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Publicada em 25 de Maio de 2025 às 19:30

Pertencimento e cultura popular são temas em destaque em espetáculos do Palco Giratório

Apenas o fim do mundo (foto) e  As Cores da América Latina são destaques do festival de artes cênicas nesta semana

Apenas o fim do mundo (foto) e As Cores da América Latina são destaques do festival de artes cênicas nesta semana

Cacá Bernardes/Divulgação/JC
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Adriana Lampert
Adriana Lampert Repórter
Neste final de semana, duas atrações de destaque da programação do 19º Festival Palco Giratório se apresentam no Centro Municipal de Cultura (av. Érico Veríssimo, 307), em Porto Alegre. Na sexta-feira (30) e no sábado (31), sempre às 19h, o Grupo Magiluth (PE) irá ocupar a Sala Álvaro Moreyra para apresentar a peça teatral Apenas o fim do mundo, dirigido por Giovana Soar e Luiz Fernando Marques. Também no sábado, às 21h, haverá apresentação da montagem As cores da América Latina, da Panorando Cia e Produtora (AM), no Teatro Renascença. Dirigido por Fábio Moura e Talita Menezes, o espetáculo contará com uma segunda sessão, no domingo (1), às 20h. Os ingressos podem ser adquiridos nas Unidades Sesc/RS, no site do Festival, e, havendo disponibilidade, uma hora antes de cada apresentação nas bilheterias dos respectivos teatros.
Neste final de semana, duas atrações de destaque da programação do 19º Festival Palco Giratório se apresentam no Centro Municipal de Cultura (av. Érico Veríssimo, 307), em Porto Alegre. Na sexta-feira (30) e no sábado (31), sempre às 19h, o Grupo Magiluth (PE) irá ocupar a Sala Álvaro Moreyra para apresentar a peça teatral Apenas o fim do mundo, dirigido por Giovana Soar e Luiz Fernando Marques. Também no sábado, às 21h, haverá apresentação da montagem As cores da América Latina, da Panorando Cia e Produtora (AM), no Teatro Renascença. Dirigido por Fábio Moura e Talita Menezes, o espetáculo contará com uma segunda sessão, no domingo (1), às 20h. Os ingressos podem ser adquiridos nas Unidades Sesc/RS, no site do Festival, e, havendo disponibilidade, uma hora antes de cada apresentação nas bilheterias dos respectivos teatros.
Décimo trabalho do coletivo pernambucano, Apenas o fim do mundo marca um mergulho profundo na obra do celebrado dramaturgo francês Jean-Luc Lagarce, prometendo uma experiência teatral que transita entre o familiar e o disruptivo. Segundo um dos diretores, a escolha do texto representa um novo desafio para o Magiluth, conhecido por escrever sua própria dramaturgia e a realizar intervenções em obras clássicas. "Desta vez, buscamos uma fidelidade maior ao texto original", explica Luiz Fernando Marques, emendando que a decisão foi impulsionada pela parceria com Giovana Soar, que também é tradutora da obra para o Brasil. "Começou o desejo de trabalhar realmente o texto de uma peça."

A peça narra a história de um homem que retorna à casa de sua família para anunciar sua morte iminente. A obra de Lagarce, marcada por textos verborrágicos e tocantes, ganhou um significado ainda mais profundo para o Magiluth ao considerar o contexto do autor e os dias atuais. "Quando ele escreveu, estava positivado para o HIV em uma época que ainda não havia cura, nos anos 1990. Mas, nos dias de hoje, é possível que façamos uma leitura de 'outras mortes' e da dissociação familiar, a partir deste texto", sinaliza o diretor.
Marques afirma que a ideia ressoa com a vivência dos próprios integrantes do grupo, que saíram de suas cidades natais para construir suas carreiras artísticas. "Também nos chamou muito a atenção olhar para esse texto, pensando no HIV hoje, que tem outra perspectiva, com medicação e 'vida normal', por assim dizer, enquanto o texto ganha um outro contexto", pontua. "A peça convida o público a se identificar com o protagonista: ele volta para essa casa porque acredita que tem algo importante para dizer – essa coisa da morte – mas, quando chega, percebe que tem muito que escutar do irmão, da cunhada, da mãe...", observa o diretor. "São textos rápidos, mas o que é dito não é simples, tem uma certa profundidade; e as situações leves e engraçadas no início vão ganhando uma tensão no decorrer da história. É uma peça de muita sensibilidade, as pessoas saem muito atravessadas, pensando nas suas questões, nas suas famílias", revela Marques.

Nesse sentido, que convida à reflexão sobre pertencimento, a montagem se destaca, ainda, por sua abordagem "Site specific", onde a obra é constantemente recriada e adaptada ao ambiente em que é apresentada. A cenografia, que rendeu ao grupo uma indicação ao Prêmio Shell, não é "feita", mas sim "encontrada" pela produção do coletivo, incorporando elementos e características locais a cada cidade por onde o espetáculo circula. "Levamos alguns adereços e garimpamos outros", conta o diretor, citando ainda o figurino de brechó e a iluminação feita com abajures e luminárias que evocam a memória.

Essa proposta de construção espacial se estende à relação com a plateia. Diferente do palco italiano tradicional, o público é convidado a uma imersão quase visceral na cena. "A plateia fica muito dentro da cena... Os atores sentam do lado, 'grudam' no público, que pode sentir o choro, a temperatura do atuador. Em alguns momentos, as pessoas assistem uma cena que fica de costas para os personagens; e ora a plateia fica de pé ora sentada; às vezes perto, às vezes longe dos atores", descreve Marques. De acordo com o encenador, os espaços são construídos e reconfigurados, à medida que a peça avança, criando uma atmosfera que se "assemelha à configuração da memória". "É uma provocação; tem um pouco de realista, mas com as coisas 'quebradas', se transformando aos poucos".

Apenas o fim do mundo é fruto de um longo processo criativo, iniciado em 2017 (e com estreia em 2019), que envolveu residências artísticas em diversas cidades do País. Essa metodologia permitiu ao Magiluth e aos integrantes de coletivos parceiros (Marques é do Grupo 19 e Giovana veio da Companhia Brasileira) decantar suas linguagens e absorver as tensões de um Brasil em constante mudança, polarizado e em efervescência política na época. "Tudo isso estava no DNA da peça", afirma Marques.
O diretor avalia que a sensibilidade da obra reside na capacidade do autor em dialogar com o particular e o universal. "Ele tem uma medida muito boa, fazendo com que aquilo aconteça em qualquer cidade de qualquer país. O personagem é um estrangeiro no seu próprio mundo", comenta. 
Já o espetáculo que chega ao Renascença explora a riqueza cultural da América Latina e a fusão entre dança e teatro. Premiada pela montagem com o Destaque Nacional no 34º Prêmio Shell de Teatro (2024), a Panorando Cia e Produtora promete entregar ao público gaúcho uma experiência cênica sem palavras, onde a corporeidade e a estética pulsam em cada movimento.

"As cores da América Latina resulta de uma pesquisa de cinco anos que investiga a interação entre teatro e dança, buscando entender essas linearidades e, recentemente, inclui a contribuição das manifestações populares e culturais nos processos da cena", explica o diretor Fábio Moura. "O espetáculo, todo dançado e concebido para espaços alternativos e palcos, aposta em uma visualidade marcante, característica da América Latina", emenda, destacando que a dramaturgia, inteiramente física, é construída através do corpo dos seis intérpretes-criadores (Ana Carolina Nunes, Fernando C. Branco, Marcos Telles, Reysson Brandão e Talita Menezes).
Um dos elementos visuais mais impactantes, segundo Moura, são as seis máscaras de papel machê do "Fofão", personagem do Carnaval de São Luís (MA), que, ricamente detalhadas e coloridas, atraem o olhar e completam a estética das personas. "A obra narra a história do último Fofão em uma ode a outras tradições latinas – Fiesta de la Tirana (Chile), a Huaconada (Peru) e o Cavalo-Marinho (Brasil) –, abordando o esquecimento das manifestações populares e evocando a memória através do corpo e da arte", ressalta o diretor.
Moura observa que "essas tradições se entrecruzam e dialogam" para compor a dramaturgia, não em uma mera reprodução, mas em uma recriação que reflete a pesquisa e os interesses cênicos do grupo. Ele ainda ainda destaca a presença de elementos como a perna de pau, adicionando mais uma camada à estética do espetáculo. "Nossa pesquisa com manifestações populares e artes da cena começou em 2019, com o espetáculo Sodade, que explorava interações de contos do Norte e Nordeste", contextualiza o artista.
Ele conta que, ao longo do processo, o coletivo começou a descobrir outras manifestações fora do Brasil, o que gerou o interesse por executar a atual produção. "A proximidade do Amazonas com outros países latinos e o aumento da população imigrante venezuelana no estado nos inspiraram a reforçar a ideia de um Brasil inserido na América Latina. Essa conexão transparece na trilha sonora, que mistura músicas em português, espanhol, dialetos e línguas originárias, encontrando pontos em comum entre as festas do Peru, Chile e o Cavalo-Marinho brasileiro."

As cores da América Latina estreou em 2023 e tem se destacado em eventos de teatro, provocando também uma discussão sobre a fluidez das fronteiras entre dança e teatro. O espetáculo celebra o hibridismo das linguagens artísticas, questionando a necessidade de definições rígidas e focando na potência do jogo cênico



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