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Publicada em 01 de Maio de 2025 às 16:15

Inundações de maio de 2024 devastaram espaços culturais de Porto Alegre

Casa de Cultura Mario Quintana foi uma das instituições do Estado que acabou tomada pelas águas que cobriram o Centro Histórico, após a enchente de maio do ano passado

Casa de Cultura Mario Quintana foi uma das instituições do Estado que acabou tomada pelas águas que cobriram o Centro Histórico, após a enchente de maio do ano passado

Anselmo Cunha/AFP/JC
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Adriana Lampert
Adriana Lampert Repórter
A histórica enchente de 2024 deixou uma marca dolorosa no cenário cultural de Porto Alegre. A força das águas invadiu espaços como a Casa de Cultura Mario Quintana (CCMQ), o Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Margs), o Memorial do Rio Grande do Sul, a Cinemateca Paulo Amorim e o Teatro Renascença – entre outros –, expondo a fragilidade do patrimônio diante da fúria da natureza. Para além de equipamentos mantidos pelo poder público, as inundações de maio do ano passado assolaram sedes de coletivos artísticos independentes, como a Terreira da Tribo (do grupo Ói Nóis Aqui Traveiz) e o Teatro Nilton Filho, e locais comerciais destinados a shows musicais, como o Gravador Pub, citando apenas alguns exemplos.Carinhosamente apelidada de "coração cultural" da capital gaúcha, a Casa de Cultura Mario Quintana foi um dos espaços impactados pela inundação causada pelas cheias do Guaíba, no início de maio. A água alcançou a marca de 1,50 metro no térreo, alagando dependências da Instituição e algumas lojas situadas no local. Apesar da ação preventiva da equipe da CCMQ, que realocou acervos, móveis e equipamentos para os andares superiores, o mobiliário fixo do térreo foi perdido. Portas de madeira ficaram inchadas ou danificadas, e vidros foram quebrados. Além disso, a lama grudou nas paredes do prédio, o que exigiu severos trabalhos de limpeza, que começaram cerca de dez dias depois do ocorrido. 
A histórica enchente de 2024 deixou uma marca dolorosa no cenário cultural de Porto Alegre. A força das águas invadiu espaços como a Casa de Cultura Mario Quintana (CCMQ), o Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Margs), o Memorial do Rio Grande do Sul, a Cinemateca Paulo Amorim e o Teatro Renascença – entre outros –, expondo a fragilidade do patrimônio diante da fúria da natureza. Para além de equipamentos mantidos pelo poder público, as inundações de maio do ano passado assolaram sedes de coletivos artísticos independentes, como a Terreira da Tribo (do grupo Ói Nóis Aqui Traveiz) e o Teatro Nilton Filho, e locais comerciais destinados a shows musicais, como o Gravador Pub, citando apenas alguns exemplos.

Carinhosamente apelidada de "coração cultural" da capital gaúcha, a Casa de Cultura Mario Quintana foi um dos espaços impactados pela inundação causada pelas cheias do Guaíba, no início de maio. A água alcançou a marca de 1,50 metro no térreo, alagando dependências da Instituição e algumas lojas situadas no local. Apesar da ação preventiva da equipe da CCMQ, que realocou acervos, móveis e equipamentos para os andares superiores, o mobiliário fixo do térreo foi perdido. Portas de madeira ficaram inchadas ou danificadas, e vidros foram quebrados. Além disso, a lama grudou nas paredes do prédio, o que exigiu severos trabalhos de limpeza, que começaram cerca de dez dias depois do ocorrido. 
Moradora do Centro, a diretora da CCMQ, Germana Konrath, conta que acompanhou de perto o ritmo da água subindo no decorrer dos dias de inundação. "Foi um momento de desespero e ansiedade, por não sabermos quando aquela situação iria terminar", comenta. "Durante a enchente, fizemos visitas regulares à Casa de Cultura, usando botes, por água. Somente no final do mês de maio, quando a água baixou, foi possível iniciar os trabalhos de limpeza."
Germana ressalta que manteve contato com os proprietários das lojas do térreo (uma livraria, um bar, um restaurante e uma loja de utilitários e obras de arte), que também foram afetadas diretamente. "Mesmo tendo recolhido tudo que era possível, eles tiveram perdas materiais e, naquele momento, sequer tinham a dimensão dos prejuízos. Foi tudo muito triste", recorda a diretora da CCMQ. Ela emenda que, ao mesmo tempo, parte da comunidade artística da cidade também sofria os danos das inundações, agravados pelo falto de que muitos desses trabalhadores ainda tentavam se recuperar dos impactos econômicos causados pela pandemia de Covid-19. "Sabíamos que, além das perdas imediatas, toda a cadeia produtiva do setor cultural penaria a longo prazo, pela dificuldade de recuperação dos espaços."

Dentro da CCMQ, a Cinemateca Paulo Amorim foi um dos locais mais castigados. A água atingiu meio metro nas três salas de exibição (Paulo Amorim, Eduardo Hirtz e Norberto Lubisco), danificando poltronas, carpetes e aparelhos de ar-condicionado. Além da lama nesses espaços, o cheiro de mofo tornou o ambiente quase intransitável. "No meio do entulho, a sensação pior era não saber o quanto a água ainda iria subir", relata a coordenadora e curadora da Cinemateca, Mônica Kanitz. Ela conta que só conseguiu entrar no local no dia 18 de maio (15 dias após a invasão das águas).
Apesar dos equipamentos de som e projeção (localizados em áreas mais elevadas) não terem sido diretamente atingidos pela inundação, naquele momento a falta de energia impossibilitava a avaliação de possíveis danos causados pela umidade. "Foi bem desesperador e triste. Não tínhamos ideia de como sair daquilo", ressalta Mônica, lamentando que foi necessário o cancelamento de estreias de filmes inéditos no período, para focar na limpeza e reestruturação dos espaços. "Colocamos todas as poltronas do cinema fora, o cenário era de pilha delas na rua."
Alagamento na região da Praça da Alfândega, em decorrência da cheia no Guaíba. Espaços como Farol Santander, Margs e Memorial do RS estão parcialmente alagados | TÂNIA MEINERZ/JC
Alagamento na região da Praça da Alfândega, em decorrência da cheia no Guaíba. Espaços como Farol Santander, Margs e Memorial do RS estão parcialmente alagados TÂNIA MEINERZ/JC


Localizado cerca de 400 metros da CCMQ, o Margs também sentiu o impacto da enchente. O trabalho de remoção das obras foi complexo e exigiu um mutirão de voluntários, com peças pesadas sendo retiradas até mesmo por escada. "Após as medidas preventivas envolvendo a movimentação de obras e patrimônio que se seguiu até o momento de evacuação do corpo técnico já durante a inundação do prédio, iniciaram-se imediatamente as ações de proteção, a fim de garantir as condições de segurança mediante alocamento presencial de vigilância, em um contexto já de total adversidade por conta do acesso dificultado pela necessidade do uso de embarcações para acesso ao Museu pela água e pela falta de energia elétrica", conta o diretor-curador da Instituição, Francisco Dalcol. Segundo ele, dali em diante, "foram sete meses de intensos trabalhos internos, em condições extremamente dificultadas em um contexto próprio de emergência."

Localizado no Centro Municipal de Cultura (CMC) – onde ainda foram atingidos os espaços do Atelier Livre Xico Stockinger e da Biblioteca Pública Municipal Josué Guimarães –, o Teatro Renascença teve palco, cortinas, carpete e poltronas desvastados pela água, demandando esforços de recuperação do local, que ainda estão em trânsito, incluindo a substituição de pisos, pintura, instalações elétricas, sonorização e outros elementos. No dia 6 de maio, quando a água invadiu o CMC, todos os servidores da Instituição, além de pessoas desalojadas pela enchente e voluntários que ocupavam o local, precisaram evacuar o prédio rapidamente, sem tempo para salvar nada. 
No Memorial do Rio Grande do Sul, os principais prejuízos da inundação que assolou o local (onde o nível da água ultrapassou 1,70 metro) foram a perda da subestação de energia elétrica e de parte do acervo do Espaço Cultural Correios que ficava localizado no térreo, além dos elevadores e dos danos ao prédio. Conforme a diretora da Instituição, Sylvia Bojunga, em maio do ano passado, o Memorial estava com várias atividades e eventos programados. "Foi muito frustrante para todos os envolvidos ter que cancelar ou adiar tudo. Estava em plena montagem, por exemplo, a Mostra Antropologia Visual Ocupa Mars, resultante de um edital público, com participação de 27 autoras e autores selecionados, e que seria aberta à visitação no Memorial no fim de maio. Tivemos que adiar, e conseguimos, finalmente, realizá-la no início de 2025, graças a uma parceria com o Espaço Força e Luz." 
Segundo Sylvia, foram muitos os desafios desde maio de 2024, com mudanças da rotinas pessoais e profissionais da equipe e necessidade de se adaptar a um novo contexto de incertezas e limitações. "As equipes terceirizadas de segurança e de limpeza foram fundamentais nesse período, nos ajudando muito na zeladoria do prédio. Os servidores e servidoras do Memorial estão trabalhando atualmente no espaço cedido pelo RS Criativo, na Casa de Cultura Mario Quintana, para que as obras de recuperação do prédio da Instituição (iniciadas recentemente) possam avançar."
O Gravador Pub, no Quarto Distrito, ficou totalmente alagado | Cristina Salomão/Divulgação/JC
O Gravador Pub, no Quarto Distrito, ficou totalmente alagado Cristina Salomão/Divulgação/JC


A enchente de 2024 ainda causou danos à coletivos e empreendedores artísticos da cidade. "Estávamos acompanhando as previsões do tempo com preocupação. Quando me dei conta da possibilidade de inundação, corremos (eu e minha esposa e sócia, Cristina Salomão) até o pub para tentar salvar o que pudesse de equipamentos", lembra o proprietário do Gravador Pub, Gabriel Vieira Lopes-Salomão. "Quando chegamos, estava tudo seco. Começamos a guardar tudo e retirar os equipamentos. Mas em questão de uma hora e meia a água já estava dentro da casa", recorda. "Quando a água começou a subir, fechamos tudo e fomos para casa. Não havia mais o que se pudesse fazer." Lopes-Salomão emenda que, no dia seguinte, ele e a esposa pegaram seus caiaques e partiram em direção ao Gravador Pub. "Fomos remando até lá. Estava tudo flutuando dentro do bar: tinha muito lixo, muita coisa perdida."
"Quando percebemos que poderia alagar, chegamos a ir na Terreira da Tribo para subir nossos materiais, que ficaram em uma altura acima de uma mesa, mas não imaginávamos que a água pudesse subir mais que isso, e foi o que aconteceu", lembra a produtora, encenadora e atriz Tânia Farias. "Depois, começamos a receber imagens do entorno, e vimos que a água subiu rápido, chegando a uma altura na metade da porta." A artista comenta o quão desolador foi para todos os integrantes do Ói Nóis Aqui Traveiz. "Pensávamos nos materiais dos espetáculos e no estrago imenso que a água causaria, mas tudo que pudemos fazer naquele momento foi nos engajar nos trabalhos voluntários, para ajudar pessoas que tiveram suas casas afetadas." O coletivo perdeu o material de sete espetáculos de repertório (incluindo diversos instrumentos, figurinos, adereços, máscaras, cases), além de acervos, matérias-primas para figurinos. "Perdemos muita coisa. Foi um prejuízo estimado em cerca de R$ 1 milhão", lamenta Tânia.
Inundação causou danos em equipamentos, instrumentos, cenários, figurinos  e registros históricos de 40 anos  de atuação  | Euge?nio Barboza/Divulgação/JC
Inundação causou danos em equipamentos, instrumentos, cenários, figurinos e registros históricos de 40 anos de atuação Euge?nio Barboza/Divulgação/JC
Proprietário do Teatro Nilton Filho, o diretor, ator, cenógrafo e iluminador Nilton Filho conta que no dia em que a água invadiu o pátio do local, ele e o sócio, Hyro Mattos, fizeram umas muretas para evitar a inundação na casa. "Não adiantou, quando vimos, a água já estava entrando na altura das canelas. Da noite para o dia, já batia no meio do peito, aproximadamente 1,30 metro. Tivemos que sair do teatro resgatados por um bote." Além de mais de 500 livros da biblioteca do espaço cultural, também o piano e os móveis do Teatro Nilton Filho foram perdidos. Para piorar, os proprietários residem ao lado da casa do teatro, e tiveram a residência também inundada. "Perdemos armários, cama, sofá, coleções de discos. Muita coisa se foi, inclusive alguns itens simplesmente desapareceram na lama", destaca o artista.

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