Montagem que integra teatro, dança, música ao vivo e recursos audiovisuais com elementos documentais, o espetáculo A mulher que virou bode: a história perdida de Jurema Finamour, do grupo Rakurs Teatro, estreia nesta sexta-feira (27), no Teatro Renascença (av. Érico Veríssimo, 307). Concebida e dirigida por Marcelo Bulgarelli, com dramaturgia de Luiza Waichel, a peça cumpre temporada no local até o dia 6 de julho (com sessões nas sextas e sábados, às 20h, e domingos, às 18h), marcando a pré-reabertura do espaço cultural, após oito meses de obras de recuperação por conta das enchentes de 2024. Os ingressos custam entre R$ 25,00 (meia-entrada) e R$ 50,00 (inteira) e estão à venda pela plataforma Sympla.
Abordando a trajetória da jornalista e escritora paulista Jurema Finamour, cuja vida e obra sofreram um processo de apagamento histórico, o coletivo busca destacar a inteligência afiada, a irreverência e a ironia da também poeta e tradutora, que foi perseguida pela ditadura militar. Para isso, baseou a narrativa do espetáculo a partir das pesquisas da jornalista Christa Berger para seu livro Jurema Finamour, a jornalista silenciada (Ed. Libretos).
Nascida em 1919, Jurema se destacou nos meios que atuou entre as décadas de 1940 e 1960. Em 1943, foi nomeada para trabalhar no Gabinete do presidente Getúlio Vargas (tendo sido exonerada em 1966, por abandono de cargo). Foi uma das brasileiras pioneiras em reportagem internacional, tendo entrevistado personalidades marcantes como Chou En Lai (China), Kim Il-Sung (Coréia do Norte), Fidel Castro (Cuba), Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir (França), Roberto Rosselini (Itália) e Ana Seghers (Alemanha), entre outros. Paralelamente, criou e dirigiu a revista feminina Mulher Magazine (1947) e coordenou uma coleção de livros sobre América Latina (1966). Ainda elaborou verbetes para enciclopédias sobre gastronomia (1970 e 1975); escreveu e publicou panfletos sobre Cuba (1993 e 1993) e sobre a radiatividade e a Aids (1993), além de traduzir quatro livros (entre 1968 e 1973).
Feminista, comunista e defensora da liberdade, Jurema também publicou os livros-reportagens Quatro semanas na União Soviética (1953), China sem muralhas (1956), Coreia sem paz (1958), Vais Bem, Fidel (1962), Contra toda expectativa Cuba chega lá! (1994) e Bem te vi, Amazônia (1991), além de escrever sobre outros temas, assinando três livros de culinária, um livro de poemas, o romance Precisa-se de uma rosa (1961) e o livro Pablo e Dom Pablo (1975), onde apresenta de forma crítica um lado até então desconhecido do poeta chileno Pablo Neruda (1904-1973), de quem chegou a ser secretária. "Acreditamos que essa última publicação foi um dos motivos pelo qual ela foi 'cancelada' por parte da elite intelectual brasileira", comenta Bulgarelli.
"Jurema foi amiga de nomes com Carlos Drummond de Andrade e Leonel Brizola, foi retratada por Di Cavalcanti e por Dimitri Ismailovitche e teve livros prefaciados por Jorge Amado, Lourival Fontes e Rachel de Queiroz (entre outros), mas acabou sendo esquecida por quase todos; tanto que seu velório contou com pouquíssimas pessoas", emenda o diretor do espetáculo. A jornalista e escritora faleceu em 1996, aos 77 anos e foi enterrada no cemitério do Caju, no Rio de Janeiro. Dois anos antes, ainda escreveu o livro de memórias A mulher que virou bode... (1994), comemorando os 30 anos após a perseguição durante o golpe de 1964, o exílio, a prisão e o regresso.
Bulgarelli pontua que Jurema Finamour "nunca teve medo de nada". "Ela foi a primeira mulher presa política no Rio Grande do Sul, em 1965, quando tinha 45 anos. Na ocasião, ela estava voltando do exílio para visitar seu pai, que estava doente, e foi detida em Rosário do Sul. Passou 30 dias na prisão, entre Porto Alegre e o Rio de Janeiro, e depois de solta continuou escrevendo, denunciando – nunca se calou." O artista sinaliza que, mais do que falar de uma "voz silenciada", a ideia do grupo é resgatar a ideia de "grandeza e profundidade dessa mulher e de tudo que ela produziu". "Para nós, foi um desafio grande contar essa história, que foi muito intensa", revela. "No entanto, tudo que ela escreveu é extremamente contemporâneo e isso nos permitiu fazer uma alusão aos dias de hoje, trazendo à cena questões da atualidade."
Projeto viabilizado por meio de editais do Fumproarte e da Secretaria Estadual de Cultura (Sedac-RS) via Lei Paulo Gustavo, A Mulher que virou bode: a história perdida de Jurema Finamour conta com Deliane Souza, Eulália Figueiredo, Iandra Cattani, Luiza Waichel e Sofhia Lovison no elenco. Além de se revezar no papel da jornalista, buscando representar suas múltiplas facetas, as atrizes interpretam, ao vivo, 12 canções originais de Antônio Villeroy (com preparação musical de Simone Rasslan). A encenação ainda conta com a utilização de máscaras expressivas, tanto humanas quanto não-humanas. "Usamos esse recurso de jogo cênico para dar vida a outros personagens que fizeram parte da vida de Jurema, e que também são interpretados pelo elenco", pontua Bulgarelli.
Segundo o diretor, o roteiro do espetáculo é fragmentado, revelando diferentes períodos da vida da jornalista. "Para reforçar a ideia de fragmentação da memória e também da sobreposição dos discursos da protagonista na cena, no fundo do palco há corredores cenográficos, de entrada e saída", explica. O cenário tem a cor azul como predominante, criando um ambiente imersivo que reflete não apenas a estética modernista, mas também a forte ligação de Jurema com o pintor Candido Portinari, que fez um desenho para o logotipo da revista Mulher Magazine. "Escolhemos essa cor também por conta da paixão de Jurema pelas águas. Ela dizia procurar o mar como um alento. O azul simboliza, assim, também as emoções dela em tempos difíceis."
Durante a temporada do espetáculo, o público ainda poderá conferir uma expografia sobre a vida e a obra de Jurema Finamour, que permanecerá no saguão do Teatro Renascença, reunindo livros e documentos da autora, sendo possível o acesso também por audiodescrição (via QR Code). Às sextas-feiras, as sessões de A Mulher que virou bode ainda contarão com interpretação em Libras e, após o espetáculo, será realizada uma roda de conversa com Christa Berger. Na sessão do dia 4 de julho, a peça contará com audiodescrição. Após a temporada em Porto Alegre, a peça irá circular por Esteio, São Leopoldo, Santa Maria, Rosário do Sul e Livramento – cidades por onde Jurema passou durante sua fuga para o exílio (iniciado em Montevidéu, no Uruguai).
Durante a temporada do espetáculo, o público ainda poderá conferir uma expografia sobre a vida e a obra de Jurema Finamour, que permanecerá no saguão do Teatro Renascença, reunindo livros e documentos da autora, sendo possível o acesso também por audiodescrição (via QR Code). Às sextas-feiras, as sessões de A Mulher que virou bode ainda contarão com interpretação em Libras e, após o espetáculo, será realizada uma roda de conversa com Christa Berger. Na sessão do dia 4 de julho, a peça contará com audiodescrição. Após a temporada em Porto Alegre, a peça irá circular por Esteio, São Leopoldo, Santa Maria, Rosário do Sul e Livramento – cidades por onde Jurema passou durante sua fuga para o exílio (iniciado em Montevidéu, no Uruguai).