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Publicada em 19 de Agosto de 2025 às 15:39

OPINIÃO: Mesmo rachada ao meio, comédia dramática 'Querido mundo' consegue fazer sorrir

Longa dirigido por Miguel Falabella levou história de amor entre ruínas ao Palácio dos Festivais nesta segunda-feira (18)

Longa dirigido por Miguel Falabella levou história de amor entre ruínas ao Palácio dos Festivais nesta segunda-feira (18)

CLEITON THIELE/PRESSPHOTO/DIVULGAÇÃO/JC
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Igor Natusch
Igor Natusch Editor de Cultura
Qualquer produto audiovisual que traga o nome Miguel Falabella nos créditos traz em si uma assinatura marcante, em mais de um sentido. De certa forma, já se sabia o que apareceria na tela do Palácio dos Festivais muito antes de Querido Mundo ter sua primeira exibição pública, como parte da mostra competitiva de longas do 53º Festival de Cinema de Gramado: humor vigoroso, por vezes escrachado, motivado por situações potencialmente absurdas e com referências generosas a outros realizadores e produções. Assim, não dá para dizer que o novo longa de Falabella (adaptado a partir de uma peça teatral escrita em parceria com Maria Carmen Barbosa e dirigido a quatro mãos com Hsu Chien) seja uma surpresa, um triunfo inesperado daqueles capazes de puxar o tapete de quem sentou para assisti-lo. Não há reinvenção e, definitivamente, não há nada fora do comum acontecendo na tela.
Qualquer produto audiovisual que traga o nome Miguel Falabella nos créditos traz em si uma assinatura marcante, em mais de um sentido. De certa forma, já se sabia o que apareceria na tela do Palácio dos Festivais muito antes de Querido Mundo ter sua primeira exibição pública, como parte da mostra competitiva de longas do 53º Festival de Cinema de Gramado: humor vigoroso, por vezes escrachado, motivado por situações potencialmente absurdas e com referências generosas a outros realizadores e produções. Assim, não dá para dizer que o novo longa de Falabella (adaptado a partir de uma peça teatral escrita em parceria com Maria Carmen Barbosa e dirigido a quatro mãos com Hsu Chien) seja uma surpresa, um triunfo inesperado daqueles capazes de puxar o tapete de quem sentou para assisti-lo. Não há reinvenção e, definitivamente, não há nada fora do comum acontecendo na tela.
A pergunta aqui, porém, é a seguinte: precisa? Porque a verdade é que, em momento algum, Querido Mundo se pretende mais do que de fato é: uma comédia com toques dramáticos e uma suave (embora quase permanente) aura de melancolia, bem na linha do que se associa com a Commedia all'italiana dos anos 1960 e 1970 e que trabalha com cuidado seus personagens principais rumo ao encontro que todo mundo sabe, desde o início, que vai acabar acontecendo. De um lado, temos Elsa (Malu Galli), mulher do interior presa a um casamento fracassado com o violento Gilberto (Marcelo Novaes) e que se vê arrastada pelo marido ao Rio de Janeiro após a queda de uma ponte arruinar o sítio onde viviam. Do outro, o melancólico Oswaldo (Eduardo Moscovis), engenheiro que não vê mais sentido nem na carreira, nem no casamento com a amargurada e hostil Odilia (Danielle Winits). Os dois acabam indo morar no mesmo prédio abandonado e, após uma explosão, ficam presos juntos em meio aos escombros, o que abre a chance para que encontrem, um no outro, a energia para transformarem suas vidas.
No fundo, Querido Mundo é um filme dividido em duas partes. Nos primeiros 45 minutos, mais ou menos, o clima é tão pesado que a comédia mal tem espaço para aparecer. Na verdade, é quase como se Falabella maltratasse de propósito seus protagonistas: Elsa apanha várias vezes de Gilberto em cena aberta, Oswaldo surge resignado diante das agressões verbais da esposa e das humilhações no trabalho. O humor, quando surge, é discreto (como na cena em que Elsa e a atendente do boteco de estrada conversam sobre as vezes que 'caíram da escada'), e a primeira metade do longa acaba sendo emocionalmente penosa, quase difícil mesmo de assistir. 
Quando ocorre a explosão que une Elsa e Oswaldo e quase coloca o prédio abaixo, tudo muda. Malu Galli e Du Moscovis se soltam, atuam com confiança e desenvoltura, e a improvável paixão entre os dois funciona imediatamente, movida por situações divertidas à beira do absurdo, sem resvalar na caricatura. É nesse momento que as maiores qualidades do trabalho de Miguel Falabella surgem na tela, transformando a melancolia quase opressiva da primeira parte em uma comédia romântica vibrante, cheia de encanto e genuinamente divertida. É de se questionar se a divisão em duas partes tão antagônicas foi a melhor escolha narrativa para o longa, mas é inegável que o ousado truque, em última análise, funciona e ajuda o filme a entregar o que promete.
Críticas certamente serão feitas à opção por uma marcação de atores à beira do teatral, com uma direção de câmera que muitas vezes opta pelo estático diante do movimento dos personagens em cena. Pessoalmente, não me parece que isso seja um problema, e reduzir Querido Mundo a uma espécie de teatro filmado vai exigir uma certa dose de rabugice. A escolha pelo preto e branco, que só se justifica plenamente quase no final da película, também pode suscitar alguns debates. Mas me parece que, no final das contas, Querido Mundo consegue ser a comédia de mensagem positiva que se propõe a ser - daquelas que provocam mais sorrisos que gargalhadas, é certo, mas que tem tudo para fazer o espectador sair da sala de exibição se sentindo melhor do que entrou. Mesmo que ele precise sofrer um pouco pelo caminho.
"Sou um homem do teatro, jamais negarei o que sou", diz Falabella
Após a estreia como parte da mostra competitiva nacional do Festival de Gramado, nesta segunda-feira (18), elenco e equipe estiveram na Sociedade Recreio Gramadense na manhã de terça-feira (19), participando de debate com o público. Na ocasião, Miguel Falabella (conhecido, acima de tudo, por seus trabalhos em teatro e televisão) deixou claro que o diálogo entre teatro e cinema estava previsto desde sempre. "Sou acima de tudo um homem do teatro, jamais poderei fugir do que eu sou", acentuou. "O cinema, para mim, é uma paixão de espectador, de menino que gosta de fazer homenagens ao que viu e o emocionou. Desde o início eu queria que Querido Mundo fosse um pouco como uma fábula, e aí a narrativa dele precisaria necessariamente estar embebida em linguagem teatral."
"Quando li a adaptação, percebi como a transposição da peça para o cinema tinha sido feita de forma muito feliz", reforçou o ator Eduardo Moscovis, que também acentuou seu entrosamento com o restante do elenco, em especial Malu Galli. "Eu sabia que, quando ficássemos só nós no meio daquelas ruínas, o desafio seria muito grande. Quando soube que a Malu seria a (atriz por trás do) personagem, fiquei aliviado e muito feliz", acrescentou.
A atriz afirma que sua memória das rodagens é de "dias muito agradáveis e felizes", apesar das eventuais cenas de angústia e até violência física para sua personagem. "A minha memória não é de dificuldades, mas de um trabalho complexo, em um set inóspito. Gente, era muita poeira (risos). Mas o Miguel nos inspira todo dia no set com sua generosidade, ele e Hsu têm um conhecimento inesgotável, tudo isso contribui para que as gravações fossem muito divertidas."

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