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Publicada em 21 de Novembro de 2025 às 15:48

Marco Maggi convida ao olhar atento em nova exposição na Fundação Iberê

'La Economía de la Atención', nova exposição no Ibere, convida o público a parar para observar

'La Economía de la Atención', nova exposição no Ibere, convida o público a parar para observar

Anderson Astor/Divulgação/JC
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Amanda Flora
Amanda Flora
Observar algo muito pequeno exige mais do que visão aguçada. É preciso intenção e atenção. Quando uma joaninha pousa na mão de alguém desavisado, a primeira coisa que costuma ser feita é observar cada uma das pintinhas do inseto, até que ele voe a perder de vista. Só vemos de verdade quando aceitamos parar. A atenção, quando aplicada ao ínfimo, deixa de ser automática. É quase uma forma de cuidado. E é justamente esse tipo de disposição que o artista uruguaio Marco Maggi convoca em La economía de la atención, exposição que está em cartaz na Fundação Iberê (Padre Cacique, 2.000).
Observar algo muito pequeno exige mais do que visão aguçada. É preciso intenção e atenção. Quando uma joaninha pousa na mão de alguém desavisado, a primeira coisa que costuma ser feita é observar cada uma das pintinhas do inseto, até que ele voe a perder de vista. Só vemos de verdade quando aceitamos parar. A atenção, quando aplicada ao ínfimo, deixa de ser automática. É quase uma forma de cuidado. E é justamente esse tipo de disposição que o artista uruguaio Marco Maggi convoca em La economía de la atención, exposição que está em cartaz na Fundação Iberê (Padre Cacique, 2.000).
Nascido em Montevidéu e vivendo entre Nova York e o Uruguai, Maggi construiu uma carreira internacional manipulando fragmentos mínimos. Sua matéria-prima? Papéis recortados, incisões sobre acrílico, lápis, bolas de sinuca, folhas de alumínio. A partir destes materiais cotidianos, ele cria universos silenciosos, que só se revelam quando o espectador decide se aproximar e prestar a atenção. Na exposição em Porto Alegre, o público encontra doze trabalhos, entre instalações, desenhos e objetos reorganizados como enigmas. Em um deles, Construir y demoler, 576 lápis ocupam o chão; em outro, La sociedad subatómica, 16 bolas de bilhar incolores recebem incisões minuciosas sobre uma mesa de sinuca preta.
O artista diz que o título da mostra carrega duas leituras. A primeira se refere à economia global contemporânea, marcada pela disputa acirrada pela nossa atenção, o “novo petróleo”, segundo ele. “Depois do Big Data, chegamos à economia da atenção, sustentada por essa tentativa de nos manter grudados às telas, pulando de um conteúdo para o outro”, afirma. A segunda leitura aponta para o oposto: a possibilidade de resistir a esse fluxo, economizando a própria atenção, escolhendo conscientemente a que dedicar tempo e presença. E é nessa fresta que sua obra se instala.
Maggi descreve suas peças como materiais “delicados e não impositivos”, que simplesmente deixam de existir se o espectador não se dispõe a olhar. Uma folha de papel, aparentemente em branco quando vista de longe, revela um mês de trabalho ao aproximar o rosto. “A liberdade retorna não só no tempo, mas no espaço. O espectador se torna editor, cineasta. Decide de onde vê, quanto tempo passa ali, se se inclina à direita ou à esquerda. A obra só completa seu ciclo quando alguém se detém”, explica Maggi.
A curadora Patricia Bentancur, descreve a exposição como um sistema visual de estruturas mínimas, “quase imperceptíveis”, que exigem negociação contínua. Para ela, La economía de la atención opera simultaneamente como reflexão política sobre o excesso informacional global e como convite íntimo a outra forma de perceber o cotidiano “devagar e de perto”.
O interesse de Maggi pelo detalhe surge da tentativa de tornar o tempo visível. Trabalhos compostos por milhares de microcortes exigem do público o mesmo percurso que demandaram do artista: tempo prolongado, paciência e disposição para cavar a imagem. “Em vez de grandes gestos ou discursos, busco a delicadeza como atividade subversiva”, diz. Seu uso de materiais ordinários reforça essa ideia de proximidade. “Escolho materiais que não criam distância. Dou a eles uma segunda chance, para que o público também se aproxime sem barreiras.”
Essas composições evocam associações livres e variadas. Alguns observam e rotulam como microchips, mapas, códigos genéticos, constelações. Já o artista não busca exatamente significado. “Não há conteúdo pré-determinado. A obra funciona como um cabideiro: cada um pendura ali suas conclusões, que vão mudando conforme surgem novos detalhes”, afirma.
Para ele, o gesto de olhar demoradamente também é político. Não no sentido partidário, mas como ética da convivência. Segundo o artista, em tempos marcados por velocidade e desatenção, desacelerar e reparar nos detalhes seria uma forma de resgatar a humanidade ofuscada pelas máquinas. “Vivemos uma indigestão semiótica. Informação demais, velocidade demais, distância demais. Meu trabalho é um convite a reconstruir a lentidão e a proximidade. Isso, para mim, é profundamente político”, afirma.
A montagem da exposição na Fundação Iberê foi, segundo ele, “extraordinária”. A delicadeza das obras exigiu uma logística cuidadosa e, ao mesmo tempo, a liberdade do contato próximo. “É quase um teste de civilidade”, comenta. O artista guarda uma relação afetiva com a Capital. Sua participação na Bienal do Mercosul de 2001 impulsionou convites para bienais na Coreia, em São Paulo, Havana e Pontevedra. “Porto Alegre é uma parte muito importante da minha história”, declara.
Em La economia de la atencion, Maggi propõe um exercício de atenção em meio ao ruído. Uma prática rara, um trabalho típico dos observadores de pássaro. A visitação pode ser feita de quinta à domingo, das 14h às 18h. Às quintas, a entrada é gratuita, e de sexta a sábado, os ingressos custam entre R$ 10,00 e R$ 30,00.

 

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