Filho de lavradores e nascido em 1909 no município de Sales de Oliveira, no interior de São Paulo, José Antônio da Silva começou sua trajetória artística em paralelo com a roça, com atividades ligadas ao cultivo do café e de outras culturas agrícolas típicas daquele tempo. Autodidata, ele deu início a suas primeiras pinturas nas horas vagas, utilizando materiais improvisados e transformando o cotidiano de sua rotina interiorana em telas carregadas de movimento, cor e simbolismo. Em 1948, realizou sua primeira individual, teve todas as obras vendidas e conquistou críticos ligados ao modernismo paulista.
Sob essa influência, a Fundação Iberê (Padre Cacique, 2000) recebe a exposição José Antônio da Silva: Pintar o Brasil, até o dia 2 de novembro. A mostra se dedica a mostrar as telas deste que é considerado um dos nomes mais emblemáticos da arte naïf brasileira do século XX. Segundo o curador espanhol Gabriel Pérez-Barreiro, a ideia surgiu do convite da Fundação para trazer "um olhar renovado" sobre o artista. A visitação está aberta de quinta a domingo, das 14h às 18h.
Organizada por eixos temáticos, a exposição carrega as preocupações do artista com a vida caipira, cenas religiosas, paisagens, naturezas-mortas e autorretratos. "O público costuma lembrar das plantações de algodão e das cenas rurais, mas talvez desconheça as naturezas-mortas e o universo religioso, que também são centrais na obra do Silva", observa o curador. Por isso uma organização temática, para mostrar a liberdade com que o artista transitava entre assuntos.
Entre as 44 obras selecionadas para a mostra, uma das que o curador fez questão de incluir foi Espantalho na Paisagem, de 1950, pintura que rendeu o prêmio da primeira Bienal de São Paulo a Silva. Mesmo não vendo no artista alguém de "grandes obras-mestras", Pérez-Barreiro explica que a força do conjunto está justamente na diversidade de cada trabalho. Por isso, espera que o público se aproxime da exposição não com uma postura de análise histórica, mas com sensibilidade. "É uma pintura que provoca uma reação emocional a quem vê", destaca.
O trabalho de Silva não carrega romantismo - na verdade, esta bem longe do movimento. Em seus quadros, rebanhos atravessam tempestades, florestas cedem às queimadas e personagens realizam tarefas cotidianas em territórios marcados por instabilidade e transformação. Para Gabriel, essa imagem permanece atual e se volta ao contexto brasileiro atual, em que há um conflito entre o popular e as elites urbanas. "Ele fala de um Brasil autêntico, interiorano, que muitas vezes é invisibilizado pelas elites, e essas disputas continuam muito vivas hoje", afirma.
Gabriel destaca ainda os paralelos com Van Gogh e a influência da vivência rural na obra de Silva. "Há pontos claros de comparação com Van Gogh, especialmente no uso expressivo da cor e na intensidade, mas o que marca o Silva é sua relação profunda com o mundo rural brasileiro. Ele pintava o campo, os trabalhadores, a vida cotidiana, com uma liberdade e energia que o Van Gogh não tinha, criando imagens que são, ao mesmo tempo, populares e absolutamente singulares", pondera o curador.
Essas comparações com Van Gogh levaram Silva a se representar ao lado do pós-impressionista e de Picasso numa tela intitulada Os Três Gênios da Pintura Moderna. Gabriel reconhece a pertinência da relação, ainda mais quando se pensa na relação emotiva que ambos os artistas tinham com a paisagem. Mas lembra que a arte do brasileiro está distante das construções europeias, focado numa visão popular e nacionalista.
A exposição também enfatiza o lugar singular ocupado por Silva no campo artístico brasileiro. Com um trabalho que não se enquadra totalmente na arte popular nem na arte erudita, mas sim "num terceiro espaço", define o curador, já que Silva não reproduziu repertórios coletivos, mas criou uma linguagem própria profundamente ligada a esse imaginário nacional. Essa singularidade também aparece na forma de trabalho. Silva produziu mais de cinco mil telas, muitas delas pintadas rapidamente, em sequência. É um conjunto movido mais pela urgência de criar do que por estratégias conceituais.
Apesar de ter alcançado amplo reconhecimento nas décadas de 1950 e 60, chegando a representar o Brasil na Bienal de Veneza e a ganhar o prêmio de aquisição do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque (MoMA) na primeira Bienal de São Paulo, a visibilidade do artista diminuiu ao longo dos anos. Para Gabriel, o regresso da obra de Silva às salas de um museu como a Fundação Iberê representa uma oportunidade de reavivar sua trajetória e trazer esses assuntos ao centro dos debates sobre modernidade no Brasil. "Acho que é uma exposição que conecta com as pessoas. Mesmo quem vive longe da vida rural reconhece, de alguma forma, que aquela intensidade e aquela paixão transbordam", finaliza o curador.