Aos 92 anos de vida e 72 anos de carreira, o ator Othon Bastos desembarca em Porto Alegre com seu primeiro monólogo, Não me entrego, não!. O espetáculo, escrito e dirigido por Flavio Marinho, será apresentado no Teatro Simões Lopes Neto (rua Riachuelo, 1.089) nesta quinta (26), sexta (27) e sábado (28), sempre às 20h; e no domingo (29), às 18h. Os ingressos custam entre R$ 50,00 e R$ 140,00 e estão à venda no site do Theatro São Pedro.
Acompanhado da atriz Juliana Medela, que cumpre o papel de um "ponto", trazendo observações às falas do veterano, Othon Bastos rememora vivências e fatos de sua trajetória, misturando humor, drama e reflexão. "Não é uma biografia. A primeira coisa que eu disse para o Flavio foi que eu não queria inserir lembranças amargas: queria um espetáculo alegre, vivo, contando fatos engraçados da minha carreira, com humor e alegria", afirma o ator. "A ideia de ter a Juliana fazendo a vez de minha memória em cena também foi minha. Achei que seria interessante ter uma espécie de Alexa em cena. Ela entra para fazer descrições", diverte-se Othon Bastos, em uma alusão à assistente virtual desenvolvida pela Amazon.
Não me entrego, não! estreou em 14 de junho de 2024 no Teatro Vannucci, no Rio de Janeiro, e já passou por cidades como Fortaleza, Salvador, São Paulo, Belo Horizonte, Brasília e Recife, com temporadas de casa cheia. Contando fatos, relembrando encontros e momentos diversos de sua vida, o artista vai emocionando a plateia, abordando também sua carreira profissional. Integrante do Teatro Oficina entre 1967 e 1971, Bastos participou de espetáculos icônicos do coletivo como Pequenos burgueses, O rei da vela, Galileu Galilei e Na selva das cidades, sob a direção de José Celso Martinez Corrêa. Em 1970, ele fundou a Othon Bastos Produções Artísticas, em parceria com sua companheira, a atriz Martha Overbeck, com quem está casado há 59 anos.
Figura essencial do Cinema Novo, tendo destacado-se, entre outros papéis, como o personagem Corisco no filme Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), dirigido por Glauber Rocha, Bastos é considerado um dos maiores atores brasileiro vivos, conhecido também por papéis em clássicos como O pagador de promessas (Anselmo Duarte) e O dragão da maldade contra o Santo Guerreiro (Glauber Rocha). "As pessoas estão acostumadas a me ver em filmes épicos, e Flavio achou interessante explorar meu lado bem-humorado e alegre", pontua o artista.
Outros títulos marcantes da carreira de Bastos na telona e no teatro são relembrados no espetáculo que chega a Porto Alegre, propondo uma reflexão sobre cada momento da sua trajetória. "É uma conversa direta minha com o público, não tem quarta parede. Começa desde o início dos meus dez anos de idade até hoje em dia. São diversas facetas da minha vida, divididas em blocos temáticos – trabalho, amor, teatro, cinema, política, etc – cujas reflexões envolvem citações e referências de alguns dos autores mais importantes do mundo", adianta. "Ao mesmo tempo que vou contando a história da minha vida, falo também da história do País, das dificuldades e sofrimentos de um ator."
A peça também é uma lição de vida e de resiliência, "de como enfrentar os duros obstáculos que se apresentam em nossa existência – e de como superá-los", afirma o veterano. O texto do monólogo foi desenvolvido a partir de conversas entre Bastos e Marinho (que são amigos de longa data), baseadas em escritos pessoais do ator. "Entreguei umas 600 páginas de pensamentos sobre coisas que eu gosto, autores, anotações... Ali tinha um resumo bom sobre mim. E fomos fazendo: ele leu, entendeu e foi montando o espetáculo. Depois da primeira leitura, fomos alterando, retirando coisas, porque senão ia ficar um espetáculo de quatro horas", diverte-se o artista.
O cenário de Não me entrego, não! conta com projeções de fotos de filmes realizados pelo ator, que surgem em um telão, com a iluminação de Paulo Cesar Medeiros destacando cada momento. "É como uma descrição da minha carreira. Cada vez que falo de um filme, a luz acende e mostra a imagem condizente – cada foto iluminada é como se a memória fosse acendendo", descreve Bastos. Já a trilha sonora de Liliane Secco apresenta "diversas músicas e sonorizações", emenda. "As sonorizações estão lindas e dão um clima para cada entrada de fala."
Othon Bastos destaca que, desde a década de 1950, esteve diversas vezes em Porto Alegre, inclusive com espetáculos do Teatro Oficina e, depois, de sua própria Companhia. "Sempre gostamos muito de passar pela capital gaúcha. É uma cidade onde o público tem paixão pelo teatro." Ao ponderar que sua carreira acabou se voltando mais para as telas, o ator observa que os palcos foram o berço de sua carreira. "Foi onde comecei e foi a coisa mais importante da minha vida, onde aprendi muito; e que me deu asas para voar." Seu último espetáculo antes do atual monólogo foi O manifesto (dramaturgo inglês Brian Clark), onde atuou ao lado de Eva Vilma, também sob a direção de Marinho (que ainda assinou a tradução da peça).
O desejo de voltar à ribalta partiu do próprio ator que, após assistir a montagem Judy: o arco-íris é aqui, ficou com a ideia de estar em cena relembrando suas histórias. "Eu pensei como é maravilhoso contar a vida de alguém no palco. Mas sempre trabalhei com equipe, e nunca tinha pensado em fazer um monólogo", comenta. "Foi um desafio estar falando o tempo inteiro e direto com o público", admite. Com a experiência de quem criou muitos tipos e começou histórias diversas tantas vezes ao longo da vida, Othon Bastos dá um recado aos fãs e à plateia de Não me entrego, não!: "nunca parem; continuem indo em frente. Só envelhece quem não desistiu de viver."