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Publicada em 02 de Março de 2024 às 16:17

Sem clima de despedida, Caetano Veloso encanta e empolga em show em Porto Alegre

Apresentação de sexta-feira (01) de Caetano Veloso uniu clássicos e canções do recente 'Meu Coco', com ótima recepção do público

Apresentação de sexta-feira (01) de Caetano Veloso uniu clássicos e canções do recente 'Meu Coco', com ótima recepção do público

EVANDRO OLIVEIRA/JC
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Igor Natusch
Apreciar o presente dos mitos fundadores da MPB tem tido, cada vez mais, um sabor de vagarosa despedida. O tempo é inexorável, mesmo quando a música é eterna, e aos poucos todo mundo vai precisar descer do palco. Gal Costa deixou o terreno e virou estrela, Milton Nascimento recentemente encerrou a turnê de adeus. Caetano Veloso, mesmo: anunciou que suas datas no exterior este ano serão as últimas fora do País, e viralizou nas redes sociais ao anunciar que faria "férias radicais" no começo do ano e pedindo que ninguém o chamasse para coisa alguma. Os dois shows em Porto Alegre, ocorridos no Araújo Vianna nesta sexta-feira e sábado, foram reagendados depois que o cantor ficou doente no ano passado. Somando tudo isso, dá para entender que pelo menos parte do público que lotou o auditório na noite de sexta-feira (01) estivesse se perguntando se aquele show seria, no fim das contas, uma última chance.Pois olha, se depender do que se viu, não deve ser o caso. Encaminhando-se serelepe para os 82 anos de idade, Caetano mostrou um pique de moleque faceiro durante as 1h30min de show, entregando uma performance impecável e cheia de pontos positivos. Sentando apenas durante breves momentos, a lenda viva da música brasileira dançou, bateu palmas, fez brincadeiras com o público e não demonstrou qualquer sinal de cansaço, físico ou artístico. Em termos de voz, dá para dizer inclusive que a estrela baiana surpreendeu: aproveitando a acústica do Araújo Vianna e a boa mixagem de som, passeou pelas melodias, sussurros e notas agudas com despreocupada confiança, sem nenhum tropeço ou trepidação perceptível. Era um homem em seu lugar, Caetano no palco do Araújo Vianna - e felizes dos que, lá presentes, puderam presenciar o artista tão satisfeito e seguro em seu habitat natural.O show ganhou movimento com Meu Coco, faixa-título do mais recente álbum de Caetano e uma canção que representa bem o momento artístico de quem a criou: não mais revolucionário, um pouco mais contido talvez, mas ainda criativo e inquieto, ainda disposto a criar pontes musicais e mover corpos e mentes com a mesma intensidade. O repertório, aliás, mostrou-se pensado estrategicamente nesse sentido: mais reflexivo e pensativo no começo, foi lentamente ganhando intensidade com o passar das canções - até que lá pelo meio do caminho, com a dobradinha de Cajuína e Reconvexo, já estivesse todo mundo de pé, dançando com um sorriso no rosto e as letras na ponta da língua.A inteligente formatação de sua banda de apoio foi decisiva para que o delicado equilíbrio do repertório funcionasse da melhor maneira. Contando com Lucas Nunes (violão e guitarra), Alberto Continentino (baixo), Rodrigo Tavares (teclados) e os percussionistas Thiago da Serrinha e Kainã de Jêje, o conjunto mostrou-se versátil e eficaz, transitando entre a sutileza de Muito Romântico, os detalhes de You Don't Know Me, a complexidade rítmica de A Outra Banda da Terra e o quase-rock pesado de A Bossa Nova é F*da com musicalidade apurada e agradável naturalidade. Em uma viagem cheia de nuances, Caetano certamente precisaria de uma boa turma de apoio - e nenhuma resenha poderia ser justa sem mencionar o sucesso absoluto (e, por vezes, francamente empolgante) dos cinco músicos nessa missão.Com um cenário simples (basicamente, uma estrutura metálica suspensa sobre o palco, remetendo à arte de Meu Coco, e uma ampla cortina de fundo), realçado pelo competente uso de luzes, não havia muita coisa que distraísse o público da música - e não resta dúvida de que era isso que todo mundo, incluindo o próprio Caetano Veloso, queria. A singeleza de O Leãozinho foi uma pausa para balançar o corpo com mais suavidade, antes que Baby (encerrada com um emotivo "Gal, para sempre") encaminhasse a parte final do show, com clássicos como Menino do Rio, Sem Samba Não Dá e Lua de São Jorge. Foram muitas, durante a noite, as demonstrações de amor do público para Caetano (com direito a gritos como "maravilhoso", "lindo" e até um "gostoso" vez por outra), mas elas compreensivelmente atingiram o auge durante o bis, quando A luz de Tieta levou os milhares de presentes a um verdadeiro êxtase coletivo. O final, com todo mundo cantando a plenos pulmões o grudento refrão da última canção, não teve qualquer clima de adeus, ao contrário: tudo nele evocava a ideia de um sorridente até logo entre amigos, daqueles que sabem que logo voltam a se ver em um bloco de carnaval ou mesa de bar da vida. Ninguém sabe quantas chances mais teremos de ver Caetano Veloso celebrando a música brasileira em cima do palco, mas a noite de sexta-feira encerrou-se para os porto-alegrenses com uma tranquila certeza: a ponte entre o baiano e o coração de quem ama sua música vai estar sempre lá, enquanto o Brasil for Brasil e a música for música.
Apreciar o presente dos mitos fundadores da MPB tem tido, cada vez mais, um sabor de vagarosa despedida. O tempo é inexorável, mesmo quando a música é eterna, e aos poucos todo mundo vai precisar descer do palco. Gal Costa deixou o terreno e virou estrela, Milton Nascimento recentemente encerrou a turnê de adeus. Caetano Veloso, mesmo: anunciou que suas datas no exterior este ano serão as últimas fora do País, e viralizou nas redes sociais ao anunciar que faria "férias radicais" no começo do ano e pedindo que ninguém o chamasse para coisa alguma. Os dois shows em Porto Alegre, ocorridos no Araújo Vianna nesta sexta-feira e sábado, foram reagendados depois que o cantor ficou doente no ano passado. Somando tudo isso, dá para entender que pelo menos parte do público que lotou o auditório na noite de sexta-feira (01) estivesse se perguntando se aquele show seria, no fim das contas, uma última chance.

Pois olha, se depender do que se viu, não deve ser o caso. Encaminhando-se serelepe para os 82 anos de idade, Caetano mostrou um pique de moleque faceiro durante as 1h30min de show, entregando uma performance impecável e cheia de pontos positivos. Sentando apenas durante breves momentos, a lenda viva da música brasileira dançou, bateu palmas, fez brincadeiras com o público e não demonstrou qualquer sinal de cansaço, físico ou artístico. Em termos de voz, dá para dizer inclusive que a estrela baiana surpreendeu: aproveitando a acústica do Araújo Vianna e a boa mixagem de som, passeou pelas melodias, sussurros e notas agudas com despreocupada confiança, sem nenhum tropeço ou trepidação perceptível. Era um homem em seu lugar, Caetano no palco do Araújo Vianna - e felizes dos que, lá presentes, puderam presenciar o artista tão satisfeito e seguro em seu habitat natural.

O show ganhou movimento com Meu Coco, faixa-título do mais recente álbum de Caetano e uma canção que representa bem o momento artístico de quem a criou: não mais revolucionário, um pouco mais contido talvez, mas ainda criativo e inquieto, ainda disposto a criar pontes musicais e mover corpos e mentes com a mesma intensidade. O repertório, aliás, mostrou-se pensado estrategicamente nesse sentido: mais reflexivo e pensativo no começo, foi lentamente ganhando intensidade com o passar das canções - até que lá pelo meio do caminho, com a dobradinha de Cajuína e Reconvexo, já estivesse todo mundo de pé, dançando com um sorriso no rosto e as letras na ponta da língua.

A inteligente formatação de sua banda de apoio foi decisiva para que o delicado equilíbrio do repertório funcionasse da melhor maneira. Contando com Lucas Nunes (violão e guitarra), Alberto Continentino (baixo), Rodrigo Tavares (teclados) e os percussionistas Thiago da Serrinha e Kainã de Jêje, o conjunto mostrou-se versátil e eficaz, transitando entre a sutileza de Muito Romântico, os detalhes de You Don't Know Me, a complexidade rítmica de A Outra Banda da Terra e o quase-rock pesado de A Bossa Nova é F*da com musicalidade apurada e agradável naturalidade. Em uma viagem cheia de nuances, Caetano certamente precisaria de uma boa turma de apoio - e nenhuma resenha poderia ser justa sem mencionar o sucesso absoluto (e, por vezes, francamente empolgante) dos cinco músicos nessa missão.

Com um cenário simples (basicamente, uma estrutura metálica suspensa sobre o palco, remetendo à arte de Meu Coco, e uma ampla cortina de fundo), realçado pelo competente uso de luzes, não havia muita coisa que distraísse o público da música - e não resta dúvida de que era isso que todo mundo, incluindo o próprio Caetano Veloso, queria. A singeleza de O Leãozinho foi uma pausa para balançar o corpo com mais suavidade, antes que Baby (encerrada com um emotivo "Gal, para sempre") encaminhasse a parte final do show, com clássicos como Menino do Rio, Sem Samba Não Dá e Lua de São Jorge.

Foram muitas, durante a noite, as demonstrações de amor do público para Caetano (com direito a gritos como "maravilhoso", "lindo" e até um "gostoso" vez por outra), mas elas compreensivelmente atingiram o auge durante o bis, quando A luz de Tieta levou os milhares de presentes a um verdadeiro êxtase coletivo. O final, com todo mundo cantando a plenos pulmões o grudento refrão da última canção, não teve qualquer clima de adeus, ao contrário: tudo nele evocava a ideia de um sorridente até logo entre amigos, daqueles que sabem que logo voltam a se ver em um bloco de carnaval ou mesa de bar da vida. Ninguém sabe quantas chances mais teremos de ver Caetano Veloso celebrando a música brasileira em cima do palco, mas a noite de sexta-feira encerrou-se para os porto-alegrenses com uma tranquila certeza: a ponte entre o baiano e o coração de quem ama sua música vai estar sempre lá, enquanto o Brasil for Brasil e a música for música.

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