Porto Alegre,

Anuncie no JC
Assine agora

Publicada em 12 de Novembro de 2025 às 15:46

Feira do Livro aquece venda de clássicos e fortalece a reconstrução de bibliotecas pessoais

Com alta de 11,75% nas vendas, 71ª edição reflete a procura por literatura atemporal e a recomposição de acervos

Com alta de 11,75% nas vendas, 71ª edição reflete a procura por literatura atemporal e a recomposição de acervos

FABIOLA CORREA/JC
Compartilhe:
Amanda Flora
Amanda Flora
A 71ª Feira do Livro de Porto Alegre alcançou, nos primeiros 12 dias, 144.956 exemplares vendidos, 11,75% a mais que no mesmo período de 2024. Na prática dos corredores, esse crescimento é percebido pelos feirantes através de um movimento: leitores atrás de clássicos da literatura, muitos com a missão afetiva de recompor bibliotecas pessoais levadas pelas enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul no ano passado.
A 71ª Feira do Livro de Porto Alegre alcançou, nos primeiros 12 dias, 144.956 exemplares vendidos, 11,75% a mais que no mesmo período de 2024. Na prática dos corredores, esse crescimento é percebido pelos feirantes através de um movimento: leitores atrás de clássicos da literatura, muitos com a missão afetiva de recompor bibliotecas pessoais levadas pelas enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul no ano passado.
“Perdi todos os meus livros. Esse aqui eu nunca mais vou achar”, confidenciou um visitante, em uma cena que, segundo livreiros, se tornou comum nas conversas de venda. Para Marga Comassetto, da Tomo Editorial, especialista em obras filosóficas, a feira de 2025 chega com um público mais atento e sedento por conteúdo profundo. “Deu uma melhorada. As pessoas têm buscado filosofia com mais sede”, celebra. O destaque da editora tem sido a coleção Filosofinhos, voltada para crianças. “Fanon e Temistocleia, a professora do Pitágoras apagada da História, são os mais procurados. Existe essa vontade de resgatar narrativas e ensinar as crianças a pensar por si”, afirma. Sobre as enchentes, ela percebe mais resgate do que lamento. “Vi comentários como ‘perdi todos os meus livros’, mas não há dor. Há alegria na busca por reconstruir o que foi importante”, afirma.
Segundo Marga Comassetto, da Tomo Editorial, o destaque da editora é a coleção 'Filosofinhos', voltada para crianças, com os livros sobre o Fanon e a Temistocleia | FABIOLA CORREA/JC
Segundo Marga Comassetto, da Tomo Editorial, o destaque da editora é a coleção 'Filosofinhos', voltada para crianças, com os livros sobre o Fanon e a Temistocleia FABIOLA CORREA/JC
A Livraria Cervo, por sua vez, enxerga um cenário diferente do registrado em 2024. “Ano passado tínhamos um top 3 disparado. Agora está diversificado. Vendem muito Luis Fernando Verissimo, Graciliano Ramos, Gabriel García Márquez, livros mais antigos do que novos”, diz Ana Paula dos Santos, gerente de compras da Cervo. Mesmo com a diversidade, ela sente a queda no volume geral. “A procura está menor. Ano passado teve muito apelo por reposição direta das enchentes. Este ano, aparecem alguns casos, mas menos. Teve uma cliente que voltou porque está recomprando aos poucos a biblioteca inteira que perdeu”, relata.
Na Livraria Erico Verissimo, o coração é o dos clássicos populares e acessíveis. “Nossa maior saída são livros entre R$ 10,00 e R$ 20,00. Noites Brancas (Dostoievski), O Pequeno Príncipe (Saint-Exupéry), Ilíada (Homero), Metamorfose (Kafka) e Dante, com A Divina Comédia, que já esgotou”, lista a livreira Michelle Teixeira, que faz questão da distinção: “Sou livreira, não vendedora”. Ela lembra que a reposição que começou em 2024 ainda continua. “Tem gente recomprando um a um. Não são bibliotecas enormes, mas 100 livros, para quem tem pouco acesso, são um afago no coração”, declara.
No estande do tradicional Beco dos Livros, especializado em usados, a lógica da feira se confirma: o clássico reina sem surpresa. “Dostoievski, Kafka, Agatha Christie — que já virou clássica porque é a que mais vende todo ano —, Caio Fernando Abreu e Erico e Luis Fernando Verissimo praticamente esgotaram”, diz o proprietário Guilherme Dullius. Segundo ele, a preferência é coerente. “O pessoal aposta no que já atravessou séculos. Entre um autor novo e um clássico com 500 anos de chancela, a chance de acerto é maior”, diz.
Já para Guilherme Dullius, proprietário do Beco do Livros, os visitantes tem apostado na compra de clássicos | FABIOLA CORREA/JC
Já para Guilherme Dullius, proprietário do Beco do Livros, os visitantes tem apostado na compra de clássicos FABIOLA CORREA/JC
Entre os leitores, a busca tem diferentes motivos. Entretanto, a palavra mais dita foi: vínculo. O advogado Jorge Brandão, por exemplo, se dedica a recompor o que perdeu. “Eu não tive problemas com a enchente, mas tive com um incêndio. Perdi muitos livros e agora estou recuperando quase todos. Leio literatura gaúcha, sobre a Revolução de 1923, 1930, a nossa história”, conta. 
A também advogada Karen Becker compra para si e para presentear. “Leio três livros ao mesmo tempo, um clássico sempre no meio. A vantagem daqui é o desconto e esse ambiente que vale tudo”, diz, exibindo Feliz Ano Velho, de Marcelo Rubens Paiva, comprado para um amigo e Coração Sem Medo, de Itamar Vieira Junior.
A advogada Karen Becker, que lê três livros simultaneamente, resolveu presentear um amigo com um clássico da literatura contemporânea | FABIOLA CORREA/JC
A advogada Karen Becker, que lê três livros simultaneamente, resolveu presentear um amigo com um clássico da literatura contemporânea FABIOLA CORREA/JC
Já o jornalista e escritor Tom Belmonte, prestes a lançar Rincão do Inferno, segundo volume da trilogia policial que começou com Círculo de Sangue, relaciona a feira à identidade cultural do Estado. “Os gaúchos ainda carregam a literatura como referência. Isso é raro no Brasil. Aqui a literatura ainda tem festa, ritual, encontro”. Ao lado dele, a namorada e empresária catarinense Evolym Paz observa: “Isso aqui é um shopping maravilhoso. Em Santa Catarina não temos esse incentivo à leitura, é bonito de ver”.
O gaúcho Tom Belmonte e a catarinense Evolym Paz passeavam entre os estandes, era a primeira vez da catarinese na Feira da Capital | FABIOLA CORREA/JC
O gaúcho Tom Belmonte e a catarinense Evolym Paz passeavam entre os estandes, era a primeira vez da catarinese na Feira da Capital FABIOLA CORREA/JC
Para o presidente da Câmara Rio-Grandense do Livro, Maximiliano Ledur, o fenômeno ultrapassa o número de vendas. “As escolas ocupando a Praça da Alfândega, as crianças encontrando autores, isso forma leitores e renova a Feira”.
Entre bancas que resistem, livros que retornam às estantes domésticas e leitores que reconstroem narrativas pessoais, a 71ª Feira reafirma seu papel, que vai além de vender livros. É devolver histórias, memória e pertencimento a uma cidade que se reencontra também no coração literário do Centro Histórico.


Notícias relacionadas