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Publicada em 20 de Novembro de 2023 às 01:25

Narrativas diversas na Fundação Iberê

Obras de Janaina Tschäpe (foto) integram uma das três exposições que movimentam o centro cultural, marcando o encerramento da agenda 2023 do centro cultural

Obras de Janaina Tschäpe (foto) integram uma das três exposições que movimentam o centro cultural, marcando o encerramento da agenda 2023 do centro cultural

/Janaina Tschäpe/Divulgação/JC
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Adriana Lampert
Com temas envolvendo a política brasileira e a história do País, questões socioambientais, e um olhar misto de realidade e fabulação sobre a natureza, três exposições fecham a programação de 2023 na Fundação Iberê Camargo (avenida Padre Cacique, 2000). Duas já estão em cartaz desde o início de novembro: Resistência, do artista maranhanse Thiago Martins de Melo, com curadoria do islandês Gunnar B. Kvaran, e Iberê Camargo: vivo como as árvores, de pé - mostra com obras inéditas do pintor gaúcho, cuja curadoria é assinada por Martins de Melo em parceria com o responsável pelo acervo da entidade cultural, Gustavo Possamai. A terceira exposição será aberta - em evento com entrada franca - neste sábado: intitulada Estrelas conversando em voz alta, é de autoria da artista teuto-brasileira Janaina Tschäpe e tem curadoria da crítica de arte Luisa Duarte. Os ingressos para a visitação das mostras estão à venda pela plataforma Sympla.
Com temas envolvendo a política brasileira e a história do País, questões socioambientais, e um olhar misto de realidade e fabulação sobre a natureza, três exposições fecham a programação de 2023 na Fundação Iberê Camargo (avenida Padre Cacique, 2000). Duas já estão em cartaz desde o início de novembro: Resistência, do artista maranhanse Thiago Martins de Melo, com curadoria do islandês Gunnar B. Kvaran, e Iberê Camargo: vivo como as árvores, de pé - mostra com obras inéditas do pintor gaúcho, cuja curadoria é assinada por Martins de Melo em parceria com o responsável pelo acervo da entidade cultural, Gustavo Possamai. A terceira exposição será aberta - em evento com entrada franca - neste sábado: intitulada Estrelas conversando em voz alta, é de autoria da artista teuto-brasileira Janaina Tschäpe e tem curadoria da crítica de arte Luisa Duarte. Os ingressos para a visitação das mostras estão à venda pela plataforma Sympla.
"O critério para a seleção dos trabalhos que chegam à Fundação Iberê Camargo tem como base a execelência na carreira do artista", resume o diretor-superintendente da entidade, Emilio Kalil. "Antes do convite, consideramos um conjunto de itens e, após, consultamos curadores e conversamos com os artistas, para entender o que eles querem apresentar na Fundação." No caso de Janaína, Kalil pontua se tratar de uma "artista extraordinária". "O percurso dela é muito sólido desde o início da carreira; ela 'nasceu' com esta mesma força pictórica de dominar o que faz muito bem", opina.
Radicada em Nova York há 27 anos, Janaína tem trabalhos em importantes coleções públicas de diversos países, como Japão, Portugal, França, Estados Unidos, Bélgica, Brasil, Suécia, Espanha, Áustria, entre outros. Nesta mostra, que vai ocupar o terceiro piso da Fundação Iberê Camargo, ela apresenta 39 obras entre pinturas, aquarelas e desenhos, além de fotografias e livros. "Ela vai trazer algumas telas gigantes. Inclusive uma delas foi feita especialmente para esta mostra, e é o trabalho que dá título à exposição".
As pinturas de Janaína têm um aspecto líquido e translúcido que recorda contornos vegetais, animais ou minerais em paisagens silvestres e subaquáticas. O repertório de formas orgânicas da artista se compõe em grandes superfícies animadas pelo movimento dos seus gestos: os riscos velozes que traça com bastões a óleo sobrepõem-se à fluidez de pinceladas mais largas. A natureza não é retratada fielmente na obra da artista, mas tem sua dinâmica vital traduzida em termos pictóricos, em grandes superfícies. 
Também com grandes dimensões, e apresentando cores fantasmáticas e muita complexidade, as 14 obras do maranhense Martins de Melo articulam uma densidade narrativa, feita de referências autobiográficas e mitológicas, sincretismo religioso e ambiência surreal. No centro dessa articulação, emergem, ora de forma sutil ora contundente, temas da política brasileira e da história do País. "Eu venho de uma região marcada pela violência; não temos tempo para tratar de questões acadêmicas. Ser artista é um ato político", justifica. "Também não há como dissociar minha visão de mundo mestiça e de um povo que sofreu um processo violento de colonização. Esse conteúdo geopolítico se revela em diversos elementos que se misturam no trabalho, que trata, no todo, da América Latina e da relação do Brasil com a África."   
Cada obra da exposição de Martins de Melo "é um mundo à parte", afirma o próprio artista. Segundo ele, foi o trabalho de curadoria que permitiu que as muitas narrativas dialogassem. E, segundo o curador, os temas das pinturas "giram em torno de questões fundamentais, como os direitos dos nativos, a luta pela terra e a violência que ela pode causar."  Ocupando o átrio e o segundo piso da Fundação Iberê, a mostra inicia com a obra Queima do templo do conhecimento (2021), uma escultura-vídeo-pintura em que o fogo assume o papel principal, fazendo referência ao incêndio que destruiu o Museu Nacional do Rio de Janeiro em 2018 e que possuía a quinta maior coleção arqueológica do mundo. "Esse episódio, a meu ver, foi o momento de transição para o período obscuro que vivemos durante o governo Bolsonaro, com a sociedade assumindo suas sombras, e o lado fascista presente em metade da população", destaca. 
Além do convite para apresentar a mostra pela primeira vez na entidade, Martins de Melo foi convidado para fazer uma imersão na obra de Iberê Camargo e realizar a curadoria da exposição Vivo como as árvores, de pé, em parceria com Possamai. Nesta mostra, eles apresentam um recorte de 146 trabalhos da obra do pintor gaúcho a partir do acervo da Fundação (que conta com 4 mil ítens), além de três guaches da série Ecológica (Agrotóxicos) cedidos por colecionadores. "A série Ecológica... retrata atores do grupo teatral Ói Nóis Aqui Traveiz, a partir de uma intervenção cênica que eles fizeram no Parque da Redenção no final de 1985", conta Possamai. "O Iberê assistiu essa intervenção, onde eles entoavam falas do ambientalista José Lutzenberger, denunciando os 12 agrotóxicos mais prejudiciais ao ser humano e à fauna silvestre", emenda. As pinturas, segundo Possamai, foram produzidas em 1986, na Terreira da Tribo, com os atuadores do coletivo posando para o pintor.
Vivo como as árvores, de pé inclui, ainda, uma série de falas do artista gaúcho que mantêm vivo o seu pensamento. "Ele dizia que era fundamental e urgente que a sociedade criasse uma consciência ecológica para que as pessoas percebessem os danos que causam ao meio-ambiente. Nota-se, portanto, que a exposição segue um tema - infelizmente - ainda muito atual", avalia o curador.

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