No exterior, filmes brasileiros são premiados e celebrados. Por aqui, o trabalhador do audiovisual já viu dias melhores. Roteiristas, produtores, assistentes estão procurando trabalho e não acham. Eduardo Moura, para a Folhapress, ouviu relatos de que há muita mão de obra ociosa, sobretudo no mercado de streaming. Enquanto isso, séries nacionais desaparecem dos catálogos, e o Ministério Público do Trabalho investiga produtoras e plataformas - Netflix, Prime Video, Disney , Globoplay, Max, Paramount -, analisando contratos que chama de draconianos.
De acordo com dados compilados a pedido da reportagem, houve queda de 30% nas produções de streaming e nos postos de trabalho registrados junto ao Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Cinematográfica e do Audiovisual, o Sindcine, no ano passado, em São Paulo. Em 2023 foram registrados no Sindcine 85 projetos, que empregaram pelo menos 4.254 trabalhadores. No ano seguinte, o número caiu para 59, com 2.947 técnicos ocupados.
Segundo profissionais ouvidos pela reportagem, a situação do mercado de trabalho começou a piorar no final de 2023. Bruno Líbano, assistente de câmera, já trabalhou para obras no Globoplay, Max, Netflix. Paramount , entre outros. No momento, porém, ele não está fazendo nenhum projeto de streaming. "O mercado está morno. Desde 2023 deu uma esfriada", afirma.
O ator Mariano Mattos Martins, que fez Silvio Santos na série O Rei da TV, da Star , conta que, entre 2018 e 2022, metade de seus trabalhos de ator eram no streaming. Hoje, os trabalhos para o sob demanda não chegam a 5% de sua atuação profissional. O artista conta que costumava ser chamado para uma média de duas a três seleções de casting para streaming por mês, mas agora é chamado para uma a cada quatro meses.
Mayara Wui, assistente de arte, conta que vinha fazendo duas séries grandes por ano, desde 2021, pelo menos. Eram projetos robustos, durando entre quatro e sete meses, o que a mantinha ocupada e remunerada o ano todo. "Do meio do ano para cá, voltei a fazer publicidade por falta de trabalho", afirma.
Uma pesquisa de abril da UFMG analisou lançamentos de séries brasileiras nos streamings. Foram analisadas 94 obras de ficção seriada das plataformas Netflix, Globoplay, Prime Video, Max, Disney , Star , Paramount e Playplus entre 2016 e 2023. Destas, 12 não estão mais disponíveis nas plataformas de origem, como Anderson 'Spider' Silva, da Paramount , de 2023. Globoplay, Netflix e Playplus não retiraram séries brasileiras originais de seus catálogos. No Prime Video, a série retirada não sumiu totalmente, mas foi hospedada em outra plataforma, para aluguel.
Para a pesquisadora Mariana Ferreira, uma das autoras do estudo, 2025 deve seguir a tendência de queda. "Não chegamos ainda a olhar lançamentos de novas temporadas em 2024, mas com relação a novas séries foram só 16 - o mesmo número de quando só havia Globoplay, Netflix e Playplus produzindo séries originais no País". Segundo ela, foram 31 lançamentos de novas séries em 2023 e 23 em 2022.
A Netflix recentemente anunciou dez séries originais feitas no Brasil, entre eles, uma sobre o acidente com Césio-137 em Goiânia, em 1987. A Max, que em breve voltará a adotar o nome HBO, anunciou mais um folhetim, Dona Beija, além da série sobre a socialite Ângela Diniz e a segunda temporada de Cidade de Deus, entre outras produções.
Em setembro de 2024, o MPT-RJ abriu inquérito para apurar cláusulas impostas a roteiristas por produtoras brasileiras com seis plataformas de streaming. O inquérito está em curso, mas o procurador Cassio Casagrande adianta que "parece haver desequilíbrio contratual", prejudicando os roteiristas.
Quem executa as produções e escala os roteiristas são produtoras brasileiras, contratadas pelas plataformas. Entre as queixas dos profissionais, há o fato de serem submetidos a diretrizes jurídicas estrangeiras. Também pesa o fato de ser um mercado muito concentrado. Segundo o estudo da UFMG, 45% das séries foram feitas por apenas oito produtoras. "O roteirista é muito fraco para negociar as condições do contrato", diz Casagrande.
Em paralelo, avança em Brasília o PL do streaming, que busca regulamentar o vídeo sob demanda no Brasil, obrigando as plataformas a pagar contribuição a ser revertida em produções brasileiras. Em nota, a Strima - associação que reúne Disney , Globoplay, Max, Netflix e Prime Video - diz que "o volume de produções reflete decisões estratégicas individuais, que não devem ser atribuídas à presença ou ausência de regulamentação".
Pessoas ligadas a grandes plataformas, ouvidas sob a condição de anonimato, discordam de que haja crise. Segundo eles, houve um boom de produções represadas no pós-pandemia. Passada a onda, ficou a percepção de que o mercado esfriou. Para outros, porém, as grandes plataformas, após investimentos robustos, teriam recalculado a rota - sobretudo após 2022, quando a Netflix viveu queda de assinantes.
"Que o mercado está reduzido, é fato", diz Sonia Santana, presidente do Sindcine. "Eles estão segurando [os investimentos] para forçar [o setor]", diz. "Quem nadou de braçada por 12, 14 anos, não quer a regulamentação", diz a presidente, citando a década e meia sem exigência de pagamento, por parte dos streamings, da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional, a Condecine.
A produtora Andrea Barata Ribeiro discorda. "Realmente existem menos projetos no mercado, mas não vejo uma ligação entre as coisas", diz ela, que é sócia-fundadora da O2 Filmes. "Existe, sim, uma pressão enorme dos streamings sobre o PL. Só não acredito que haja uma retaliação ao mercado."Acho que houve uma expectativa de consumo maior no pós-pandemia que não aconteceu. Não acho que esse enxugamento seja uma coisa exclusiva do Brasil", diz Barata Ribeiro.
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