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Acontece

- Publicada em 11 de Outubro de 2023 às 11:40

A diversidade reconhecida do Ballhaus Naunynstrasse, espaço cultural alemão conduzido por brasileiro

Dirigido por um mineiro, teatro público em Berlim valoriza temáticas inclusivas e recebeu o principal prêmio do governo federal alemão

Dirigido por um mineiro, teatro público em Berlim valoriza temáticas inclusivas e recebeu o principal prêmio do governo federal alemão


ACERVO PESSOAL WAGNER CARVALHO/DIVULGAÇÃO/JC
Diversidade não só no palco, mas também nos bastidores e na plateia. Essa foi a característica definitiva para que o Ballhaus Naunynstrasse, localizado em Berlim, recebesse o principal prêmio de Teatro do Governo Federal Alemão 2023, dotado com € 200 mil. Dirigido desde 2013 pelo mineiro Wagner Carvalho, o espaço acolhe produções culturais que priorizem temáticas negras, queer, feministas, de arte-educação e documentais. 
Diversidade não só no palco, mas também nos bastidores e na plateia. Essa foi a característica definitiva para que o Ballhaus Naunynstrasse, localizado em Berlim, recebesse o principal prêmio de Teatro do Governo Federal Alemão 2023, dotado com € 200 mil. Dirigido desde 2013 pelo mineiro Wagner Carvalho, o espaço acolhe produções culturais que priorizem temáticas negras, queer, feministas, de arte-educação e documentais. 
"A sociedade é diversa e o palco tem que refletir essa realidade. A origem dos artistas não importa", destaca o brasileiro, que também entrou para a história por ser o primeiro diretor negro a assumir a administração de uma instituição teatral pública na Alemanha. "Eu não diria que a gente faz teatro de resistência, o que a gente faz é teatro, e que bom se um dia a gente se tornar supérfluo, desnecessário", pondera o mineiro, natural de Belo Horizonte.
Enquanto o que é produzido no Ballhaus Naunynstrasse ainda é fundamental para provocar a reflexão e mudança de comportamento social (principalmente após a nova onde de perseguições xenófobas que se criou, impulsionada pela crise dos refugiados e pela ascensão da extrema-direita em diversos pontos do mundo) o teatro feito na instituição é denominado de "pós-migrante". A ideia é fugir de pautas eurocentradas, para ampliar os horizontes das artes cênicas naquele país.
Espaço multiuso, com distintas perspectivas cenográficas, e que reúne artistas de diversas nacionalidades e gêneros, o Ballhaus Naunynstrasse funciona em um prédio construído em 1863. Inicialmente, o local era um salão de baile de quintal, como outros que existiram em Berlim ao longo do século XIX. Antes de ser o atual teatro de repertório da cena livre da cidade, o espaço começou a funcionar como um teatro de bairro em 1982. Mas somente a partir de 2008, o palco e salas do lugar passaram a ser ocupados - de forma participativa - por artistas imigrantes (turcos, armênios, curdos), não brancos, não binários, entre outros. Ali ocorrem, também, oficinas de teatro, dança e canto, sempre com o foco na diversidade.
Vivendo há 32 anos na Alemanha, Carvalho chegou em Berlim, pouco depois da queda do Muro, em 1992, período em que ser estrangeiro naquele país – sobretudo, sendo um homem preto – podia ser perigoso. "As perseguições xenófobas eram uma realidade recorrente", recorda o diretor artístico e administrador do Ballhaus Naunynstrasse. "Infelizmente, agora estamos novamente vivendo um recrudescimento de um movimento de extrema-direita, que voltou a causar furor em algumas cidades, com pautas racistas e contra imigrantes, levantadas pelo Alternativa Para a Alemanha (AFD) - nome de um partido que de alternativa não tem nada e que vem  fazendo oposição ao governo - e isso é um problema muito sério", pontua.
Segundo Carvalho, além de ser uma "grata notícia", o reconhecimento do júri da premiação organizada pelo governo federal alemã (cuja cerimônia de entrega ocorre em uma festa de gala na casa de festivais Berliner Festspiele nesta quarta-feira, 11) é importante para a instituição teatral, que se mantém com recursos de editais e fomentos públicos. "Estamos em êxtase, felizes e orgulhosos! Nós, que, em geral, não recebemos reconhecimento e não temos acesso aos palcos e aos papéis de protagonista, recebemos este prêmio como motivação para continuarmos a contar histórias inacreditáveis e a fazer arte."
Definindo o Ballhaus Naunynstrasse como um espaço de ressonância, de diversidade, de ampliação de perspectivas da sociedade alemã e de interseccionalidade, o diretor artístico e administrador do local ressalta que "esse prêmio dá ao espaço uma maior visibilidade, e é também uma forma de mostrar que ainda é necessário manter e lutar pela ampliação do respeito às diferenças na Alemanha".
Também ator e bailarino, Carvalho iniciou sua carreira artística cedo: aos 12 anos participou de uma oficina do Teatro do Oprimido, e logo se engajou em lutas populares da região que morava. "Passei por um processo de construção artística num teatro totalmente político, pós-ditadura", contextualiza. Quando chegou na Alemanha, já com formação em dança, canto e teatro, pode se "realizar de forma ampla, enquanto artista", avalia. Antes de se tornar administrador do espaço público premiado, ele realizou uma série de outros trabalhos em artes cênicas, incluindo um espetáculo que teve apresentações dentro da instituição, antes de se tornar o líder da casa.
"Para a Ballhaus Naunynstrasse, esse prêmio significa que a demanda, formulada aqui, por uma revisão da história colonial da Alemanha e pelo reconhecimento da experiência de violência cotidiana em nível federal, está repercutindo", emenda Carvalho. O diretor artístico destaca que o espaço tem um efeito "duradouro" no desenvolvimento de estilos artísticos. "Ao longo dos anos, uma grande quantidade de trabalhos de alta qualidade foi realizada na Ballhaus e com frequência essas obras também chamaram a atenção em nível inter-regional, nacional e internacional", valoriza.