De Gramado
Uma coisa deve ser dita: a seleção dos longas para a mostra competitiva nacional do Festival de Cinema de Gramado em 2025 foi a melhor em muitos anos. Ao contrário de edições anteriores, o público que compareceu ao Palácio dos Festivais pôde saborear uma seleção coesa e equilibrada, sem 'bombas' e com alguns subtextos muito interessantes conectando as realizações que foram à tela. Encerrando a competição de longas nesta quinta-feira, Cinco Tipos de Medo, de Bruno Bini, fechou a conta e passou a régua do jeito que o festival merecia: com muita ação, suspense e reviravoltas, em um longa marcado pelo roteiro muito bem amarrado e pela montagem impecável.
Primeiro longa-metragem do Mato Grosso a integrar a mostra principal de Gramado, Cinco Tipos de Medo tem como eixo a relação entre o jovem músico Murilo (João Vitor Silva), em luto após a perda da mãe durante a pandemia de Covid-19, e Marlene (Bella Campos), enfermeira que se apaixona por ele, mas se vê amarrada pela conexão com Sapinho (Xamã), traficante que controla o comércio de drogas na comunidade em que ela reside. O confronto entre Murilo e Sapinho acaba atravessando as vidas de Luciana (Bárbara Colen), policial que busca vingança pela morte do filho, e Ivan (Rui Ricardo Diaz), advogado que parece ter um interesse inexplicável e sombrio na situação toda.
Fazendo uso de uma narrativa não-linear, Bruno Bini constrói uma teia complexa e sem pistas claras, ao ponto do espectador sentir-se quase sem chão na primeira meia hora de filme - o que, é claro, faz com que as revelações posteriores acabem sendo ainda mais recompensadoras a quem mergulha de cabeça na história em tela. Além da história intrigante, o longa não tem medo de apostar na ação para manter o espectador sentado na ponta da cadeira: tiroteios, perseguições, brigas corpo-a-corpo e até rebelião em presídio surgem para manter a tensão lá em cima, em um filme que não tem nenhum constrangimento na hora de priorizar o entretenimento.
Com nada menos que cinco protagonistas e sempre com ao menos três tramas correndo paralelamente, um filme como Cinco Tipos de Medo desabaria sob o próprio peso sem um roteiro bem amarrado e uma montagem para lá de cuidadosa. Felizmente, é nesses dois aspectos que o longa mais firmemente se destaca: não há nenhuma ponta solta, nenhuma trama demora demais a se desenvolver, nenhuma sequência parece encher linguiça ou ser conveniente demais. Some-se essa destreza a um elenco afiado e convincente, além de uma cinematografia correta e sem excessos, e o resultado é um thriller de alto nível, que não deixa nada (mesmo) a dever aos recentes destaques internacionais do gênero.
Talvez a falta de um comentário político mais explícito incomode quem vê no cinema um compromisso com a discussão sobre o mundo, e o formato que por vezes lembra uma série de streaming pode parecer comercial demais para os contornos de um festival de cinema. Mas aí estamos entrando em um terreno distinto, das expectativas que todos carregam ao sentar na frente da telona. Um filme é responsável pelo que ele propõe de fato, não pelo que achamos que ele deveria propor - e nesse sentido Cinco Tipos de Medo é vitorioso, já que ninguém dirá que é vazio de emoção e reviravoltas. Um ótimo encerramento para uma seleção das mais felizes que Gramado teve em muito tempo.