Adaptação do romance homônimo do escritor e cineasta pernambucano Wilson Freire, A mulher que queria ser Micheliny Verunschk - novo espetáculo da Cia. Stravaganza - é o primeiro monólogo da atriz gaúcha Sandra Possani, em seus mais de 30 anos de carreira. Dirigida por Adriane Mottola, a peça teatral também marca a reabertura do Estúdio Stravaganza (rua Dr. Olinto de Oliveira, 68), onde cumpre temporada até o dia 16 de dezembro. As apresentaçõe acontecem de quarta-feiras a sábados, sempre às 20h e têm entrada gratuita, mediante retirada de senha uma hora do espetáculo. Cada sessão tem capacidade para 35 pessoas.
Revelando a condição feminina em um espaço violado e colonizado - fazendo, ainda, um comparativo com a pátria brasileira, "estuprada e corrompida desde o seu descobrimento" - a peça conta a história de uma mulher educada em um ambiente masculino, vivendo em zona portuária, e que passa por diversas violências na infância e na adolescência. Quando se torna adulta, já trabalhando como prostituta, ela sonha em ser escritora. Assistindo a vida passar e sumir no mar, em constante imobilidade, sua imaginação é gigante: gosta de garatujar letras, cascavilhar ideias, chafurdar frases à procura da inspiração para contar a sua própria história.
No palco, Sandra Possani vai contando narrativas diversas, a partir das marcas de infância da personagem e de seu contato com o mundo, que se resume aos homens que passam por sua vida, mas logo se vão, em seus navios. "Ao se ver analfabeta, a personagem pensa que quer aprender a escrever para colocar tudo em palavras, no entanto, no fundo não se sente digna de ser escritora com o nome que tem e vai em busca de alguém para se inspirar: (a escritora, crítica literária, compositora e historiadora pernambucana Micheliny Verunschk", resume a atriz gaúcha.
"Ela vive uma busca de identidade, de integridade, luta para se reconhecer, é uma buscadora - e nesse sentido me identifico com a personagem, pois eu também enfrentei desafios e fui atrás de um sonho desde muito jovem, que era fazer teatro", emenda Sandra. "Quando li o romance, a história me tocou muito: eu nunca quis ser escritora, mas me reconheci nesta figura feminina que não desistiu de realizar um sonho", reforça. Natural de Catuípe, ela começou a atuar em Ijuí ao lado do ator e diretor Fernando Kike Barbosa (no então grupo Experimental de Teatro). No final dos anos 1980, passou a integrar a tribo de atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz, onde permaneceu por uma década. Nos 15 anos seguintes, integrou o grupo Depósito de Teatro. Também fez trabalhos para o cinema, atuando em produções como Saneamento Básico, o Filme (2007), de Jorge Furtado, e O Som ao Redor (2012), de Kleber Mendonça Filho.
"Pela primeira vez, me senti segura para encarar o desafio de fazer um espetáculo solo, pois sempre trabalhei com o coletivo", comenta a atriz. Outra situação nova para Sandra foi ser dirigida por Adriane Mottola, com quem ainda não tinha trabalhado. "Foi uma grata surpresa: toda a construção do espetáculo foi muito delicada, muito feminina, a Adri é muito atenta e nós duas nos alinhamos bem", afirma. Antes de iniciar os ensaios, que duraram cerca de oito meses, Sandra e Adriane já haviam se debruçado nas leituras do romance de Freire, e contaram com a ajuda Kike Barbosa e Angela Spiazzi na dramaturgia da peça. "Este projeto iniciou ainda durante a pandemia, mas pode ser consolidado após venceros o edital FAC das Artes de Espetáculo/Sedac, cujo financiamento viabilizou essa temporada de 12 apresentações gratuitas."
Antes de estrear no Estúdio Stravaganza, nesta quarta-feira (6), Sandra encenou trechos do monólogo para mulheres em situação de vulnerabilidade, abrigadas no Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos Ilê Mulher e também para detentas da Penitenciária Feminina Madre Pelletier, em Porto Alegre. A segunda temporada está prevista para março de 2024, quando o autor do romance deve vir à Capital para assistir o espetáculo. Amigo pessoal de Sandra, Wilson Freire afirma que se inspirou nela para criar a protagonista do livro. "Eu sempre busco uma inspiração em alguém real para dar voz às minhas personagens", explica.
"Vi na Sandra a pessoa perfeita para 'encarnar' a mulher que queria ser Micheliny Verunschk, por uma série de características: magrinha, serelepe, inteligente e viva. A partir daí, foi fácil criar uma personagem de ficção. E depois que lancei o livro, fui eu quem falei para a Sandra que gostaria muito de ver ela vivendo essa mulher no teatro ou no cinema", emenda Freire. Tendo realizado seus dois primeiros objetivos (o livro e a peça), agora o cineasta afirma que vai buscar uma parceria no meio audiovisual para a realização de mais esse desafio.