O Brasil descobriu nesta quinta-feira que Ainda Estou Aqui concorre a três estatuetas no Oscar, a maior premiação do cinema mundial. O longa - que disputa nas categorias Melhor Filme, Melhor Filme Internacional e Melhor Atriz, para Fernanda Torres - é a melhor chance de vitória em anos, após figurar em premiações importantes como o Globo de Ouro e o Bafta - e sua indicação, como explica Pedro Strazza para a Folhapress, encerra um hiato de quase três décadas sem produções brasileiras no prêmio de filme internacional.
O filme de Walter Salles é a quinta produção nacional a brigar pelo prêmio, o que é pouco para uma estatueta de 78 anos de vida. Em paralelo, a indicação de Fernanda Torres como melhor atriz faz dela a segunda brasileira a competir na categoria, 26 anos após sua mãe, Fernanda Montenegro, ter concorrer por Central do Brasil.
A seca que vinha até agora, porém, não é a pior do cinema brasileiro na categoria. Entre a primeira e a segunda indicações, o País ficou 33 anos sem ver a cor do tapete vermelho em Los Angeles.
O Brasil estreou no Oscar em 1963 com O Pagador de Promessas, no embalo da Palma de Ouro conquistada no Festival de Cannes no ano anterior. Derrotado pelo francês Sempre aos Domingos, o filme de Anselmo Duarte foi, pelas três décadas seguintes, a única obra nacional a participar do prêmio, então batizado de melhor filme estrangeiro.
O intervalo chegaria ao fim só em 1996 com O Quatrilho, de Fábio Barreto. A indicação foi um susto - o cinema brasileiro se recuperava de uma de suas piores crises. A Embrafilme, estatal que concentrava o grosso da produção e distribuição de filmes nacionais, fora encerrada em 1990 pelo então presidente Fernando Collor, congelando a produção do País.
O mais impressionante é que o Brasil voltou a aparecer na categoria em mais duas ocasiões nos três anos seguintes. Com O Que É Isso, Companheiro?, de Bruno Barreto, e Central do Brasil, de Walter Salles, a produção do período sai fortalecida, o chamado cinema da Retomada.
Na estreia em 1995, O Quatrilho acompanhou o sucesso de Carlota Joaquina, Princesa do Brazil, primeiro filme do País a cruzar o milhão de espectadores desde o desmonte da estatal. Mesmo na euforia financeira, a indicação ao Oscar foi surpresa até para Lucy Barreto, produtora do filme e um dos nomes por trás da campanha.
A entrada de O Quatrilho no Oscar se deu por empenho da família Barreto com o filme, que trata da história da imigração italiana no Rio Grande do Sul. Donos da L.C. Barreto Produções, Lucy Barreto e Luiz Carlos Barreto gastaram US$ 30 mil do próprio bolso - algo em torno de R$ 370 mil hoje - para pôr o longa em festivais dos Estados Unidos e do Canadá, dentro do radar dos votantes da Academia.
Apesar do investimento, Lucy diz que a campanha foi modesta e teve muita ajuda da Pandora Pictures, que assumiu a distribuição do filme em dezembro de 1995. Ela também afirma que os votantes e a imprensa da época foram atraídos pela exuberância da produção. "Lembro que a preocupação deles era com o orçamento", diz. "Um jornalista me perguntou quanto custou O Quatrilho e eu pedi para ele chutar um número. Ele achou que o filme custava US$ 40 milhões e caiu para trás quando disse que o orçamento foi de US$ 1,5 milhão."
O elenco também foi bastante elogiado, em especial as atrizes. Na época, um rumor apontava que Steven Spielberg teria visto o filme e amado o trabalho de Glória Pires, a ponto de considerá-la para o papel de Frida Kahlo em uma cinebiografia. A atriz confirmou em março de 1996 que o diretor viu O Quatrilho, mas diz que nunca recebeu a oferta. Spielberg também era próximo dos Barreto - a sua ex-esposa, Amy Irving, estava para se casar com Bruno Barreto, irmão de Fábio.
O cenário mudou tão rapidamente nos anos seguintes que já era outro quando O Que É Isso, Companheiro? foi indicado ao prêmio, em 1998. No fim daquela década, as distribuidoras Miramax e Sony Pictures Classics dominaram a categoria com indicados envoltos em campanhas mais caras, feitas para levar os filmes aos prêmios principais. Isso inclui Cidade de Deus, que só não foi indicado na categoria internacional porque não foi escolhido representante brasileiro. Em 2004, o filme de Fernando Meirelles concorreu em quatro categorias, incluindo melhor direção.
Bruno Barreto viu em primeira mão essa revolução pelas mãos de seu principal líder, Harvey Weinstein, produtor da Miramax. Diferente de O Quatrilho, O Que É Isso, Companheiro? estreou em clima de briga de faca. O diretor diz que distribuidoras como a Sony Pictures Classics e a New Line já estavam interessadas no filme logo em sua primeira sessão no Festival de Berlim, mas que Weinstein comprou os direitos na última hora.
"O meu filme passou no festival no mesmo dia de O Paciente Inglês, na sessão anterior das 19h", afirma Barreto, citando o filme que venceria o Oscar de melhor filme de 1998. "O Harvey Weinstein chegou em Berlim logo antes da estreia de O Paciente Inglês, às 21h, mas a equipe da Miramax o impediu de ir ao evento. Eles tinham visto O Que É Isso, Companheiro? na sessão da imprensa, e disseram para ele trocar a sessão de gala por uma cabine individual do meu filme. Nessa hora, eu e a equipe estávamos em um jantar, falando com possíveis compradores. O Harvey chegou para a sobremesa e foi direto para o banheiro com o nosso representante de vendas, fechando o negócio ali mesmo. Eu nem estive com ele."
Para David Poland, o que chamou a atenção dos distribuidores e, depois, do Oscar sobre O Que É Isso, Companheiro? foi a premissa do filme, sobre o sequestro de um embaixador americano durante a ditadura militar. Ele afirma que aquele tipo de história estava em alta naquele momento, o que quase fez o filme vencer a categoria - Barreto perdeu naquele ano para o holandês Caráter.
O cinema brasileiro também aprendeu a jogar o jogo da distribuição internacional no Oscar, como mostra a indicação de Central ao Brasil no Oscar seguinte, de 1999. Segundo Marcelo Ikeda, autor do livro Revisão Crítica do Cinema da Retomada, a entrada dos Barreto e de Salles na premiação se confunde com a reabertura econômica do País após o fim da ditadura militar. Para o pesquisador, o cinema brasileiro espelhava o governo de FHC, que praticava reformas econômicas para inserir o Brasil na economia global.
Central do Brasil mirava o mercado americano desde a sua concepção. A vitória do Urso de Ouro no Festival de Berlim foi a cereja do bolo. Fernanda Montenegro, também premiada no evento, não por acaso chegou ao Oscar de melhor atriz com o filme, se tornando a primeira brasileira a competir nas categorias de atuação.
No Oscar, Salles só deu azar de disputar o prêmio no auge da Miramax de Harvey Weinstein, que apelava a campanhas agressivas. Naquele ano, a produtora dominou com Shakespeare Apaixonado e A Vida É Bela.