Quatro anos depois de apresentar ao público seu primeiro disco, Um Quarto de Si, o compositor porto-alegrense Glênio Bohrer volta a compartilhar canções guardadas ao longo de décadas em gavetas, cadernos e memórias. Seu novo projeto, Embaraço, chega em dois volumes: o primeiro lançado no dia 11 de setembro nas plataformas digitais, o segundo previsto para novembro, acompanhado de show no Espaço 373, em Porto Alegre.
Segundo o próprio artista, o título sugere delicadeza e conflito, um nó a ser desfeito com paciência. A escolha nasceu da canção homônima, escrita pelo parceiro de longa data Claudio DusSantos e interpretada por Dani Calixto. A letra retrata o fim de uma relação sob a ótica feminina. O curioso, é que anos mais tarde, Bohrer se arriscou a escrever a resposta masculina da música, mantendo a mesma melodia — esta será lançada na segunda parte, em novembro. “Demorei 15 anos para conseguir dar essa devolutiva. Foi um desafio cruel, mas quando finalmente saiu, fechou um ciclo”, contou em entrevista ao Jornal do Comércio. O diálogo entre as duas versões abre e encerra o disco dividido em duas partes.
Produzido em parceria com o pianista e arranjador Cristian Sperandir, Embaraço reúne 16 faixas originais que atravessam universos diversos da música brasileira, misturando do samba e afro-samba às influências caribenhas, passando por bolero, foxtrot e canções de sotaque regional. “Não sou músico, componho de um jeito muito intuitivo. As melodias aparecem na minha cabeça, eu gravo no celular e depois desenvolvo. Acho que essa diversidade tem a ver com tudo que ouvi a vida inteira”, explica o também arquiteto.
Segundo o autor, o nome do trabalho carrega uma certa dualidade, pois embaraço pode significar muita coisa, não apenas confusão, nó, bagunça ou uma certa timidez. Ele conta que existe uma brincadeira linguística. “Na nossa língua, uma situação embaraçosa, pode ser uma situação conflituosa, de indecisão. Mas em espanhol é a gravidez. E a canção conta a história de um relacionamento, de uma situação de rompimento, de abandono, cantado em uma versão feminina”, explica.
Para dar voz a cada composição, Bohrer convidou 16 intérpretes, todos ligados à cena musical gaúcha. Entre os nomes estão Marcelo Delacroix, Laura Dalmás, Dudu Sperb, Mônica Tomasi, Loma Pereira e Indira Castro. “Cada cantor trouxe um espírito diferente, uma cor própria. Foi um casamento feliz entre cada música e cada voz”, diz. Ele próprio também participa de uma das interpretações.
A amizade com DusSantos e Aldo Votto, iniciada nos tempos de colégio, segue sendo uma fonte de inspiração para o compositor. O trio compartilha memórias e referências musicais semelhantes — Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Djavan e Aldir Blanc foram alguns dos nomes mencionados na conversa. “É raro manter uma parceria criativa por quase 50 anos. Para mim, tem um espírito coletivo, mesmo que eu esteja liderando o processo de produção do álbum”, reflete.
Se em Um Quarto de Si a condução partia do violão de Toneco da Costa, em Embaraço o piano de Sperandir amplia as possibilidades de ritmo. O resultado: um álbum que combina muitas vozes e uma ousadia musical importante, mas sem perder essa unidade buscada pelo compositor. “É um mergulho em diferentes tempos da minha trajetória: músicas escritas aos 19 anos convivem com composições feitas agora, nos últimos dois anos”, afirma.
O lançamento de uma versão física para o trabalho faz parte dos planos. Para Bohrer, ter o registro em CD, com encarte, letras e créditos completos, é parte essencial do processo e aproxima quem aprecia “dessa coisa física” — além do charme de pegar na mão, tocar e ler as letras. “As plataformas não contam toda a história. O disco físico é um documento”, defende.
O show de novembro, no Espaço 373, marca o lançamento da segunda parte do álbum, e promete reunir grande parte dos intérpretes, a fim de recriar no palco a atmosfera de coletividade que pairou sobre a produção do trabalho. “Vai ser vibrante, cheio de afeto. Reunir tanta gente talentosa é sempre uma energia poderosa”, afirma, empolgado.
Ao observar a própria trajetória, o compositor vê em sua obra uma continuidade natural, principalmente baseada na amizade, nos gostos e nos afetos. “Não penso em termos de começo e fim. Acho que cada canção é um pedaço de algo maior, um recorte da música popular brasileira na qual me formei e continuo me reconhecendo”, diz. E conclui sobre o que espera de retorno do público: “Minha expectativa é que quem ouvir Embaraço consiga mergulhar, mesmo que por instantes, no diálogo entre letra e melodia, palavra e afeto”.