De Gramado
Estreia do diretor Douglas Soares nos longas de ficção, Papagaios chegou ao Palácio dos Festivais neste domingo (17) com uma proposta ao mesmo tempo fascinante, divertida e arriscada. Lançando seu olhar para o quase cômico universo dos papagaios de pirata - aquelas figuras que ficam no fundo das transmissões jornalísticas de televisão, brigando por um espaço entre os ombros de repórteres e entrevistados - o filme pretendia construir a partir dele uma espécie de thriller, misturando ficção e pitadas de realidade em uma história capaz de prender o espectador na cadeira do cinema. Natural que, com uma premissa tão instigante, a expectativa em torno do longa fosse bastante alta - pena que a película, embora tenha vários pontos positivos, acabe se perdendo um pouco entre as próprias pretensões, deixando um gostinho de boa receita que poderia ter ficado no forno um pouquinho mais.
O argumento, de fato, é muito interessante. Papagaio de pirata experiente, Tunico (Gero Camilo) acaba entrando em contato com Beto (Ruan Aguiar), jovem silencioso e meio misterioso que se coloca numa posição de aprendiz diante do mestre. Enquanto vai pegando as manhas do ofício, Beto vai, ao mesmo tempo, se apropriando mais e mais da vida de Tunico, em um jogo de tensão a princípio subentendida, mas que vai surgindo de forma cada vez mais explícita. Para a dupla de papagaios de pirata, o evento definidor da jornada será a aparição de Leo Jaime (sim, o músico, no papel dele mesmo), homenageado no samba-enredo da escola de samba do bairro e que se mostra a chance de ouro para uma aparição televisiva capaz de marcar época.
As atuações de Gero e Ruan, cada um na sua, são sólidas e seguras, dando aos dois personagens os contornos necessários para fazer a história avançar. O problema é que, no caldeirão proposto por Douglas Soares, acaba faltando um dose mais generosa de humor - que, convenhamos, é algo inerente ao tema retratado e não deveria ser tão difícil de inserir na receita. Mesmo que a proposta do longa não seja pisar com os dois pés na comédia, quem vai pensar em um papagaio de pirata sem esperar ao menos algumas risadas? Descrito com frases como "o melhor amigo da reportagem", a verdade é que quase não se vê Tunico sendo, de fato, a figura popular e divertida que se supõe que ele seja: quase ao contrário, o que se realça é a vaidade calculista de quem planeja cada aparição, o mau humor quase egoísta de quem se sente traído sempre que aparece menos no enquadramento do que gostaria.
No fim das contas, a gente fica querendo gostar mais de Tunico, mas não consegue - o que seria especialmente importante considerando que Beto, mistura de pupilo e antagonista, desde o início deixa claro ser uma pessoa estranha e perigosa, com a qual o espectador nunca vai conseguir se sentir à vontade. Como falta o alívio cômico, chega um ponto em que a relação dos dois é pura tensão para quem assiste - o que prende a atenção, sem dúvida, mas não chega a causar encantamento ou identificação. De fato, os melhores momentos do longa são justamente aqueles em que a interação entre os protagonistas abre margem para uma certa picardia - como na maravilhosa sequência em que os dois ensaiam os movimentos ao som de Naquela Mesa, imortalizada por Nelson Gonçalves, ou quando Tunico ridiculariza Beto pela jaqueta jeans puída que escolheu como assinatura pessoal.
Claro que a proposta do filme é a proposta do filme, não o que gostaríamos que a proposta do filme fosse. Papagaios é um thriller, não uma comédia com toques de suspense, e é nessa direção que Douglas Soares construiu (no geral, de forma coerente e competente) seu longa de estreia na ficção. Mas talvez o diretor (que também elaborou o argumento e o roteiro, ao lado de Humberto Carrão) tenha levado sua disposição de ser fiel ao gênero além do que o próprio filme precisava para respirar. De fato, há tanto esmero em criar desconforto e deixar coisas nas entrelinhas que por pouco o filme não desamarra de vez - ao ponto de ser necessária, quase ao final do filme, uma cena quase didática com uma equipe de reportagem para que o desfecho fizesse sentido. Querendo demonstrar respeito absoluto pelo suspense, a direção acabou frustrando a Papagaios (e ao público) a chance de rir de si mesmo - o que talvez, em um quase paradoxo, tivesse resultado em um filme mais cativante. Ficou bom, mas podia ter ficado melhor.
O argumento, de fato, é muito interessante. Papagaio de pirata experiente, Tunico (Gero Camilo) acaba entrando em contato com Beto (Ruan Aguiar), jovem silencioso e meio misterioso que se coloca numa posição de aprendiz diante do mestre. Enquanto vai pegando as manhas do ofício, Beto vai, ao mesmo tempo, se apropriando mais e mais da vida de Tunico, em um jogo de tensão a princípio subentendida, mas que vai surgindo de forma cada vez mais explícita. Para a dupla de papagaios de pirata, o evento definidor da jornada será a aparição de Leo Jaime (sim, o músico, no papel dele mesmo), homenageado no samba-enredo da escola de samba do bairro e que se mostra a chance de ouro para uma aparição televisiva capaz de marcar época.
As atuações de Gero e Ruan, cada um na sua, são sólidas e seguras, dando aos dois personagens os contornos necessários para fazer a história avançar. O problema é que, no caldeirão proposto por Douglas Soares, acaba faltando um dose mais generosa de humor - que, convenhamos, é algo inerente ao tema retratado e não deveria ser tão difícil de inserir na receita. Mesmo que a proposta do longa não seja pisar com os dois pés na comédia, quem vai pensar em um papagaio de pirata sem esperar ao menos algumas risadas? Descrito com frases como "o melhor amigo da reportagem", a verdade é que quase não se vê Tunico sendo, de fato, a figura popular e divertida que se supõe que ele seja: quase ao contrário, o que se realça é a vaidade calculista de quem planeja cada aparição, o mau humor quase egoísta de quem se sente traído sempre que aparece menos no enquadramento do que gostaria.
No fim das contas, a gente fica querendo gostar mais de Tunico, mas não consegue - o que seria especialmente importante considerando que Beto, mistura de pupilo e antagonista, desde o início deixa claro ser uma pessoa estranha e perigosa, com a qual o espectador nunca vai conseguir se sentir à vontade. Como falta o alívio cômico, chega um ponto em que a relação dos dois é pura tensão para quem assiste - o que prende a atenção, sem dúvida, mas não chega a causar encantamento ou identificação. De fato, os melhores momentos do longa são justamente aqueles em que a interação entre os protagonistas abre margem para uma certa picardia - como na maravilhosa sequência em que os dois ensaiam os movimentos ao som de Naquela Mesa, imortalizada por Nelson Gonçalves, ou quando Tunico ridiculariza Beto pela jaqueta jeans puída que escolheu como assinatura pessoal.
Claro que a proposta do filme é a proposta do filme, não o que gostaríamos que a proposta do filme fosse. Papagaios é um thriller, não uma comédia com toques de suspense, e é nessa direção que Douglas Soares construiu (no geral, de forma coerente e competente) seu longa de estreia na ficção. Mas talvez o diretor (que também elaborou o argumento e o roteiro, ao lado de Humberto Carrão) tenha levado sua disposição de ser fiel ao gênero além do que o próprio filme precisava para respirar. De fato, há tanto esmero em criar desconforto e deixar coisas nas entrelinhas que por pouco o filme não desamarra de vez - ao ponto de ser necessária, quase ao final do filme, uma cena quase didática com uma equipe de reportagem para que o desfecho fizesse sentido. Querendo demonstrar respeito absoluto pelo suspense, a direção acabou frustrando a Papagaios (e ao público) a chance de rir de si mesmo - o que talvez, em um quase paradoxo, tivesse resultado em um filme mais cativante. Ficou bom, mas podia ter ficado melhor.