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Publicada em 12 de Abril de 2024 às 10:19

Jethro Tull une clássicos e surpresas em show competente e divertido em Porto Alegre

Banda liderada por Ian Anderson passeou por sete décadas de rock progressivo em show na quarta-feira (10)

Banda liderada por Ian Anderson passeou por sete décadas de rock progressivo em show na quarta-feira (10)

DOUGLAS FISCHER/OPINIÃO PRODUTORA/DIVULGAÇÃO/JC
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Igor Natusch
Igor Natusch Editor de Cultura
Verdade que o Araújo Vianna já vivenciou dias mais movimentados: fazendo uso do olhômetro, dá para dizer que pouco mais da metade das cadeiras do auditório foram ocupadas durante o show dos britânicos do Jethro Tull, ocorrido nesta quarta-feira (10). Além disso, o cenário naturalmente proposto pelo espaço, com cadeiras em toda sua extensão, deu ao espetáculo um ar mais contido, com todos sentados e em relativo silêncio, sem os momentos de catarse coletiva tão comumente associados a shows de rock.
Verdade que o Araújo Vianna já vivenciou dias mais movimentados: fazendo uso do olhômetro, dá para dizer que pouco mais da metade das cadeiras do auditório foram ocupadas durante o show dos britânicos do Jethro Tull, ocorrido nesta quarta-feira (10). Além disso, o cenário naturalmente proposto pelo espaço, com cadeiras em toda sua extensão, deu ao espetáculo um ar mais contido, com todos sentados e em relativo silêncio, sem os momentos de catarse coletiva tão comumente associados a shows de rock.
Leia mais: Jethro Tull volta a Porto Alegre trazendo sete décadas de rock progressivo

Mas nada disso deve ser visto como prenúncio de uma noite fracassada, longe disso: talvez tenha sido, no fundo, o cenário perfeito para Ian Anderson e seus asseclas desfilarem sua música (e, talvez tão importante quanto, sua experiência) durante as quase duas horas de apresentação. Afinal, para quem está na estrada celebrando a presença de sua música por nada menos que sete décadas, fazer uma boa performance deixou há tempos de ser uma questão de potência sonora ou física: na verdade, está muito mais para saber jogar com a experiência que se tem.

Após a abertura a cargo de Rock Concert (na verdade, apenas o músico Luciano Reis tocando clássicos do rock com um violino elétrico, mas ainda assim recebida com boa vontade pelo público), o Jethro Tull não esperou muito tempo para subir ao palco com My Sunday Feeling, faixa do álbum de estreia This Was, lançado em 1968. Em seguida, veio a bela We Used to Know, do clássico (e igualmente antigo) Stand Up, de 1969 - um retorno ao repertório de 55 anos atrás que não apenas contextualizou a viagem pelas décadas proposta pela atual turnê, como também estabeleceu a noite como um reencontro de fãs e banda, consigo mesmos e com sua história em comum.

Em certos aspectos foi, de fato, um show à moda antiga - entre eles, a insistência quase exagerada para que o público não usasse câmeras ou celulares durante o show, pedido respeitado quase à risca pelos presentes. Sem a luz de lanternas ou flashes, parecia mesmo um daqueles shows aos quais se ia há 30 anos ou mais - mesmo que o telão, reproduzindo imagens conectadas a cada uma das músicas do setlist, sempre nos trouxesse de volta para as comodidades (e eventuais incômodos) do presente.
Em se tratando de uma banda com tanta história, nada mais natural que o repertório também refletisse, ao menos até certo ponto, essa conexão com o passado. Mas é importante notar que o Jethro Tull não fez a escolha fácil por tocar apenas o que os fãs queriam ouvir, montando um repertório no qual os sucessos dialogaram com material mais recente e algumas chamativas surpresas. Os fãs se deleitaram com clássicos como Heavy Horses, Farm on the Freeway e a releitura de Bourée, de Bach (famosa instrumental do álbum Stand Up), mas alguns talvez tenham tido que puxar pela memória para relembrar faixas como Weathercock e Warm Sporran - igualmente antigas, mas longe de serem as mais exaltadas dos tempos áureos da banda. Da mesma forma, os álbuns mais recentes, The Zealot Gene (2022) e Rökflöte (2023), foram generosamente representados, com faixas como Mine is the Mountain e Wolf Unchained encaixando harmoniosamente no fluxo da apresentação.
Ian Anderson, que fará 77 anos no próximo mês de agosto, mostrou a animação e entusiasmo característicos, dançando e interagindo bastante com seus (todos excelentes) colegas de banda durante o show. Mas sua voz, lamentavelmente, é um demonstrativo de como a passagem dos anos é implacável: incapaz de alcançar as notas mais altas, ele se viu forçado a manter um registro médio durante quase todo o show, o que descaracterizou momentos mais dramáticos de algumas canções. Felizmente, o fôlego segue inalterado na hora de tocar sua mágica flauta, e o carisma de Anderson foi mais do que suficiente para manter todos de olhos pregados no palco durante toda a noite - não que isso fosse tão difícil, já que a plateia, constituída principalmente de fãs de longa data, estava mais do que disposta a deixar alguns detalhes de lado em nome de um alegre reencontro com o ídolo. 
O show foi dividido em duas partes, com um intervalo entre elas. Entre os destaques da noite, uma versão arrebatadora de Dark Ages - canção um pouco esquecida do álbum Stormwatch (1979) cuja temática apocalíptica, muito infelizmente, encaixa bem com os tempos sombrios em que vivemos - e Holly Herald, instrumental natalina da banda (anunciada com um divertido "já é tempo de natal! Bem, para mim ao menos é" de Ian Anderson) que, graças ao clima animado, encaixou como uma luva no setlist. Próximo do fim, a banda permitiu-se uma ousadia final: uma versão totalmente desconstruída de Aqualung, com um arranjo inesperado que hipnotizou a plateia e funcionou muitíssimo bem ao vivo. Prova de que ser velho não tem nada a ver com acomodar-se, e que a chama criativa ainda arde forte para Ian Anderson e seus colegas.
No final, o show ganhou ares de 'liberou geral': os celulares foram autorizados, o pessoal das primeiras fileiras colou na frente do palco e uma versão empolgada da clássica Locomotive Breath botou o Araújo Vianna em movimento. Um final tipicamente roqueiro para um show que, mesmo menos explosivo e agitado do que se costuma associar a grandes nomes do rock internacional, certamente deixou os presentes felizes, do lado de lá e de cá do palco. Tomara que o tempo, esse dissimulado que anda devagar quando estamos olhando e sai correndo quando nos distraímos, nos dê ao menos mais uma chance de prestigiar o Jethro Tull antes do último fechar de cortinas. Prometemos que deixaremos nossos celulares no bolso, sem reclamar. 

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