Há artistas que pintam cenas reais e há aqueles que reproduzem lugares imaginários. Paulo Amaral, no entanto, parece pintar o tempo. Cada tela sua faz um resgate de décadas distintas. Ao longo desse percurso, o artista acumulou uma larga produção artística. Natural de Bagé, iniciou os estudos em pintura ainda nos anos 1960, e desde então transitou entre diversas técnicas, como óleo, acrílica, gravura, desenho e serigrafia.
Paralelamente a atividade artística, fez sua carreira como engenheiro civil e assumiu posições estratégicas na gestão cultural. Presidiu o Sindicato da Indústria da Construção Civil do Rio Grande do Sul (Sinduscon-RS), comandou o Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Margs) em três períodos distintos e esteve à frente do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), órgão federal responsável por grandes instituições museológicas do país. Atualmente, coordena a área de artes visuais da Secretaria da Cultura de Porto Alegre e participa do projeto de reestruturação do futuro Museu de Arte do Paço - localizado onde é a prefeitura antiga da Capital.
É nesse passeio temporal que ganha corpo a exposição Paulo Amaral: uma seleção de 50 anos de Arte, que está aberta ao público desde o dia 27 de setembro, na Galeria Bublitz (Av. Neusa Goulart Brizola, 143). Com vernissage das 11h às 13h, a visitação segue aberta até 25 de outubro e tem entrada gratuita.
A mostra reúne 20 obras escolhidas a partir do próprio acervo do artista, não por coerência de fases, mas por afinidade e afetos. “Essas obras são de tempos diversos. Não têm lógica entre si, e isso é o interessante”, explica. Quem caminhar pela exposição verá, lado a lado, óleos, acrílicas, desenhos e serigrafias, cidades reais e imaginadas, fachadas preservadas e outras já extintas na paisagem urbana.
Nicholas Bublitz é o responsável pela curadoria da mostra, segundo ele, reunir esse material significa revisitar a produção de um artista consolidado e preservar uma memória coletiva. Inclusive, Amaral é um grande admirador do patrimônio, tendo atuado em diferentes frentes em defesa de construções antigas e isso se reflete em seu trabalho — muitas obras mostram paisagens urbanas com edificações ornamentais.
Há obras que sobrevivem como testemunhos. Uma pequena aquarela da antiga Ponte Pênsil sobre o Mampituba, hoje inexistente, reaparece na parede. Um detalhe de janela da Rua Garibaldi recorda os tempos em que, nos anos 1970, Amaral saía às ruas com outros pintores para participar do movimento de defesa ao patrimônio histórico. “Salvamos muitos prédios e perdemos tantos outros”, conta, ainda com pesar.
As portas e janelas, repetidas como emblemas ao longo da carreira, nasceram desse instinto de preservação e viraram marca registrada de Amaral. “A serigrafia se presta muito a esse tema. É chapada, direta, com cores definidas. Fiz mais de cem gravuras com portas e janelas”, recorda.
Embora reconhecido principalmente como pintor de arquitetura e paisagem urbana, Amaral já explorou também o desenho em carvão e grafite. Em uma de suas exposições recentes, apresentou registros do Lincoln Park, em Chicago, feitos durante uma viagem. “Foi uma das exposições mais importantes para mim, porque era puro sentimento”, relembra.
Ele admite que hoje dedica mais tempo à pintura acrílica em grandes formatos, por ser mais procurada e mais viável tecnicamente. “É uma questão de sobrevivência profissional também. Embora eu não viva só disso, ajuda muito”, diz. E desabafa a dualidade de viver entre o rigor técnico e a liberdade da criação. “Nunca tive disciplina. Pintava de madrugada depois das reuniões de trabalho. Hoje já não tenho mais energia para isso”, conta.
O tempo, para ele, não é linha reta. Por isso prefere falar em “tempos”, não fases. A exposição apresentada na Galeria Bublitz segue essa lógica. Em vez de cronologia, oferece sobreposições. Aos 75 anos, Amaral não espera solenidade, espera encontro. “Já fiz muitas exposições. Não é mais questão de consagração. É mais uma oportunidade de dividir o que senti ao longo desses anos”, resume.
Ao visitante, cabe atravessar essas portas e janelas, e descobrir que, mais do que obras, elas são convites aos diversos “tempos” do artista.