Dos infindáveis galhos e ramificações da grande árvore da música, talvez o heavy metal (e suas muitas sub-variantes) seja um dos mais suscetíveis ao uso de clichês. A verdade, porém, é que nem sempre dá para fugir deles. Dizer, por exemplo, que o show do Saxon em Porto Alegre, na última terça-feira (8), foi uma aula de rock pesado é para lá de previsível - e, ao mesmo tempo, absolutamente verdadeiro. Em quase duas horas de show, os britânicos dominaram completamente os cerca de 1.200 fãs que foram ao Opinião, em uma performance que nos faz pensar que o metal é, de fato, o elixir da juventude - e que o leitor ou leitora se prepare, porque ainda teremos vários clichês (e todos muito justos) até a resenha se acabar.
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Uma dessas frases feitas incontornáveis: de fato, o público que compareceu ao show era formado por pessoas de todas as idades. Senhores de ralos cabelos brancos relembraram seus dias de cabeleira farta ao lado de jovens que nem cogitavam nascer quando Wheels of Steel (1980), álbum homenageado da noite, foi lançado. Uma das músicas mais famosas do Saxon, Denim & Leather, começa perguntando "onde você estava em 1979, quando a bollha começou a estourar" - e a verdade é que a ampla maioria do público não deveria estar em lugar algum, como o próprio vocalista Biff Byford brincou em determinada altura. "Dá um tempo, vocês nem tinham nascido ainda", debochou, logo antes de tocar Backs to the Wall, presente no primeiro disco da banda. Sinal de que o heavy metal - mesmo quando se agarra em sua fórmula mais tradicional, como é o caso - não encontra dificuldades maiores em renovar seu público.
Uma dessas frases feitas incontornáveis: de fato, o público que compareceu ao show era formado por pessoas de todas as idades. Senhores de ralos cabelos brancos relembraram seus dias de cabeleira farta ao lado de jovens que nem cogitavam nascer quando Wheels of Steel (1980), álbum homenageado da noite, foi lançado. Uma das músicas mais famosas do Saxon, Denim & Leather, começa perguntando "onde você estava em 1979, quando a bollha começou a estourar" - e a verdade é que a ampla maioria do público não deveria estar em lugar algum, como o próprio vocalista Biff Byford brincou em determinada altura. "Dá um tempo, vocês nem tinham nascido ainda", debochou, logo antes de tocar Backs to the Wall, presente no primeiro disco da banda. Sinal de que o heavy metal - mesmo quando se agarra em sua fórmula mais tradicional, como é o caso - não encontra dificuldades maiores em renovar seu público.

Formada exclusivamente por mulheres, banda suíça Burning Witches fez a abertura, sendo bem recebida pelos fãs de metal
EVANDRO OLIVEIRA/JC
A abertura da noite ficou a cargo da banda Urdza, de São Paulo (SP), que fez um show competente, embora ainda com o Opinião consideravelmente vazio. Na sequência, veio a banda convidada da noite, a suíça Burning Witches - que dividiu o palco com o próprio Saxon no final de semana anterior, durante o festival Bangers Open Air, em São Paulo. Formada exclusivamente por mulheres, a banda demonstrou carisma e confiança em cima do palco, com um repertório veloz e técnico na linha do power metal. Pena que a mixagem do microfone de Laura Guldemond estava estridente demais, o que, aliado à voz aguda da cantora, deixou tudo embolado e um tanto desagradável aos ouvidos. De modo geral, porém, as musicistas deram seu recado com eficiência, fazendo por merecer a boa resposta do público.
Com pontualidade quase britânica (um mísero minuto de atraso), o Saxon começou a noitada com Hell, Fire & Damnation, faixa que dá título ao bom álbum mais recente da banda, de 2024. Desde o início, a interação do público (que cantou o refrão da relativamente nova canção como se a conhecesse há décadas) deixou claro que teríamos uma noite para lavar a alma dos fãs de heavy metal. E assim foi. Bateria pesada, guitarras afiadas, riffs ganchudos - seja qual for o clichê metálico que se possa imaginar, o Saxon os preencheu todos em Porto Alegre, no melhor sentido possível. Em um palco simples, com um enorme pano de fundo com o logotipo da banda e nada mais, o lendário conjunto britânico deixou a música falar mais alto - e ela falou bem alto mesmo, podem ter certeza.

Vocalista Biff Byford, de 74 anos, mantém a voz em dia e interagiu bastante com o público
EVANDRO OLIVEIRA/JC
Biff Byford, que completou 74 anos de idade em janeiro, parecia pelo menos duas décadas mais novo no palco. E não só pela voz, que mantém o registro ao mesmo tempo rasgado e melódico dos anos 1980: durante o show, o vocalista interagiu intensamente com a plateia, pulando, batendo cabeça, erguendo os braços e deixando clara sua satisfação em estar em cima de um palco. Mais feliz que ele, talvez, só o baterista Nigel Glockler: o sorriso do músico de 72 anos era tão grande que nem os pratos e bumbos eram capazes de esconder. Tocando as músicas da banda (algumas delas bastante velozes) com precisão impressionante para alguém de sua idade, Glockler só não roubou o show para si porque o resto do time também jogou em alto nível: ver o guitarrista Brian Tatler (famoso entre os mais dedicados fãs de metal pela presença no lendário Diamond Head) ao lado de Doug Scarratt (ambos com 65 anos, diga-se) foi um inesperado deleite, e o baixista Nibbs Carter (o "novinho" da banda, com 58 anos) é um dos guerreiros poucos lembrados do heavy metal, tendo ressuscitado o Saxon no pior momento (quando o grupo tão fiel ao metal se perdeu nas trilhas do hard farofa) e fazendo seu serviço com técnica acima da média, além de uma presença de palco invejável.
A primeira parte do show empilhou clássicos do som pesado como Heavy Metal Thunder e Strong Arm of the Law, ao lado de boas faixas mais recentes como Madame Guillotine e 1066. Logo após uma interpretação soberba da lenta e atmosférica The Eagle Has Landed, Biff começou a relembrar o cenário do rock pesado no começo dos anos 1980 - uma época sem streaming e sem iPhones, na qual as pessoas liam revistas e ouviam músicas no rádio antes de irem às lojas comprar discos de vinil ou fitas cassete. "Aí, eles botavam o disco para tocar e escutavam o ronco de uma motocicleta", acrescentou, dando a deixa para Motorcycle Man, clássico que abre o disco Wheels of Steel, executado na íntegra. Tocadas quase sem intervalos, músicas como 747 (Strangers in the Night), Freeway Mad, See the Light Shining e a faixa título formaram quase um intensivo de heavy metal tradicional para os presentes - que, é claro, gostaram bastante da aula, mesmo que já dominassem a matéria de cor e salteado.

Show no Opinião teve homenagem ao álbum 'Wheels of Steel', executado na íntegra
EVANDRO OLIVEIRA/JC
"Está ficando tarde, vamos tocar mais uma música", provocou Biff Byford no bis, logo depois de tocarem a épica Crusader. Diante da recusa do público, retrucou: "Ok, duas músicas. Seus malucos malditos, três músicas?" Diante da ovação, o Saxon não perdeu tempo e emendou Denim and Leather e And the Bands Played On. Ao final, alguns presentes jogaram seus coletes de jeans em direção ao palco, vestidos alegremente por Biff e Doug - e foi assim, usando roupas de seus fãs como se fossem suas próprias (e dando autógrafos nelas logo depois que o show acabou), que a lenda do metal inglês encerrou a noite com Princess of the Night, provocando uma verdadeira catarse coletiva no Opinião. Se o heavy metal é associado (muitas vezes de forma injusta) com exageros sonoros e comportamentais, é razoável interpretar esses excessos como manifestações de paixão pela música - e talvez seja esse o grande resumo da noite de terça-feira no Opinião: uma junção de gente apaixonada pelo heavy metal, em cima e na frente do palco, vivendo alegremente toda a satisfação que uma boa união de clichês pode trazer.

Com cerca de cinco décadas de estrada, Saxon é um dos mais respeitados representantes do heavy metal tradicional
EVANDRO OLIVEIRA/JC