A Universal Music, maior gravadora do mundo, surpreendeu na última semana com o anúncio de que iria retirar músicas com seu selo do TikTok, como revela Sabrina Legramandi para a Agência Estado. No catálogo da empresa, estão grandes nomes da música internacional, como Taylor Swift e The Weeknd, e também do Brasil, como Anitta e Jão.
Como justificativa, a gravadora alegou não ter entrado em acordos com a plataforma acerca da compensação dos artistas, do uso de inteligência artificial na rede social e da segurança online no TikTok. A rede social respondeu também com uma nota pública que acusava a gravadora de "colocar sua própria ambição acima dos interesses de seus artistas e compositores" e disse que a plataforma é "um meio gratuito de promoção e descoberta de seus talentos".
O anúncio parece ter pouco impacto para quem não utiliza a plataforma no dia a dia, mas é fato que o TikTok teve uma enorme expressão na indústria da música nos últimos anos. Pare para pensar: quantas músicas mais curtas e com refrões rápidos você viu sendo lançadas depois da popularização da rede social? Quantos artistas já viu fazendo "dancinhas"? E quantas canções antigas você voltou a ouvir após elas terem "viralizado" na plataforma?
A Universal Music se manteve firme após o anúncio da decisão. Na conta de Taylor Swift, a aba que continha as faixas da artista aparece com um aviso de "música indisponível". Um vídeo com 12 milhões de visualizações em que Anitta ensina a dança de Mil Veces foi silenciado.
As exclusões começaram em 1º de fevereiro, dia que marcou o fim do contrato da gravadora com o TikTok. O New York Times chegou a classificar a ausência das faixas "como se Madonna tivesse um clipe excluído da MTV nos anos 1980". O anúncio representa um embate para artistas que envolve a compensação pelas canções e a divulgação das faixas. A mudança pode ser sentida negativamente até para a rede, que tem a música como ponto principal.
Para começar a compreender como se dá a compensação dos artistas no TikTok é preciso ter claro que, apesar de conter músicas, a rede não funciona do mesmo modo que plataformas como Spotify, Deezer e Apple Music. Daniel Campello, advogado de direito autoral com doutorado sobre plataformas de música, explica que, conforme a lei de direitos autorais no Brasil, o pagamento é proporcional à importância da música para o usuário.
Segundo ele, a compensação do streaming começou a ser desenhada com o surgimento do iTunes. "O Steve Jobs participou pessoalmente na questão da definição de preço no iTunes. Depois, as gravadoras acabaram impondo que elas fossem sócias de plataformas como Spotify", diz.
O advogado pontua que, apesar de ser um ponto importante para o TikTok, a música tocada na rede não paga a mesma quantia de outras plataformas de streaming. "O consumo de música é muito importante para a plataforma, mas certamente a compensação não vai ser no mesmo patamar [do que o Spotify, por exemplo]", comenta.
O produtor Vitor Cunha, CEO da distribuidora independente Magroove, aponta que o valor depende de negociações entre cada plataforma e gravadora. "Os valores podem ser diferentes até entre similares como Spotify, Deezer e Apple Music. Cada um apresenta um esquema de remuneração diferente, que deve ser levado em conta na hora de disponibilizar um catálogo", diz. Ele explica que o TikTok, ao contrário de plataformas de streaming, atua mais como "um canal de descoberta". "Se estivéssemos falando de uma plataforma de streaming, como Spotify, [o anúncio da exclusão] seria sim bem mais problemático. [...] [O TikTok] não é um canal de receita expressivo para o artista e gravadora", avalia.
Enquanto a Universal Music pautou a decisão na compensação da plataforma, o TikTok respondeu alegando ser "um meio gratuito de promoção e descoberta de seus talentos". A afirmação divide especialistas: enquanto Daniel Campello enxerga um prejuízo para a divulgação das músicas, Vitor Cunha acredita que o cenário musical esteja mais "pulverizado".
O advogado dá como exemplo Anitta, que assinou com a gravadora recentemente. Em 2022, ela fez história ao se tornar a primeira artista latina a alcançar o Top 1 do Spotify Global com Envolver, faixa que contou com uma "ajudinha" de um desafio de dança criado no TikTok. Para ele, o estilo da cantora, funk, deve ser um dos mais impactados com a mudança. "Como o lançamento de uma música do gênero dela vai sobreviver sem o TikTok?", questiona.
Cunha, por outro lado, julga que o papel da rede de vídeos pode ser cumprido por outras redes sociais. "A promoção acontece pelo TikTok, mas também no Instagram, Youtube, Facebook, Twitter", diz. "A plataforma é importante, mas certamente não tão hegemônica quanto a MTV dos anos 1980."
O anúncio dividiu artistas até da própria gravadora. O cantor Yungblud, que esteve no Brasil em 2023 durante o Lollapalooza, foi duro e avaliou a mudança como "idiota". "É a mesma m*** de sempre: duas companhias enormes decidindo o que acontece com a arte das pessoas. [...] Tudo pode ser tirado ao apertar um botão. No final das contas, é um grande lembrete para mim e outros artistas de que as coisas que você cria não devem ficar 'em dívida' com grandes empresas de tecnologia", declarou em um vídeo no TikTok.
Já o produtor Metro Boomin apontou um impacto que a rede possui na composição de novos lançamentos. "Adoro a criatividade e o apreço que as crianças demonstram pela música no TikTok, mas não gosto da bajulação forçada de artistas e gravadoras que resulta nesses discos sem vida e sem alma", escreveu em uma publicação no X, antigo Twitter.
Cunha diz que não há como prever o comportamento de outras gravadoras após a decisão da Universal Music. Ele, porém, acredita que a mudança "certamente abre uma discussão na indústria e pode acender um alerta para outras redes sociais". Já Campello julga que a exclusão ficará restrita à Universal, mas também avalia que ela abrirá discussões para o mercado musical.