O destino mais comum dos turistas que resolvem passar as férias no Nordeste brasileiro é, sem dúvida, o litoral e suas paisagens. O Sertão, tão bem-descrito pela literatura, é esquecido. Mas há cerca de 20 anos, essa realidade vem sendo, aos poucos, modificada. Às margens do rio São Francisco, em pleno Sertão alagoano, está uma pequena e simpática cidade chamada Piranhas. Conhecida nacionalmente por ser o município onde foram expostas em praça pública as cabeças de Virgulino Ferreira da Silva, vulgo Lampião, Maria Bonita e mais nove cangaceiros, na década de 1930. Piranhas foi reconhecida como patrimônio histórico nacional em 2003.
A cidade, com casarios no estilo barroco dos séculos XIX e XX, já foi cenário das cenas iniciais do filme Bye Bye Brasil, de Cacá Diegues, no final dos anos 1970, responsável inclusive por levar energia elétrica para a localidade. Atualmente, Piranhas é a terceira cidade mais visitada de Alagoas, atrás de Maceió e Maragogi.
Pertencente à cidade também está o vilarejo de Entremontes. O povoado ficou conhecido pelo grande número de mulheres que detêm a arte do bordado redendê e do ponto-cruz, habilidade herdada de suas mães e avós. Para facilitar os deslocamentos a pontos turísticos de Piranhas, a dica é se hospedar no Centro Histórico, onde estão pousadas como Asa Branca, Maria Bonita, O Imperador e D'Lia, com preços das diárias em torno de R$ 150,00 para um casal. Também há a opção do Albergue da Juventude, com valores mais em conta.
O ingresso de Piranhas na rota do turismo se deve ao fato de a cidade ser uma alternativa de estadia para aqueles que desejam fazer o famoso passeio dos Cânions do Xingó, já que as embarcações saem de Canindé de São Francisco, a cerca de 10 minutos de Piranhas de carro ou moto-táxi (serviço este muito utilizado pelos moradores). A outra possibilidade para desfrutar do passeio é fazer um bate volta por Aracajú (Sergipe), mas que envolve enfrentar 210 km de estrada.
Surgido em 1995, após o represamento das águas do Rio São Francisco para a construção da Usina hidrelétrica do Xingó (inaugurada em 1994), o Cânion do Xingó está localizado na divisa entre Alagoas e Sergipe. Com seus paredões rochosos, com mais de 60 milhões de anos, banhados por águas cristalinas, o atrativo multiplicou em 600 vezes o número de turistas circulando na região. Em 1995, o volume de pessoas que visitava o local girava em torno de 500 por ano. Em 2012, este contingente chegou a 300 mil, contabilizando aquelas que realizaram o passeio, segundo dados da Prefeitura Municipal de Piranhas.
Para percorrer o Velho Chico, os visitantes embarcam em um catamarã, lancha ou escuna, por R$ 84,00 por pessoa, que fazem o trajeto (de cerca de 3 horas ida e volta) até chegar à Gruta do Talhado. Ali, a embarcação realiza uma parada de cerca de 1 hora para banho e mergulho em uma área reservada e protegida por redes, devido à profundidade do rio - que, em determinados locais, pode chegar a 170 m.
Para chegar ao final da gruta, na parte mais estreita, é necessário que a navegação seja feita em canoas (paga-se em torno de R$ 10,00, e o passeio dura 10 min). Dessa forma, é possível se aproximar das rochas e visualizar de perto os paredões. Durante o trajeto, estão espalhadas as imagens de São Francisco - santo que dá nome ao rio. Na cidade de Canindé, também é possível fazer uma visita ao Museu de Arqueologia de Xingó. Diversas peças fundamentais do passado da região foram encontradas por arqueólogos a partir da construção da Usina, algumas com aproximadamente oito mil anos.

Cânion do Xingó está localizado entre Alagoas e Sergipe. Crédito: Rafael da Silva/Divulgação/JCSeguindo na trilha de Lampião
Aproveitando o turismo da região, Piranhas passou a oferecer, um ano depois da criação dos Cânions do Xingó, a Rota do Cangaço, onde o visitante é convidado a percorrer a trilha na qual os soldados partiram da cidade do Sertão alagoano para a Gruta do Angico, em Poço Redondo, no Sergipe, divisa com a cidade. Neste local, eles surpreenderam Lampião e seu banco e os mataram em 1938. Todas estas histórias podem ser contadas aos visitantes com a ajuda de um guia local.
Há cerca de dois anos, surgiu uma nova rota também em meio à caatinga. Trata-se do Eco Parque, empreendimento que abriga a trilha que refaz o caminho contrário: o que Lampião e seu bando fizeram até chegar à Gruta do Angico. No trajeto, que dura em torno de 1h30min (ida e volta), o guia Cicero Rogerio Oliveira, caracterizado da indumentária que o bando do cangaço utilizava (desenhada por Lampião e costurada pelo bando), conta o que foi o Movimento do Cangaço, apresenta a paisagem semi-árida e relata as histórias pitorescas do local e de seu bando.
Uma curiosidade é que, até hoje, a filha de Lampião e Maria Bonita, Expedita Ferreira Messias, atualmente com 82 anos, percorre a trilha todos os anos no dia em que seus pais foram mortos (28 de julho), mandando rezar uma missa na Gruta do Angico. Para ir de Piranhas até o Eco Parque, o visitante pode pegar o catamarã ou negociar o passeio com algum dos barqueiros que ficam à beira do rio. Os valores para o deslocamento pelas águas giram em torno de R$ 60,00 por pessoa. No entanto, o catamarã, pela baixa do rio nos últimos anos, não faz a visita a Entremontes, povoado das bordadeiras, enquanto as lanchas menores levam até o Eco Parque e ao vilarejo.
Senhor do sertão
Personagem polêmico da história brasileira, Virgulino Ferreira da Silva, conhecido como Lampião, rei do cangaço e senhor do Sertão, é considerado bandido por alguns e herói por outros. Ele foi o principal representante de um movimento social ocorrido no Sertão nordestino durante o fim do século XIX e início do século XX, denominado cangaço.
Os cangaceiros, como eram conhecidos, lutavam contra a política do coronelismo, que levava a maior parte da população a uma situação de miséria e descaso do poder público. Para se manterem, eles saqueavam fazendas e cidades e também contavam com a proteção e apoio de alguns fazendeiros, chamados de coiteiros.