O Coletivo Gompa é uma das atrações da Mostra Movimenta Cena Sul, com a peça A menina dos olhos d'água, espetáculo que aborda a realidade dos refugiados climáticos para o público infantil. Após pré-estreias em Munique (DE) e no Rio de Janeiro (RJ), em abril, e duas sessões de estreia no Instituto Goethe em junho deste ano, a montagem chega ao Teatro Simões Lopes Neto (rua Riachuelo, 1089) para uma única apresentação, nesta segunda-feira (28), às 19h. Os ingressos custam R$ 20,00 (meia-entrada) e R$ 40,00 (inteira) e podem ser adquiridos pelo site do Theatro São Pedro (TSP).
Segundo a diretora do espetáculo, Camila Bauer, a iniciativa surgiu a partir da experiência vivida no Rio Grande do Sul em maio de 2024, quando uma série de inundações afetaram milhares de pessoas. "A gente quis fazer esse trabalho muito em função do que presenciamos no ano passado; de perceber as crianças próximas e as que tiveram que ir para abrigos, que não estavam entendendo o que estava acontecendo", afirma, pontuando a urgência de dialogar com o público infantil (e também com os adultos) sobre uma realidade que já dá sinais de se tornar recorrente. O objetivo da peça, segundo Camila, é abordar o assunto com um "olhar doce e poético", sem menosprezar a seriedade do tema, e auxiliar os pequenos a se "organizarem internamente" diante das mudanças climáticas.
"Tornar o assunto acessível para crianças a partir de seis anos foi nosso maior desafio", revela a diretora. Para isso, o Coletivo Gompa buscou mesclar elementos reais e animações em vídeo, além do uso de bonecos. Nesse sentido, A menina dos olhos d'água emprega uma mistura de teatro de formas animadas e teatro documentário multimídia. "Essa combinação de linguagens enriquece a narrativa e a experiência do público infantil", avalia Camila. "Buscamos, assim, ressignificar o que as crianças viram acontecer em suas casas ou na televisão, utilizando o teatro como um espaço seguro de mediação para abordar questões difíceis e delicadas."
O enredo da peça, que narra a história de uma menina que perde sua casa e seu animal de estimação em uma enchente no sul do Brasil e vai morar em um albergue, ecoa diretamente as tragédias recentes no Rio Grande do Sul. De acordo com a diretora, o processo criativo contou com a parceria da psicóloga Camila Noguez ponderando o que seria adequado e quais limites para abordar o tema com a sensibilidade necessária e de forma lúdica.
A protagonista da peça é uma boneca que aparece em três tamanhos diferentes, manipulada pela atriz Liane Venturella, que também vive o papel da personagem em sua versão adulta (com uso de máscara). "A encenação utiliza o jogo do imaginário, da poesia da brincadeira, e o cenário do albergue é construído com bonecos de crianças, criando um ambiente que transita entre o real e o teatral", detalha Camila. Ela emenda que, para construir a narrativa, a equipe do Coletivo Gompa ainda entrevistou crianças em abrigos.
Imagens reais, como a do Cavalo Caramelo, um símbolo da enchente no Rio Grande do Sul (conhecido por ter ficado ao menos quatro dias em cima de um telhado em Canoas), são apresentadas em cena, mas de forma reconstruída, com elementos lúdicos como uma "casinha de brincadeira". Outros elementos, como câmeras que mostram a cena ao vivo no palco permitem que a criança se identifique com o que vê e compreenda que a realidade retratada é aquela que ela ou alguém conhecido viveu, observa a diretora. "A ideia é que elas revejam esses acontecimentos de uma forma poética, que ajuda a olhar para algo que foi traumático", reforça.
"Vivemos numa sociedade capitalista, que segue a rotina pós-enchente como se nada tivesse acontecido (o chamado 'novo normal')", pondera Camila, pontuando o papel do teatro como um espaço para refletir essas questões. A partir da temática dos refugiados climáticos, a montagem trabalha com pautas de pertencimento, exílio, deslocamento, perda e superação, emenda a diretora. "Esses conceitos são desenvolvidos ao longo da peça, que coloca a questão da mudança climática e da casa como situações instáveis." A resposta para a criança, segundo Camila, está no "lugar seguro do afeto, de se poder contar com o outro".
"A solidariedade foi um ato presente nos acontecimentos de 2024, quando o Rio Grande do Sul recebeu ajuda de todos os estados do Brasil; houve uma mobilização social, com voluntários, com a sociedade civil se abraçando", reflete. "Apesar de não verbaliza essas questões no enredo, a peça mostra o acolhimento à protagonista, nas cenas onde ela recebe roupas, cama e comida", adianta Camila. Em sua jornada, a personagem da menina dos olhos d'água ainda encontra novos amigos no abrigo, vivencia momentos de diversão e, ao mesmo tempo, lida com o medo da chuva, inspirando as crianças a desenvolverem empatia e resiliência diante de adversidades.
O uso de vídeos reais, animações, câmera ao vivo e miniaturas para compor a cena exigiu um trabalho cuidadoso. Para isso, além da produção do Coletivo Gompa, o espetáculo contou com a colaboração artística de Ceren Oran, da Alemanha (dramaturgia do movimento), Kenia Rodriguez e Dayana Deulofeu, de Cuba (dramaturgia de bonecos), e Pablo Mois, do Chile (desenho de vídeo). Contemplada com o Prêmio IKF (International Coproduction Fund) do Goethe - Institut e Iberescena, a montagem concebida em parceria por Camila e Liane (que também assina a criação de miniaturas e figurino), conta ainda com cenografia de Élcio Rossini, criação de bonecos e máscara de Pedro Girardello, montagem de vídeos de Raoni Ceccim, trilha sonora de Paola Kirst e Álvaro RosaCosta, desenho de luz de Ricardo Vivian, assistência técnica de Thiago Ruffoni e assistência de produção de Rômulo Venturella.