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Publicada em 21 de Agosto de 2025 às 12:07

OPINIÃO: Abordando lutos de forma sensível, 'A Natureza das Coisas Invisíveis' vira favorito em Gramado

19/08/2025 - 53º Festival de Cinema de Gramado - Equipe do longa-metragem brasileiro

19/08/2025 - 53º Festival de Cinema de Gramado - Equipe do longa-metragem brasileiro "A Natureza das Coisas Invisíveis", de Rafaela Camelo | Foto oficial: Cleiton Thiele/Ag.Pressphoto

CLEITON THIELE/PRESSPHOTO/DIVULGAÇÃO/JC
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Igor Natusch
Igor Natusch Editor de Cultura
De Gramado
De Gramado
A noite de terça-feira (19) viu nascer um forte candidato aos Kikitos no 53º Festival de Cinema de Gramado. Primeiro longa de ficção da diretora Rafaela Camelo, A Natureza das Coisas Invisíveis impressionou positivamente o público no Palácio dos Festivais, merecendo repetidas rodadas de aplausos após a exibição. Uma recepção bastante merecida: equilibrando-se em uma fronteira nem sempre fácil entre drama e generosidade, cotidiano e espiritual, o longa consegue lançar um olhar sensível e afetuoso sobre o sempre delicado tema do luto, sem jamais parecer forçado e mantendo um controle admirável de ritmo e narrativa.

O eixo do longa é a relação de amizade entre Glória (Laura Brandão), filha de uma plantonista de um hospital, e Sofia (Serena), que acompanha a bisavó doente, com a memória prejudicada e que se encaminha para os últimos momentos da vida. A amizade entre as filhas acaba aproximando as mães de uma e outra, e conduz à decisão conjunta de passarem uns dias no sítio onde a bisavó residia, como forma de atender sua vontade e, ao mesmo tempo, oferecer uma quebra de rotina para as duas crianças em férias. Lá chegando, diferentes lutos em torno das personagens ganham sua conclusão, abrindo espaço também para temas como aceitação e questões de gênero, sempre a partir de uma perspectiva de cuidado mútuo e com pitadas (delicadas e nunca intrusivas) de sobrenatural.

Há muitos méritos no filme, e um dos mais destacados está no controle ao mesmo tempo rígido e delicado da cadência. A Natureza das Coisas Invisíveis é um filme que não se apressa e, ao mesmo tempo, não se demora demais em lugar algum: todos os aparentes atalhos (como, por exemplo, a forma como a amizade de Glória e Sofia se estabelece, em meio aos objetos guardados dos que "foram embora" do hospital) servem, ao mesmo tempo, como forma de consolidar elementos fundamentais para o significado do filme, de forma que nada parece acidentado ou conveniente demais. A própria ida de todas ao sítio, que poderia ganhar um sabor gratuito se conduzida por mãos menos cuidadosas, é construída de forma a parecer, se não natural, ao menos convincente dentro da trama - e é esse giro de cenário, que quase divide o longa em duas partes, que permite ao aspecto espiritual surgir em sua plenitude. Diretora de inegável talento, Rafaela Camelo também se envolveu com o roteiro e com a montagem do longa, o que evidencia não apenas seu compromisso com o ritmo, mas a clareza da visão que tão bem funciona no produto final.

A atuação das duas meninas que conduzem a ação é igualmente digna de elogios: ambas surgem na tela com confiança e naturalidade, fazendo o espectador sorrir quando sorriem, frágeis ou silenciosas quando necessário. Os diálogos entre elas trazem uma camada profunda e por vezes impactante, ainda que sempre seja a conversa doce de duas crianças que descobrem o mundo e tentam entender a si mesmas dentro dele. Atrizes não profissionais, como as benzedeiras da comunidade próxima ao sítio, têm participações importantes e falas significativas, e a relação de afeto entre as mulheres - crianças, adultas e idosas - em cena é construída a partir de sequências emotivas e, não raro, arrebatadoras. Mais uma vez, méritos da diretora e de sua capacidade de conduzir personagens e situações. É um filme que encanta aos poucos, que convida quem o assiste a colocar-se no ponto de observação das duas jovens protagonistas e não apenas testemunhar o que vivenciam, mas vivenciar junto e até aprender com elas.

Não é a troco de nada que A Natureza das Coisas Invisíveis virou assunto de todas as conversas em Gramado na manhã seguinte à sua exibição. Em uma seleção que, até o momento, vem mostrando muito bom nível (sem nenhuma 'bomba' e com filmes que, mesmo passíveis de críticas eventuais, entregam experiências enriquecedoras a quem senta para assisti-los), destacar-se claramente como favorito é, em si mesmo, uma grande coisa - e longe de ser um demérito aos demais, mas A Natureza das Coisas Invisíveis é sem dúvida o mais rico em um pacote que (ainda bem) está bem longe da escassez. Vale a pena ir aos cinemas a partir de 27 de novembro, quando o filme estreia nacionalmente, e apreciar o belo primeiro longa de Rafaela Camelo, uma cineasta que merece ser acompanhada de perto por quem ama essa coisa de quadros por segundo passando em uma tela.

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