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Publicada em 27 de Fevereiro de 2024 às 14:43

Carlos Barbosa fica sem patrono na Feira do Livro em 2024

Após anunciar o nome de Ivanir "Boca" Migotto, a Fundação de Cultura e Arte (Proarte) comunicou a desistência do escritor, que sofreu ataques nas redes sociais

Após anunciar o nome de Ivanir "Boca" Migotto, a Fundação de Cultura e Arte (Proarte) comunicou a desistência do escritor, que sofreu ataques nas redes sociais

Patricia Larentis/Divulgação/JC
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Adriana Lampert
Adriana Lampert Repórter
A 32ª Feira do Livro de Carlos Barbosa, prevista para ocorrer de 4 a 9 de novembro, já carrega em sua história a marca de uma polêmica. Ao contrário das edições anteriores, o evento acontecerá sem patrono, porque o escritor e cineasta Ivanir “Boca” Migotto, que havia sido confirmado como o homenageado de 2024, desistiu da função, após uma série de ofensas e críticas à escolha de seu nome nas redes sociais. "Ao me deparar com alguns comentários, fiquei pensando que não fazia sentido eu me manter (como figura central do evento); eu não preciso disso", desabafa.
A 32ª Feira do Livro de Carlos Barbosa, prevista para ocorrer de 4 a 9 de novembro, já carrega em sua história a marca de uma polêmica. Ao contrário das edições anteriores, o evento acontecerá sem patrono, porque o escritor e cineasta Ivanir “Boca” Migotto, que havia sido confirmado como o homenageado de 2024, desistiu da função, após uma série de ofensas e críticas à escolha de seu nome nas redes sociais. "Ao me deparar com alguns comentários, fiquei pensando que não fazia sentido eu me manter (como figura central do evento); eu não preciso disso", desabafa.
Barbosense, que participou de feiras recentes do município, apresentando suas obras - Na antessala do fim do mundo (2021), Um certo cinema gaúcho de Porto Alegre – ou como o cinema imagina a capital dos gaúchos (2022) e A última praia do Brasil (2023) -, nesta quinta-feira (22), Migotto chegou a públicar em seu perfil do Facebook e do Instagram uma carta aberta, informando sobre a desistência.
Também a Fundação de Cultura e Arte (Proarte) comunicou a renúncia do escritor e cineasta - que, até 2018, foi professor universitário e atualmente é graduando em História. "A Proarte lamenta, mas compreende a decisão, reitera a relevância do artista para a cultura barbosense e comunica que o referido evento, marcado para novembro, excepcionalmente não contará com a figura de um patrono", informou a entidade em um trecho de sua nota oficial. 
O convite para a homenagem havia ocorrido poucos dias antes, pelas figuras da vice-prefeita de Carlos Barbosa, Beatriz Martin Bianco e do diretor-presidente da Proarte, Eliseu Demari. Na quarta-feira (21), foi oficializado pelas redes sociais da prefeitura da cidade, gerando comentários diversos, que se alternavam entre ofensas ao escritor e reações de perplexidade frente aos ataques. "É a esquerda dominando cada setor público...", afirmou um internauta. "Imagina o nível intelectual dessas pessoas que se deixam levar por política e, pior, ficam julgando pessoas por isso", rebateu outro. Um grupo chegou a criar um abaixo-assinado destinado à prefeitura da cidade, exigindo o "desconvite" ao homenageado.  

Ainda, de acordo com Migotto, foram inúmeros os comentários maldosos também direcionados à administração municipal. "Administração, esta, que não é do campo da esquerda, 'petista ou comunista', conforme me 'acusam' os nobres cidadãos, mas que mesmo assim teve o carinho de lembrar do meu nome para o patronato deste ano. O que demonstra, inclusive, louvavelmente, que é possível divergir em ideias, sobre diversos temas, sem apelarmos para um ódio cego e tosco que apenas nos envergonha como seres humanos", destacou o escritor em um trecho de sua carta aberta à comunidade da cidade. Segundo ele, a divulgação do seu nome "parece ter causado uma onda de protestos de ódio e rancor entre os bolsonaristas e/ou radicais de direita que não aceitam" seu posicionamento ideológico. "Sou um humanista, com tendência de esquerda, mas nunca ao menos me filiei ao PT e, ainda hoje, mal folheei o Manifesto de Marx", pondera Migotto, que também é acusado de "falar mal" do município. 
"Meu pai era um cidadão folclórico que, como já escrevi diversas vezes, ajudou a construir a cidade (de Carlos Barbosa). E foi ali, no centro da cidade, no antigo 'areião', que muitos nem sabem do que se trata, onde cresci, brinquei, briguei e muito apanhei, mas também me defendi. Embora, quase sempre eu fosse o menor da turma, e aquele que mais apanhava, não deixava barato. Por isso, até hoje não tenho medo de brigar. Mas hoje a briga é no campo das ideias", afirma em outro trecho da publicação. "O que eles chamam de 'falar mal' se refere aos meus posicionamentos críticos a certos aspectos da região, a exemplo de quando, em 2016, contestei um projeto de restauro da Estação Ferroviária da cidade, que ameaçava sua integridade histórica, ao prever a construção de duas torres de vidro grudadas ao prédio principal e em um terreno reduzido", avalia. "Fico na dúvida se essas pessoas que me acusam estão se aproveitando para distorcer ou se não entenderam a discussão que eu busquei provocar."
Na contramão dos ataques, o agora ex-patrono (Migotto ocupou o cargo por 24h) da 32ª Feira do Livro de Carlos Barbosa, recebeu muitas mensagens de apoio de populares e de entidades, como da Associação Gaúcha de Escritores (Ages), que se manifestou também pelas redes sociais. "A Associação reconhece e valoriza não só a atuação na literatura de Boca Migotto como escritor, mas também sua contribuição com a cultura do nosso país com sua relevante e bem sucedida trajetória como cineasta, tendo trabalhado em inúmeros projetos audiovisuais que valorizam a história, a cultura e o povo de Carlos Barbosa e da região. Por essa razão, a AGES, em nome das liberdades de pensamento e de expressão, das garantias individuais, do respeito à cultura e em defesa do Estado Democrático de Direito, manifesta o seu repúdio e indignação em relação ao ocorrido e renova a total e inabalável solidariedade ao escritor e cineasta Boca Migotto. 'A injustiça que se faz a um é uma ameaça que se faz a todos' (Montesquieu)", aponta um trecho da nota.
Procurado pela reportagem do Jornal do Comércio, o presidente da Proarte afirmou que "a gestão (da Feira) trabalha com pessoas de visões distintas e tem o dever de estimular a pluralidade de ideias". "O Boca lançou livros e foi para o palco nas feiras de 2022 e 2023. Lamentamos o ocorrido e compreendemos a decisão dele", reitera o dirigente.
Lembrando de muitos de seus trabalhos em audiovisual (documentários para cinema e séries para televisão, a maioria enfocando tradições da Serra Gaúcha) exaltam "não apenas Carlos Barbosa, sua gente e sua cultura, mas toda a região que recebeu a imigração italiana a partir do final do século XIX", Migotto aproveita a polêmica dos últimos dias para divulgar um artigo seu, intitulado "Foi ao cinema e salvou a história", publicado no livro 150 anos da imigração italiana no Rio Grande do Sul (Ademir Antônio Bacca). "Trata-se de um texto, que me foi solicitado para esse livro composto de inúmeros outros artigos sobre a imigração, a cerca da importância da produção audiovisual para o desenvolvimento do turismo e da economia da Serra Gaúcha", adianta. Atualmente, o artista também está escrevendo um romance que se passa na região, onde cita fatos históricos e dos primórdios da imigração italiana.
 
 
 

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