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Economia

Conjuntura

- Publicada em 21 de Março de 2023 às 15:32

Indefinição de parâmetros da nova regra fiscal leva a adiamento do anúncio

Discussões ocorrem sob pressão de integrantes do PT para que o ritmo de ajuste nas contas públicas seja mais gradual do que o pretendido por Haddad

Discussões ocorrem sob pressão de integrantes do PT para que o ritmo de ajuste nas contas públicas seja mais gradual do que o pretendido por Haddad


ricardo stuckert/divulgação/jc
A indefinição em torno dos parâmetros da nova regra fiscal está por trás do adiamento do anúncio oficial da proposta, que deve ficar para abril, após a viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e de ministros à China.
A indefinição em torno dos parâmetros da nova regra fiscal está por trás do adiamento do anúncio oficial da proposta, que deve ficar para abril, após a viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e de ministros à China.
Segundo interlocutores ouvidos pela reportagem, há uma série de decisões estratégicas pendentes, que são determinantes para saber qual espaço o governo terá para gastar no futuro.
A perspectiva é que a nova regra seja anunciada após o retorno da comitiva, previsto para 31 de março, mas antes do envio do PLDO (Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias) ao Congresso, cuja data limite é 15 de abril.
As discussões ocorrem sob pressão de integrantes do PT para que o ritmo de ajuste nas contas públicas seja mais gradual do que o pretendido pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), que mira em um objetivo mais ambicioso de zerar o déficit já em 2024.
A avaliação entre petistas, porém, é que um aperto fiscal neste momento pode jogar o país em uma "crise política violenta", comprometendo a popularidade do governo e abrindo espaço para nova ascensão do grupo político do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
A indefinição dos parâmetros dificulta a apresentação do marco ainda esta semana, como havia sido sinalizado por Lula e Haddad.
A diretriz é encontrar um modo de conciliar os pedidos de Lula para preservar investimentos públicos e gastos sociais (incluindo saúde e educação) e uma trajetória saudável da dívida pública.
Nos últimos dias, Haddad ampliou a discussão dos detalhes da nova regra com outros ministros da área econômica e com a cúpula do Congresso Nacional.
No entanto, segundo uma fonte do governo, o desenho ainda está longe de estar 100% fechado. Os principais pontos em aberto não dizem tanto respeito ao funcionamento do mecanismo, mas sim às variáveis que balizam sua operacionalização.
Esses parâmetros podem ser projeções para determinados indicadores econômicos, como PIB (Produto Interno Bruto) ou PIB per capita. Há uma série de opções na mesa, e, a depender da escolha, o governo terá um espaço maior ou menor para despesas.
Em evento nesta segunda-feira (20), o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) afirmou que a nova regra vai combinar a curva da dívida pública, superávit primário e controle de gastos.
A partir desses princípios, os técnicos têm feito uma série de simulações para saber como evoluem as despesas e como se comporta o endividamento sob determinados parâmetros.
A tarefa é complexa. Como a nova regra prevê um horizonte de médio prazo, não apenas o ano seguinte, a intenção do Ministério da Fazenda é trabalhar com a tendência projetada para variáveis econômicas -diferentemente do teto de gastos, que opera com a inflação observada no ano anterior.
Isso torna o funcionamento da regra mais delicado e amplia o peso e a importância dessas projeções. Alguns indicadores, porém, são considerados mais difíceis de serem integrados à regra.
No caso do PIB e do PIB per capita, por exemplo, os dados consolidados (que servem de base para as projeções) são divulgados com dois anos de defasagem. Isso pode levar a variações significativas nas previsões, afetando o espaço fiscal caso esses indicadores sejam considerados no marco em elaboração pelo governo.
Em dezembro do ano passado, o IBGE divulgou o PIB consolidado de 2020 com revisões. A queda da atividade em 2020 passou de 3,9% para 3,3%, enquanto a expansão da economia em 2021 ficou maior, de 4,6% para 5,0%.
É esse risco de fortes variações que está sendo levado em consideração pelos técnicos, pois a lógica é diferente de uma projeção de arrecadação, que dispõe de informações reais todo mês para recalibrar as estimativas.
Outra questão em discussão são as vinculações constitucionais. A aprovação do novo marco fiscal resultará na revogação do teto de gastos e, consequentemente, das regras que atualmente corrigem os valores mínimos de despesas com saúde e educação apenas pela inflação.
Isso significa a retomada dos mínimos constitucionais atrelados à arrecadação, como era até 2016: 15% da RCL (receita corrente líquida) para a saúde e 18% da receita líquida de impostos no caso da educação.
O projeto de lei complementar não poderá mexer nesses percentuais, uma vez que eles estão previstos na Constituição.
Segundo uma fonte do governo, a regra precisará ser desenhada de maneira que essa lógica seja compatível com o mecanismo de controle de gastos que for integrado ao desenho, para evitar que ao longo do tempo haja uma pressão sobre as demais despesas.
Em artigo publicado no blog do Ibre/FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), os economistas Manoel Pires, Bráulio Borges e Carolina Resende chamam atenção para esse ponto. Para eles, a questão mais sensível será a despesa com saúde.
Com o teto de gastos desvinculou o mínimo da saúde da RCL e congelou o piso nos valores reais de 2017 (com reposição apenas pela inflação desde então), os economistas calcularam uma diferença de R$ 22,7 bilhões em relação à regra original.
Esse valor foi recomposto na PEC (proposta de emenda à Constituição) da Transição, que abriu caminho ao aumento de gastos em 2023, mas há preocupação quanto à dinâmica dessa despesa no futuro.
"A nova regra fiscal deverá incorporar o fato de que, ao longo dos próximos anos, essa despesa crescerá a uma taxa mais elevada e com maior volatilidade -o que pode impactar eventualmente a capacidade do governo em cumprir um determinado limite de despesa, se houver, bem como de gerar resultados primários", escreveram os economistas.
Na área da educação, o problema é menor porque o governo historicamente gasta mais do que o exigido pelo piso.
Outra complexidade é a necessidade de conciliar todo o desenho com a chamada regra de ouro do Orçamento, que impede a emissão de dívida para pagar despesas correntes, como salários e benefícios sociais.
Por se tratar de uma regra constitucional, ela tampouco poderá ser alterada pelo projeto de lei complementar. Assim, o desenho precisará dialogar com a regra de ouro.
O governo também discute qual indicador de dívida será usado como referência. Há um grupo que prefere a DLGG (dívida líquida do governo geral), que inclui governo federal, estados e municípios. Diferentemente de outros indicadores mais conhecidos (como a dívida bruta), a DLGG exclui dívidas de estatais e títulos públicos usados pelo Banco Central para fazer sua política de juros.
Essa, porém, não é considerada uma questão central, pois a dívida não será parâmetro para ditar a dinâmica das despesas, mas sim uma referência a ser levada em consideração pelo governo, segundo um técnico.
Formalmente, o governo tem até 31 de agosto para enviar o projeto de lei complementar. O prazo foi fixado pela PEC da Transição. Haddad, porém, foi aconselhado a antecipar o envio da proposta para abril, após os ruídos causados pela pressão do governo por um corte de juros, que levou a uma queda de braço com o Banco Central.
Depois, Haddad antecipou esse prazo ainda mais, para março, na tentativa de emitir um sinal contundente de compromisso com as regras fiscais.