Por Adrielly Araújo, especial para o JC
Nos dias 28, 30 e 31 de maio, Porto Alegre foi palco do Festival Fronteiras do Pensamento, o maior encontro de pensadores do Brasil. Reunindo intelectuais, escritores, psicanalistas e artistas, foram discutidos temas contemporâneos, proporcionando ao público momentos de reflexão e inspiração.
Entre as grandes estrelas do festival, Marcelo Rubens Paiva levou tanta gente ao Teatro Simões Lopes Neto que nem todo mundo conseguiu entrar. O bate-papo realizado ao lado de Eduardo Bueno, Juremir Machado da Silva e o músico Jimi Joe era sobre o "Brasil profundo", mas houve espaço até para uma ode a Bob Dylan. Marcelo, cantando e tocando gaita, foi o primeiro a puxar uma versão de Like a Rolling Stone. Ao final do diálogo, Jimi Joe cantou e tocou Don’t Think Twice (It's All Right).
Entre as grandes estrelas do festival, Marcelo Rubens Paiva levou tanta gente ao Teatro Simões Lopes Neto que nem todo mundo conseguiu entrar. O bate-papo realizado ao lado de Eduardo Bueno, Juremir Machado da Silva e o músico Jimi Joe era sobre o "Brasil profundo", mas houve espaço até para uma ode a Bob Dylan. Marcelo, cantando e tocando gaita, foi o primeiro a puxar uma versão de Like a Rolling Stone. Ao final do diálogo, Jimi Joe cantou e tocou Don’t Think Twice (It's All Right).
O bate-papo realizado com o Marcelo foi ao lado de Eduardo Bueno, Juremir Machado da Silva e o músico Jimi Joe, era sobre o "Brasil profundo", mas o que rolou mesmo foi uma ode ao Bob Dylan
Adrielly Araújo
A conversa fluiu para memórias da ditadura e o impacto do filme Ainda Estou Aqui, baseado na história da família de Marcelo. Ao contar que um taxista disse ter achado o filme emocionante, mas não entendeu o que era a ditadura, Marcelo fez um comentário que ficou: "Como você explica pra alguém o que é ditadura?". E seguiu: "Achei que eu estava fazendo bem pra democracia brasileira. Mas nesse momento eu percebi que a missão é longa. Não basta um livro, não basta um filme."
Quando perguntado se o sucesso do filme estava no fato de retratar como uma família da classe média do Leblon foi afetada pela ditadura, ele explicou: "Todos os filmes relevantes falam sobre família, não necessariamente uma família rica ou pobre. Não precisa ser didático ou ideológico. Foi isso que eu disse pro Walter Salles e ele entendeu."
Outro momento potente da sexta-feira foi a participação de Drauzio Varella. O médico falou com naturalidade sobre desigualdade, saúde pública, SUS, prevenção e cuidados que vão muito além da medicina.
Escritores e o silêncio que grita
Com Torto Arado, Itamar Vieira Junior venceu o Jabuti e conquistou leitores. No festival, ele falou sobre como identidade e ancestralidade atravessam sua obra. "Eu escrevo romance e literatura, mas minha formação é em estudos sociais. Esses temas fazem parte do meu percurso intelectual. Quando escrevo, não quero dissertar, mas as narrativas das personagens inevitavelmente carregam esses significados."
Ele também contou que se inspirou nas mulheres ao seu redor, especialmente trabalhadoras rurais com quem conviveu durante quase 20 anos no Incra. "Foram elas que me inspiraram a escrever essa história."
Itamar Vieira Junior falou sobre como identidade e ancestralidade atravessam sua obra
Adrielly Araújo
Jeferson Tenório foi entrevistado pela jornalista Fê Pandolfi sobre o livro O Avesso da Pele e o poder da cultura. Comentou sobre a leitura de sua obra em Portugal e o estranhamento dos leitores estrangeiros com o racismo à brasileira. “O que pra mim é óbvio, para eles era novidade. Aqui temos discussões sociais mais sofisticadas, pelo menos no meio acadêmico.”
Sobre o processo de escrita, Jeferson disse: “Às vezes parecia que a história me empurrava. Ter baixas expectativas me ajudou muito, como minha mãe me ensinou. Eu escrevo com vontade de ganhar um Nobel, mas imaginando que ninguém vai gostar.”
Falou também sobre autoficção: “Esse termo só cola quando a gente conhece o autor. Não me incomoda que digam isso, desde que não seja para diminuir o valor estético do livro. Como alguém disse, são as pessoas que me contam do meu livro.”
E ainda deixou uma das melhores definições da sua relação com a escrita: “Minha profissão hoje não é a de escritor, é a literatura. É uma frase da Virginia Woolf que eu estou roubando agora. Então não escrevo apenas romances, mas tudo que envolve literatura.”
Na plateia da entrevista com Tenório, estava Naila Domingos, professora de educação musical. Emocionada, ela contou que usa O Avesso da Pele com seus alunos. “Trabalho com jovens e adolescentes. É importante saber como os livros são recebidos nas escolas. Ver isso ao vivo é muito forte. Principalmente para nós, pessoas negras. Tudo é cultura, tudo passa pela educação. Eu falo para eles: ‘Mas eu estudo química pra quê?’ Até pra entender uma bula. Cultura transforma, e meu papel é contribuir com uma gotinha no oceano.”
No sábado, Claudia Tajes e Diana Corso se escreveram em voz alta. Literalmente. O encontro teve formato epistolar. Em cartas, conversaram sobre desejo, culpa, maternidade, afeto e solidão.
Claudia lançou a provocação: “Não conheço nem um homem culpado. Vocês conhecem algum?”. Diana respondeu com uma reflexão sobre a culpa da mãe: “Nunca perdoamos a mulher que nos pariu por não viver para sempre, por não causar o efeito que achamos que deveria causar, por nunca a encontrarmos onde achamos que ela deveria estar. A culpa nasce daí.”
Instalação ‘Sonhar um mundo melhor’: um convite à utopia infantil
Uma das experiências interativas do festival foi a instalação que perguntava: "Se você pudesse mudar o mundo, o que faria diferente?". Crianças e adultos respondiam em cartões coloridos presos a balões. Jaqueline Loboruk, professora de educação infantil, resumiu bem o espírito da atividade: “Acho que ainda precisamos mudar muito. Muitas crianças ainda sofrem, mesmo com todas as leis. Respeito e direitos da criança ainda são metas, não realidades.”
"Se você pudesse mudar o mundo, o que faria diferente?"
Adrielly Araújo
Um festival que também é das ruas
Leonardo Kussler, filósofo e pesquisador, destacou algo essencial: o acesso. “As palestras foram transmitidas para quem estava na rua. Isso democratiza. Tem muita coisa boa aqui que não precisa pagar. Isso precisa continuar.”
O Fronteiras do Pensamento mostrou-se bem sucedido em seu ponto central: demonstrar que pensar junto é um ato coletivo e urgente. Que literatura, psicanálise, medicina, cultura e música não estão em caixas separadas. E ouvir quem pensa o mundo ajuda, no mínimo, a entender melhor o nosso próprio. Para quem não participou desta vez, fica a confirmação: o Festival Fronteiras continua, com outras edições e novos convidados, em circunstâncias que serão anunciadas em breve.