Instaladas há três semanas, as grades de arame que ocupam parte da calçada da avenida Assis Brasil, uma pista na avenida Andaraí e outra faixa na rua Bezerra de Menezes impressionam quem passa naquela parte da zona Norte de Porto Alegre. "Aqui que vai ser o consulado dos Estados Unidos?", indaga o transeunte, ao fitar o prédio que recém começou a ser reformado para abrigar a representação norte-americana na Capital. "Que absurdo isso. Para que bloquear parte das ruas?", opina outro, reclamando da dificuldade de acesso para os motoristas.
O advogado Marcino Fernandes Rodrigues, que assessora o governo dos Estados Unidos nos trâmites para a instalação do consulado, justifica a decisão de intervir no trânsito. "Isso faz parte, é uma questão de proteção. Nas obras do governo americano, há uma preocupação maior, pois (o consulado) pode ser alvo de ameaça ou protesto. É uma precaução em relação à obra", assinala.
Rodrigues ressalta que os primeiros contêineres com material destinado à montagem da estrutura já chegaram a Porto Alegre. A movimentação de carga é crescente, e trabalhadores de diferentes partes do mundo começam a desembarcar na cidade para atuar na construção.
A retirada das grades deve ocorrer após a conclusão da obra, prevista para um prazo entre 18 e 24 meses. Enquanto isso, o comércio local ainda tenta assimilar as mudanças recentes. A região possui uma série de lojas, restaurantes, oficinas mecânicas e estacionamentos. As reações sobre o impacto da obra são distintas, mas a perspectiva é de que todos os problemas sejam superados com a abertura da estrutura.
Seguranças foram contratados e acompanham, do lado interno das cercas, a movimentação no entorno. "Depois que esse consulado ficar pronto, vai dar até para deixar o carro todo aberto que ninguém vai mexer nele", brinca o funcionário de um estabelecimento no entorno, acreditando que haverá mais segurança para a população que circula por ali.
Alterações inesperadas
| ANTONIO PAZ/JC |

Banca de Fernandes será remanajada para a rua Bezerra de Menezes
|
Ao longo das quase três décadas que possui banca na avenida Assis Brasil, Manuel Fernandes se acostumou a ter um supermercado ao lado de seu estande - no local, funcionava uma loja do supermercado Nacional. Agora, ele terá o consulado dos EUA como vizinho. Ou melhor, teria. A pedido da prefeitura de Porto Alegre, o negócio vai mudar para a rua Bezerra de Menezes. "Eu não queria sair daqui, fui praticamente obrigado. Só estou aguardando que a banca nova fique pronta", lamenta Fernandes.
A mudança inesperada foi sacramentada a partir de um acordo com a Secretaria Municipal da Produção, Indústria e Comércio (Smic). Em contrapartida, Fernandes receberá uma banca nova. A entrega da estrutura, no entanto, está atrasada. "Era para me entregarem segunda-feira passada", lembra. Nesse meio tempo, o comerciante segue abrindo diariamente seu estante. A expectativa é de que, durante as obras, as vendas diminuam. "Vai piorar o movimento, porque aqui eu vendo muito jornal e cigarro para quem está passando."
No entanto, após a abertura da representação diplomática, Fernandes acredita em dias melhores. "Vai melhorar 100%, porque a banca será nova e ficará mais segura."
Política da boa vizinhança
| ANTONIO PAZ/JC |

Viana não pensa em transferir oficina mecânica que dirige há 20 anos
|
Dono de uma oficina mecânica na rua Bezerra de Menezes há 20 anos, Eduardo Viana está exatamente nos fundos da obra do consulado. À esquerda de seu negócio, está o prédio que receberá a estrutura diplomática. À direita, fica um terreno alugado pelo governo americano até o final da obra para a entrada e saída de materiais. A interação com funcionários e pessoas ligadas ao consulado tem sido inevitável.
"Eles até pediram para utilizar uma parte da calçada do meu lado, para colocar a grade. Disseram que vão reformar o piso depois. Por mim, está tudo bem. Não bronqueio com nada. É política de boa vizinhança", atesta Viana. Porém, a placa da oficina situada na calçada da rua está do lado de dentro da grade colocada pelos norte-americanos.
Viana relata que foi convidado a buscar um outro lugar para instalar sua oficina, ao menos durante o período de construção. Porém, rechaçou a sondagem. "Não tenho menor interesse de sair daqui. Estou há 20 anos. Para onde vou levar minha clientela?", questiona.
A área da oficina é alugada por Viana. Segundo ele, o proprietário do imóvel recebe propostas de venda há bastante tempo e sempre as rejeita. Aos poucos, o mecânico vai se acostumando com a obra ao lado. Não há queixas em relação à convivência.
Estacionamentos comemoram, enquanto lojistas lamentam
| ANTONIO PAZ/JC |

Santos está satisfeito com fluxo de 10 a 15 veículos a mais por dia
|
Quem adentra a avenida Andaraí, vindo da avenida Assis Brasil, logo se depara com um senhor com uma bandeira vermelha em mãos. Ele movimenta insistentemente o adereço para o seu lado esquerdo, onde é possível vislumbrar uma placa escrita "Estacionamento". "Fui a São Paulo esses dias e tive a ideia de copiar o que eles fazem no entorno do consulado lá", reconhece o empresário Tiago Santos, dono de um estacionamento na região.
Com a colocação de grades em trechos das ruas no entorno do futuro consulado, o estacionamento de veículos nas vias, antes permitido, passou a ser proibido. Os donos de estabelecimentos do gênero comemoram. "Para mim, ficou bom. O movimento aumentou. Há de 10 a 15 carros a mais estacionando aqui por dia", destaca Santos.
O motivo de felicidade dos empresários de estacionamentos é de dor de cabeça para os proprietários de restaurantes e lojas na região. "Ainda é cedo para falar de queda em venda, mas está ruim em relação ao estacionamento dos clientes que vêm de carro e também para descarregar cargas. Estão guinchando e multando quem para aqui na frente", afirma Carla Benetti, que possui uma loja de sapatos na rua Bezerra de Menezes, esquina com a avenida Assis Brasil.
A empresária reclama da falta de debate sobre o bloqueio nas ruas do entorno. "Não nos avisaram com antecedência." Mesmo assim, ela diz que as perspectivas são positivas após a inauguração da estrutura. Dono de um restaurante na avenida Andaraí, Olavo Tempes calcula que o fluxo caiu em torno de 20% com a obra. "Hoje, é ruim para muita gente, mas, depois que abrir, o consulado vai ser benéfico para todos os comerciantes", pondera.
Atendimento aos gaúchos retornará após duas décadas
Quando for inaugurado, o que, na melhor das hipóteses, acontecerá apenas em 2017, o consulado norte-americano em Porto Alegre já terá completado mais de duas décadas de ausência da Capital. Aberta em 1919, a primeira representação dos Estados Unidos em solo gaúcho funcionou no Centro Histórico até março de 1996, quando acabou fechada junto a outros 16 consulados do país pelo mundo, ainda durante o governo Bill Clinton.
Anunciada em visita da presidente Dilma Rousseff aos Estados Unidos, em abril de 2012, a reabertura do consulado em Porto Alegre colocará a representação diplomática norte-americana ao lado de outras já existentes no Brasil, localizadas em São Paulo, Rio de Janeiro e Recife, além de Belo Horizonte, cuja implantação também está em andamento. Em 2014, foram cerca de 1,2 milhão os vistos para os Estados Unidos concedidos no Brasil. A previsão é de emissão, no prédio da Assis Brasil, entre 500 e mil vistos por dia.
Mesmo ainda, sem o consulado, os norte-americanos já possuem outras representações na Capital. Desde março do ano passado, funciona, na avenida Carlos Gomes, 1.501, um Centro de Atendimento ao Solicitante de Visto (Casv), com capacidade para 500 atendimentos diários, que realiza, aqui, a primeira etapa do pedido de visto. A segunda etapa, que consiste em uma entrevista pessoal, ainda precisa ser feita em um dos três consulados já em funcionamento.
O local também possibilita a renovação da permissão de entrada nos EUA em alguns casos específicos, como para pessoas com menos de 16 anos ou com mais de 66 anos de idade, isentos da necessidade de entrevista. Além disso, na mesma avenida Assis Brasil que abrigará o consulado, há ainda uma agência consular, no centro de compras Boulevard Strip Center, limitado à assistência aos cidadãos daquele país.