeda”, acrescenta Jung. Sobre o futuro do Banco Central, ele acha pouco provável que o ultraliberal consiga dissolvê-lo, mas vê como provável uma mudança de papel do órgão no sentido de desvinculá-lo da agenda política do país.

 

 

Massa procura se descolar do kirchnerismo

Conforme o professor da Escola de Gestão e Negócios da Unisinos Robson Ávila, o candidato governista Sergio Massa deverá tentar, agora no segundo turno, desassociar a sua imagem do peronismo tradicional e do presidente Alberto Fernández, já que o mandatário argentino amarga uma impopularidade de mais de 60%.

No aspecto econômico, ele avalia que o candidato governista deve seguir uma abordagem mais pragmática, além de manter os acordos internacionais com o Brasil, com a China e demais países que são rejeitados por Milei em seu discurso.

O professor do curso de Relações Internacionais da Escola de Humanidades da Pucrs João Jung classifica o candidato Sérgio Massa como um 'peronista não kirchnerista'. “Digamos que ele segue um peronismo mais arejado e que traz uma perspectiva mais estável, já que deve manter a estrutura política econômica existente e sinalizou para uma maior responsabilidade fiscal e cortes de gastos públicos se eleito”, diz, acrescentando que a postura de Milei frente à economia ainda é uma incógnita.

Para superar a crise, Massa defende que a Argentina precisa de uma política de incentivo a exportações combinada com a redução dos gastos para enfim sair do endividamento. Ele aposta nos resultados de investimentos feitos nos setores energético, mineiro e agropecuário, invertendo a balança comercial e obtendo mais dólares com exportações.

Jung destaca a exploração de recursos minerais do país a partir da jazida de Vaca Muerta, considerado o segundo reservatório de gás de xisto do mundo. Com isso, segundo ele, há um potencial de cooperação entre Brasil e Argentina no campo energético, que já é histórico e pode envolver diretamente o Rio Grande do Sul.

Em julho, o governador Eduardo Leite se reuniu com o presidente da Argentina, Alberto Fernández, para discutir sobre o gasoduto de Vaca Muerta e ressaltou a importância de o traçado da obra chegar até Uruguaiana, de maneira a estimular os mercados brasileiro e gaúcho de gás natural.

Crises sucessivas na Argentina

A Argentina atravessa sua terceira grande crise econômica recente, com um déficit fiscal insistente, alta dívida externa e falta de reservas da moeda americana nos cofres públicos, o que faz a roda da inflação girar e engrossa as filas da pobreza. Quatro em cada dez não conseguem pagar as despesas básicas, sendo que um desses é considerado indigente e sequer pode bancar a alimentação.

Até agora, avaliam analistas, um eventual caos social tem sido contido por uma taxa de desemprego baixa, por um consumo e atividade econômica que não vão mal - apesar de começarem a dar sinais de esgotamento - e pela ligação histórica do governo atual com a maioria dos sindicatos e movimentos sociais. Há temor, porém, de que a situação saia do controle de alguma forma a partir daqui.

Para o Brasil, que tem o vizinho como terceiro maior parceiro comercial, está em jogo uma relação de proximidade com Lula, embora seja improvável que Milei corte totalmente o vínculo com seu principal importador e exportador. A equipe do ultraliberal defende rever o Mercosul e se opõe à entrada no Brics, mas diz que o setor privado pode "comercializar com quem quiser".