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Publicada em 23 de Novembro de 2023 às 18:59

Reverenciando a ancestralidade afro, Martinho da Vila apresenta Negra Ópera em Porto Alegre

No final do concerto, Martinho recebeu o prêmio Mérito Cultural da PUCRS

No final do concerto, Martinho recebeu o prêmio Mérito Cultural da PUCRS

EVANDRO OLIVEIRA/JC
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Bárbara Lima Repórter
Longe dos sucessos boêmios que consagraram Martinho da Vila um dos maiores sambistas e expoentes da música brasileira, como “Devagar, Devagarinho” ou “Mulheres”, ou, ainda, “Disritmia”, quem esteve presente no Salão de Atos da PUCRS, em Porto Alegre, na noite desta quarta-feira (22), desfrutou de um show intimista e dramático – no melhor estilo ópera – com a apresentação do novo álbum do cantor: Negra Ópera (2023). A obra conquistou o Grammy Latino de Melhor Álbum de Samba/Pagode na semana passada. O show, de quase uma hora e meia, foi uma verdadeira ode à cultura negra e à ancestralidade dos afro-brasileiros. Surpreendendo quem esperava a entrada do cantor logo de cara, foi performance da dançarina Allenkr Soares que anunciou a Abertura da Negra Ópera, seus movimentos em total sintonia com os arranjos de "Zumbi dos Palmares". Na sequência, Martinho, com a banda, se acomodou no palco, onde uma cadeira esperava por ele, mas que, na verdade, ele pouco usou. Vestido com um paletó branco na primeira metade do espetáculo (que seria substituído por um todo preto na segunda) e com a voz potente, o sambista  fala-canta trouxe o tom dramático necessário às estrofes de Mãe Solteira ao clarificar: “Hoje não tem ensaio, não. Na escola de samba. O morro está triste, o pandeiro calado”, sendo calorosamente aplaudido ao final. “Martinho, eu te amo”, gritou a plateia. Com a interação própria de uma contador de histórias, acostumado com as rodas de samba, Martinho disse que a música que estava por vir foi inspirada por uma recomendação que sua mãe costumava fazer: “Minha mãe, Tereza de Jesus, me aconselhava a não pedir nada a ninguém para não ficar devendo, porque se você fica devendo, sempre que você vê a pessoa, parece uma caveira”. A introdução embalou o som de O Caveira, canção do álbum Origens, de 1973, a primeira fora do repertório do lançamento. Depois viriam, ainda, algumas outras, como Linha do Ão, do álbum Martinho da Vila Da Roça E Da Cidade (2001) e Escuta, Cavaquinho!, do LP De Bem Com a Vida, de 2016, momento em que Martinho se sentou e chamou para a “conversa de cavaquinho e violão” os instrumentistas Ivan Machado e Wellington Monteiro. Festa de Umbanda, do álbum Martinho da Vila (1974), também esteve presente no desfecho do show.
Longe dos sucessos boêmios que consagraram Martinho da Vila um dos maiores sambistas e expoentes da música brasileira, como “Devagar, Devagarinho” ou “Mulheres”, ou, ainda, “Disritmia”, quem esteve presente no Salão de Atos da PUCRS, em Porto Alegre, na noite desta quarta-feira (22), desfrutou de um show intimista e dramático – no melhor estilo ópera – com a apresentação do novo álbum do cantor: Negra Ópera (2023). A obra conquistou o Grammy Latino de Melhor Álbum de Samba/Pagode na semana passada. O show, de quase uma hora e meia, foi uma verdadeira ode à cultura negra e à ancestralidade dos afro-brasileiros.

Surpreendendo quem esperava a entrada do cantor logo de cara, foi performance da dançarina Allenkr Soares que anunciou a Abertura da Negra Ópera, seus movimentos em total sintonia com os arranjos de "Zumbi dos Palmares". Na sequência, Martinho, com a banda, se acomodou no palco, onde uma cadeira esperava por ele, mas que, na verdade, ele pouco usou. Vestido com um paletó branco na primeira metade do espetáculo (que seria substituído por um todo preto na segunda) e com a voz potente, o sambista  fala-canta trouxe o tom dramático necessário às estrofes de Mãe Solteira ao clarificar: “Hoje não tem ensaio, não. Na escola de samba. O morro está triste, o pandeiro calado”, sendo calorosamente aplaudido ao final. “Martinho, eu te amo”, gritou a plateia.

Com a interação própria de uma contador de histórias, acostumado com as rodas de samba, Martinho disse que a música que estava por vir foi inspirada por uma recomendação que sua mãe costumava fazer: “Minha mãe, Tereza de Jesus, me aconselhava a não pedir nada a ninguém para não ficar devendo, porque se você fica devendo, sempre que você vê a pessoa, parece uma caveira”. A introdução embalou o som de O Caveira, canção do álbum Origens, de 1973, a primeira fora do repertório do lançamento. Depois viriam, ainda, algumas outras, como Linha do Ão, do álbum Martinho da Vila Da Roça E Da Cidade (2001) e Escuta, Cavaquinho!, do LP De Bem Com a Vida, de 2016, momento em que Martinho se sentou e chamou para a “conversa de cavaquinho e violão” os instrumentistas Ivan Machado e Wellington Monteiro. Festa de Umbanda, do álbum Martinho da Vila (1974), também esteve presente no desfecho do show.

Ancestralidade 

Retornando ao novo álbum, Martinho tocou Timbó e homenageou Jamelão. A música, um samba antigo, fala de um feiticeiro africano que cresceu na Ilha de Marajó. “Num batuquejê, mandava oró, Akurubandê, Lá do marajó. Um dia Timbó faleceu e do germe do seu sangue nasceu a tulipa negra dos sonhos meus.” Linda Madalena, Malvadeza Durão - "Durão" que Martinho fez questão de explicitar que significa “durão, de pobre mesmo”, Iracema, Heróis da Liberdade, Diacuí, Dois de Ouro, uma homenagem à capoeira, se somaram ao setlist.

E como em toda boa ópera os vocais são imprescindíveis, Martinho trouxe suas duas filhas, sua 'fabricação própria', como ele definiu, Analimar Ventapane e Alegria Ferreira, para uma explosão de energia e ancestralidade em Exu das Sete (feat Preto Ferreira). "Na religião católica, todo mundo tem um anjo da guarda. Nas religiões de matriz africana, todo mundo tem o seu Exu, o meu é o das encruzilhadas. E o seu, qual é?", perguntou Martinho ao pianista, Kiko Horta. "Ele usa capa preta e cartola, dá risada e gargalhada, tudo que é de ruim, ele isola", cantou. Alegria, convidada especial, apareceu pouco antes para cantar Pra Mãe Tereza, música de Martinho feita para a mãe, mas adaptada pela neta. Da família, um momento mágico dos percussionistas Gabriel Policarpo e Bernardo Aguiar pareceu envolver o público no "batuque" solo por horas. "Essa é a parte branca da família", brincou Martinho.
O grande ápice do show, no entanto, foi quando Martinho tocou Acender as Velas, de Negra Ópera, com mais uma performance de Allenkr Soares. "Quando não tem samba, tem desilusão".  E quando Martinho entoou "Deus me perdoe, mas vou dizer, o doutor chegou tarde demais, porque no morro não tem automóvel para subir, não tem telefone para chamar e nem tem beleza pra se ver, e a gente morre sem querer morrer", a sombra de Allenkr na parede e sua expressão facial completaram o tom dramático da ópera, que não tinha uma orquestra no fosso, como de costume, mas uma energia instrumental ímpar entorno do sambista. 

Mérito Cultural

No final do espetáculo, Martinho recebeu o prêmio Mérito Cultural da PUCRS 2023. Agora, seu rosto está estampado no hall de entrada do Salão de Atos, ao lado dos outros homenageados: Fernanda Montenegro (2018), Maria Bethânia (2019), Lima Duarte (2020), Alcione (2021) e Alceu Valença (2022). Por fim, depois dos agradecimentos, contemplou a plateia apaixonada com um bis: Kizomba, Festa da Raça, enredo apresentado pela Unidas de Vila Isabel, em 1988, que a fez conquistar seu primeiro título no carnaval carioca. “Valeu, Zumbi! Todo mundo que luta é zumbi”, despediu-se.

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